Artigo: Algumas distinções entre admiração e curiosidade
Para São Tomás, a curiosidade tem por objetivo satisfazer o corpo e de modo especial o apetite da vista. Citando Santo Agostinho, ele afirma que: “Et vocatur concupiscentia oculorum, quia oculi sunt ad cognoscendum in sensibus principales, unde omnia sensibilia videri dicuntur”.
Quando o homem está dominado por este sentimento, não há propriamente um progresso no ver, mas apenas um aumento quantitativo da visão. Enquanto o curioso é aquele que mais vê, o admirativo é aquele que mais pensa no que viu. Uma das características da admiração está no fato de dar ao homem a capacidade de sempre encontrar algo de novo naquilo que é aparentemente comum e quotidiano.
Quanto à curiosidade, esta parece mitigar o natural desejo de conhecer para substituí-lo pelo apetite de procurar somente aquilo que provoca prazer. Este movimento é descontínuo e nele não há concatenação nem desejo de inquirir sobre o futuro.
Uma vez que viu o objeto que lhe despertou atenção, o curioso não se preocupa em tirar daí as consequências oriundas deste movimento. Não se interessa em fazer com que o ato ver se converta em saber.
Na doutrina tomista, quando o vício capital da acídia se refere ao conhecimento, ele pode também ser considerado como curiosidade. Alguns dos seus efeitos são a inquietação interior, a inconstância de decisão e a volubilidade do caráter. Se afeta o modo de falar chama-se verbosidade. Quando pertence ao corpo denomina-se inquietude corporal.
São Tomás também liga a curiosidade com a ‘evagationem mentis’. Esta última é entendida como a dissipação do espírito que se espraia na exterioridade. A inteligência derrama-se sem cessar no mundo exterior à procura daquilo que é “novo e insólito”. O curioso, a cada momento deseja coisas novas e desconhecidas, mas “nunca o novo no mesmo, o novo no sempre, a serena e progressiva penetração na substância do antigo” .
O curioso deseja “sair da torre do espírito e derramar-se no variado”. Seu olhar vagueia por todos os lugares sem nunca adotar uma direção determinada . Ele nunca está satisfeito com o que tem e nem mesmo sabe o que procura. É então que se dá a troca do “desiderium sciendi” que é, segundo São Tomás o fundamento da admiração, para substituí-lo pelo narcótico alienante da curiosidade que tudo quer ver e sentir.
Outro efeito da má curiosidade consiste na confusão mental. Esta provoca no homem uma profunda crise de dispersão e de pulverização do saber. Na alma do curioso, as ideias não apresentam mais entre si aquele traço de unidade lógica. Como não hierarquiza conceitos, seus pensamentos percorrem sempre num plano horizontal. A consequência disto é que o curioso acaba por dispersar-se na multiplicidade do existente, pois em sua alma todas as coisas adquirem um mesmo valor.
Por outro lado, a admiração dá ao homem esta possibilidade de hierarquizar o saber. Quem admira, fixa seus olhos no ser que admirou. E, quando uma vez se encontra distante dele, procura pensar nas razões que o levaram a considerar aquilo como maravilhoso e extraordinário. É por esta razão que o olhar admirativo quando retorna ao objeto contemplado, percebe que este se tornou acrescido, tornou-se enriquecido por esta visão oriunda da admiração.
Inácio de A. Almeida
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