Artigo: São Pedro Claver, o escravo dos escravos – Parte 1
São Paulo (Segunda-feira, 13-09-2010, Gaudium Press) Neste artigo escrito especialmente à Gaudium Press, Padre Pedro Rafael Morazzani Arráiz conta a história de São Pedro Claver, noviço da Companhia de Jesus que dedicou sua vida religiosa a converter os escravos africanos na América Espanhola do século XVII.
Certo dia da segunda metade do ano do Senhor de 1610, as grandes e amareladas velas do galeão “São Pedro” eram recolhidas e suas âncoras tocavam o fundo de uma bela baía. A tripulação inteira abeirava-se do parapeito e contemplava com curiosidade e admiração a cidade de Cartagena, na província da Nova Granada (atual Colômbia), que se apresentava deslumbrante diante dos seus olhos, com suas enormes muralhas de pedra branca brilhando sob o causticante sol tropical. O azul profundo do céu refletia-se nas águas mansas e cálidas do porto, onde se balançava graciosamente um sem-número de embarcações de todo tipo e tamanho.
Dentre a pitoresca multidão de marinheiros e passageiros que se apressavam em desembarcar do galeão recém-chegado, destacavam-se singularmente as negras batinas de quatro religiosos: três sacerdotes e um noviço da ordem fundada, não havia muito tempo, por Inácio de Loyola: a Companhia de Jesus.
Dos três presbíteros, a História não perpetuou os nomes. Religiosos desconhecidos, como centenas de milhares que imolaram suas vidas seguindo os passos do Mestre Divino, anônimos para os homens e filhos prediletos de Deus. O noviço, porém, de fisionomia austera, silencioso, um tanto retraído e quase passando despercebido, marcou com sua vida a história da América do Sul e brilhará para sempre no firmamento da Igreja: São Pedro Claver.
A aurora de uma vocação
Nascido em Verdú, pequena cidade espanhola da Catalunha, em 1580, Pedro Claver sentiu-se chamado para a vida religiosa desde tenra infância. Aos 22 anos de idade, bateu às portas do noviciado da Companhia de Jesus.
Dois anos mais tarde, a fim de completar os estudos de Filosofia, foi enviado por seus superiores ao Colégio de Montesion, na ilha de Mallorca. Deu-se, então, um providencial encontro que marcaria de modo indelével a vida de Pedro e firmaria definitivamente sua vocação.
Nesse colégio habitava um venerável ancião, simples irmão coadjutor e porteiro da casa, que séculos depois seria canonizado e viria a ser uma das glórias da Ordem: Santo Alonso Rodríguez.
Desde o primeiro instante em que os límpidos olhos do santo porteiro penetraram o coração do noviço, discerniu o ancião a vocação do jovem e um profundo e sobrenatural relacionamento uniu então aquelas duas almas.
“O que devo fazer para amar verdadeiramente a Nosso Senhor Jesus Cristo?” – perguntava o estudante. E Santo Alonso não se contentava em dar um simples conselho, mas descortinava os ilimitados horizontes da generosidade e do holocausto: “Quantos que vivem ociosos na Europa, poderiam ser apóstolos na América! Não poderá o amor de Deus sulcar esses mares que a cobiça humana soube cruzar? Não valem também aquelas almas a vida de um Deus? Por que tu não recolhes o Sangue de Jesus Cristo?”
As ardentes palavras do velho porteiro acenderam labaredas de zelo que acabariam por consumir o coração de Pedro Claver.
Nessa época, o irmão Alonso foi favorecido por Deus com uma mística visão: sentiu-se arrebatado até o Céu onde contemplou incontáveis tronos ocupados pelos bem-aventurados e, no meio deles, um trono vazio. Escutou uma voz que lhe dizia: “É este o lugar preparado para teu discípulo Pedro, como prêmio de suas muitas virtudes e pelas inúmeras almas que converterá nas Índias, com seus trabalhos e sofrimentos”.
Missionário e sacerdote
No dia 23 de janeiro de 1610, o superior provincial, atendendo a seus pedidos, enviou-o como missionário à tão anelada América do Sul. E no final desse mesmo ano, após longa travessia, aportou na cidade de Cartagena, uma das mais importantes do Império Espanhol do além-mar.
Terminada sua formação teológica na casa de formação dos jesuítas na província da Nova Granada, recebeu finalmente o Sacramento da Ordem no dia 19 de março de 1616 e celebrou sua primeira Missa diante da imagem da Virgem dos Milagres a quem professaria sempre uma ardorosa e filial devoção.
O campo de batalha
A cidade de Cartagena constituía, nessa época, um dos pontos principais de comércio entre a Europa e o novo continente, e juntamente com Veracruz, no México, eram os dois únicos portos autorizados para a introdução de escravos africanos na América Espanhola. Calcula-se que cerca de dez mil escravos chegavam anualmente a esta cidade, trazidos por mercadores, geralmente portugueses e ingleses, que se dedicavam a este vil e cruel comércio.
Esses pobres seres, arrancados das costas da África, onde viviam no paganismo e na barbárie, eram trazidos no fundo dos porões dos navios para serem vendidos como simples objetos e finalmente destinados ao trabalho nas minas e nas fazendas onde, depois de haver vivido sem esperança, morriam miseravelmente sem o auxílio da religião.
Converter esses milhares de infelizes cativos e lhes abrir as portas do Céu, foi a missão à qual Pedro Claver consagrou toda a sua existência.
Assim, quando chegou o grandioso e esperado momento de emitir os votos solenes, pelos quais se comprometia a ser obediente, casto e pobre até a morte, assinou o documento com a fórmula que doravante seria a síntese de sua vida: Petrus Claver, æthiopum semper servus. – “Pedro Claver, escravo dos africanos para sempre”.
Tinha 42 anos de idade.
P. Pedro Rafael Morazzani Arráiz, EP
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