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Artigo: A pomba e os cardeais – Parte 2

 

Papel decisivo do Colégio Cardinalício

Foi Estevão IX que pela primeira vez confiou a eleição do sucessor de Pedro aos cardeais. Tendo que se ausentar de Roma, e talvez pressentindo sua morte próxima, “convocou os cardeais, bispos, padres, diáconos e lhes falou nestes termos: ‘Eu sei, irmãos, que depois de minha morte surgirão entre vós homens orgulhosos e ambiciosos que forçarão a porta às ovelhas, buscarão apoio nos poderes leigos e depreciarão as regras santas publicadas pelos Padres, invadindo a Sede Apostólica’. […] Todos, sem exceção, prometeram ao Papa obedecer suas instruções. E cada um deles pôs as mãos entre as do pontífice, jurando não permitir que fosse eleito um Papa sem consentimento unânime e uma eleição livre realizada por todos os membros do Colégio Cardinalício” [5].

Tranquilizado pelas garantias dadas pelo clero de Roma, Estevão IX partiu de viagem, mas em Florença foi acometido por uma súbita doença que o levou deste mundo; São Hugo, de Cluny, que acompanhava o pontífice na viagem, o assistiu nos últimos instantes.

Usurpação da Cátedra de Pedro

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A notícia da morte de Estevão IX detonou novas explosões de ambição dos príncipes temporais. Gregório, conde de Tusculum, aliado a outros senhores das proximidades de Roma, intentou em seguida impor seu candidato. “Os conjurados penetraram de noite na cidade de Roma, que ficou presa de sua fúria. No meio de um grande tumulto invadiram a Basílica de Latrão e proclamaram Papa o bispo João de Velletri, com o nome de Bento X. Pedro Damião, este herói da fé e da disciplina eclesiástica, que acabava de ser promovido à sede de Ostia, se uniu aos cardeais a fim de protestar contra esta violência horrível. No entanto, os soldados se precipitaram sobre eles, de espada em punho, para massacrá-los. Os cardeais, protegidos por alguns servidores fiéis, conseguiram sair da Basílica por uma porta secreta e abandonaram Roma” [6].

Primeira eleição realizada pelo Sacro Colégio

Nesta ocasião, o cardeal Hildebrando – futuro São Gregório VII – regressava de uma viagem à Alemanha. Ao saber da eleição, contra a proibição expressa do Papa Estevão IX, se deteve em Florença, a fim de organizar a eleição legítima, de acordo com o juramento feito anteriormente pelos cardeais.

Em Siena, Hildebrando propôs ao trono pontifício o bispo de Florença, Geraldo, que foi eleito por unanimidade pelos cardeais, tomando o nome de Nicolau II. “No mês de janeiro de 1059 o Papa Nicolau II foi recebido em Roma pelo clero e o povo com as devidas honras, sendo entronizado pelos cardeais e tomou posse da Santa Sé, segundo o costume” [7]. Alguns dias depois, o antipapa Bento X se apresentou diante de Nicolau II, com o objetivo de se reconciliar com a Igreja e assim se normalizou a situação.

Ainda que o pontificado de Nicolau II tenha sido muito curto – apenas dois anos – marcou definitivamente a história da Igreja, ao instituir para sempre, no Concílio de Latrão, em abril de 1059, que a eleição papal ficava reservada aos cardeais, eximindo-a, assim, de interferências e das ambições dos príncipes temporais:

“Decidimos – determina o decreto de Nicolau II – que, por causa da morte do Soberano Pontífice da Igreja romana e universal, os cardeais-bispos regulam com o maior cuidado a questão de seu sucessor. Depois recorrerão aos cardeais-clérigos, ao resto do clero e ao povo, a fim de obter seu consentimento para a nova eleição. Que façam recair sua eleição, de preferência, no seio da Igreja romana, se nela encontram um homem capaz; caso contrário, busquem-no em outra Igreja” [8].

Com o passar dos séculos, os cardeais foram assumindo cada vez mais encargos na Cúria Romana, auxiliando, assim, o Papa no governo da Igreja. Um deles, por exemplo, é o Tribunal da Penitenciaria Apostólica, que regula a concessão de indulgências e as matérias concernentes ao foro interno. A origem deste tribunal deve ser procurada no século XII, quando a absolvição de certos delitos mais graves foi reservada ao Romano Pontífice. Sendo muitos os que compareciam em peregrinação a Roma para alcançar o perdão de seus pecados, ou enviarem seus pedidos por escrito, apresentando caso de consciência, decidiu o Papa delegar suas faculdades a um cardeal – ‘paenitentiarius maior’ – que desde o século XIII aparece estavelmente com o poder de absolver pecados e censuras, dispensar irregularidades e impedimentos, comutar votos etc. Tem a suas ordens um regente da Penitenciaria, um consultor canonista, vários auditores para examinar as causas, além de outros oficias inferiores” [9].

Modernização da Cúria Romana

No século XVI, Sisto V, em seu curto, mas profícuo pontificado, limitou a 70 o número de cardeais, mas promoveu ao mesmo tempo uma inovadora reforma na Cúria Romana, dividindo a administração da Igreja em 15 Congregações, dirigidas por cardeais. Esta estrutura, com as adaptações necessárias aos novos tempos, permanece essencialmente a mesma até hoje, demonstrando sua grande eficácia.

Atualmente, segundo a constituição apostólica “Universi Dominici Gregis”, de João Paulo II, os cardeais eleitores não devem sobrepassar o número de 120, e exercem o direito de voto até completar oitenta anos de idade.

Das remotas eras em que uma pomba indicava aos fiéis o escolhido por Deus, para governar a Igreja , até nossos dias o Espírito Santo foi conduzindo com seu sopro divino os acontecimentos, de forma a dar a Igreja sua bela fisionomia, como a descreve São Paulo, “toda gloriosa, sem mácula, sem ruga, sem qualquer outro defeito semelhante, apenas santa e irrepreensível” (Ef 5, 27).

“A carreira do Paraíso”

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A criação de novos cardeais, como há pouco ocorreu, no Consistório de 24 de novembro de 2010, traz sempre à mente de todos a honrosa dignidade deste cargo eclesiástico, ficando às vezes, em um segundo plano, outros aspectos não menos importantes de tão alta função.

Merecem, por isso, ser aqui mencionadas – a título de conclusão – as palavras de Dom Angelo Comastri, Cardeal Arcipreste da Basílica de São Pedro, a Rádio Vaticana, nas quais o ilustre purpurado deixa ver o verdadeiro e sublime sentido do cardinalato:

“O cardinalato não modifica a vida, o cardinalato compromete a dar mais, compromete – se assim se pode dizer – a um heroísmo maior no viver a fidelidade à própria vocação. […]. Não existem ‘carreiras’ na Igreja, mas existem chamados ao serviço. A única carreira na Igreja é a carreira ao Paraíso. Se não chega lá, então se errou, porque a finalidade da vida é alcançar o Paraíso. Todo o demais é unicamente um chamado ao serviço: chamado a viver pelo Evangelho, porque é o bem único da vida; chamado a servir a Jesus, porque é nossa única esperança; chamado a anunciar ao mundo que só há um Salvador. Também o cardinalato serve para isso e somente para isso”.

Por José Antonio Dominguez

1) CESARÉIA, Eusébio apud Darras, J.-E. Histoire Générale de L’Église. Paris: Louis Vives, 1876, t. 8, p. 116.
2) Idem, ibidem, p. 116.
3) LLORCA S.I, Bernardino. História de la Iglesia Católica. Madrid: BAC, 1953, t. II, p. 176.
4) ROHRBACHER. Histoire Universelle de L’Église Catholique. Lyon: Librairie Ecclesiastique de Briday, 1872, t. 6, p. 111.
5) Darras, J.-E. Histoire Générale de L’Église. Paris: Louis Vives, 1876, t. 21, p. 293.
6) Idem, ibidem, pp. 295-296.
7) Cf. ROHRBACHER. Histoire Universelle de L’Église Catholique. Lyon: Librairie Ecclesiastique de Briday, 1872, t. 6, p. 111. p. 110.
8 ) in DANIEL-ROPS. A Igreja das Catedrais e das Cruzadas. São Paulo, Quadrante, 1993, p. 198.
9) LLORCA S.I., Bernardino. História de la Iglesia Católica. Madri: BAC, 1953, t. II, p. 688.

 

 

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