Artigo: A língua de fogo nos tempos atuais (1ª parte)
São Paulo (Sábado, 22-05-2010, Gaudium Press) Gaudium Press apresenta uma reflexão em duas partes de autoria da Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz sobre a Festa de Pentecostes, solenidade do Espírito Santo que a Igreja Católica celebra no mundo todo neste domingo. Acompanhe a seguir a primeira parte do texto:
E renovareis a face da Terra…
Se a confissão de um só batismo e a crença na Trindade reúnem os cristãos, não faltam aqueles para os quais o Espírito Santo poderia chamar-Se o “Deus desconhecido”. Semelhantes aos discípulos de Éfeso que, interrogados por Paulo, responderam: “Nem sequer ouvimos dizer que há um Espírito Santo” (At 19, 2), muitos são hoje os que, sem chegar a esse extremo, desconhecem as características e os poderes do Paráclito e se esquecem de invocá-Lo.
Se da ação do Espírito Santo em Pentecostes nasceram tantas belezas da cultura e da civilização e, sobretudo, tantos milagres da graça, o que não aconteceria se houvesse um novo sopro do Paráclito sobre a face da Terra?
Incansável, ardendo de zelo pela glória de Deus, o Apóstolo Paulo percorria as cidades da Grécia, pregando a todos o Evangelho de Cristo. Por vezes, a hostilidade de muitos se opunha a seu apostolado e atentava contra sua vida. Grande era, entretanto, o consolo que lhe proporcionavam as numerosas conversões.
Chegando a Atenas – cidade rica e orgulhosa, centro da filosofia e do intelectualismo – o coração do Apóstolo das Gentes encheu-se de amargura, à vista de tanta idolatria (cf. At 17, 16). Entre os múltiplos locais de culto, onde eram oferecidos sacrifícios às divindades mais absurdas, deparou ele com um altar no qual figurava esta inscrição: “A um deus desconhecido”. Chocado ante a ignorância daquele povo, no entanto tão inteligente, Paulo pôs-se a pregar no Areópago, exclamando: “O que adorais sem o conhecer, eu vo-lo anuncio!” (At 17, 23). E logo os iniciou no conhecimento da verdadeira religião.
Nos dias de hoje, em nosso Ocidente cristão, não vemos mais aqueles templos destinados à adoração dos ídolos, pobres imagens feitas por mãos humanas. Pelo contrário, passados quase dois mil anos de pregação apostólica, continuada fielmente pelo Magistério, erguem-se agora numerosos templos cristãos, ostentando no alto de suas torres o glorioso símbolo da cruz.
Entretanto, se a confissão de um só batismo e a crença na Trindade reúnem os cristãos, não faltam aqueles para os quais o Espírito Santo poderia chamar-Se o “Deus desconhecido”. Semelhantes aos discípulos de Éfeso que, interrogados por Paulo, responderam: “Nem sequer ouvimos dizer que há um Espírito Santo” (At 19, 2), muitos são hoje os que, sem chegar a esse extremo, desconhecem as características e os poderes do Paráclito e se esquecem de invocá-Lo.
Quanto mais O conhecemos, mais O amamos
No Antigo Testamento, a humanidade ignorava a existência de Três Pessoas em uma única Essência Divina; e se algumas expressões dos Livros Sagrados faziam vislumbrar esse conhecimento, eram apenas lampejos de uma Revelação que Deus Se reservava transmitir por meio de Seu Filho, na plenitude dos tempos. Errôneo seria julgar que a doutrina sobre o Espírito Santo não deveria ser difundida entre os fiéis, por temor de causar confusões ou desvios. Não foi este o exemplo dado pelo Salvador, ao prometer a vinda do Paráclito ou ao explicar tal mistério ao velho Nicodemos, que não chegava a compreendê-lo. Também não foi essa a conduta observada pelos discípulos de Jesus ao escreverem repetidas vezes sobre a ação e a presença da Terceira Pessoa Divina no seio da Igreja.
Em sua Encíclica Divinum illud munus, o Santo Padre Leão XIII exortava aos pregadores a ensinar e inculcar essa devoção no povo cristão, visto que seus frutos haviam se revelado abundantes e profícuos:
“Insistimos nisso não só por tratar-se de um mistério que nos prepara diretamente para a vida eterna e que, por isso, é necessário crer firme e expressamente, mas também porque, quanto mais clara e plenamente conhecemos o bem, mais intensamente o queremos e o amamos. Isso é o que agora queremos recomendar-vos. Devemos amar o Espírito Santo, porque é Deus: ‘Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças’ (Dt 6, 5). E deve ser amado porque é o Amor substancial eterno e primeiro, e não há coisa mais amável que o amor; portanto, tanto mais devemos amá-Lo quanto Ele nos cumulou de imensos benefícios que, se testemunham a benevolência do doador, exigem a gratidão da alma que os recebe” (Divinum illud munus, 13).
Entender com o coração, e não apenas com o intelecto
Ao procurar nos aprofundar no conhecimento desse Divino Espírito, a quem a Igreja invoca como “Luz dos corações”, façamolo não apenas por um exercício do intelecto, mas compreendendo, sobretudo, com o coração.
A inteligência, como explica São Tomás, é potência régia e imóvel: traz a si o objeto sobre o qual ela se aplica e o torna proporcionado à sua capacidade. Se esse objeto é superior à razão, ela forçosamente o diminuirá ao adaptá-lo a si. A vontade percorre o caminho inverso: naturalmente inclinada à entrega e à doação de si mesma, ela voa até o objeto e adquire suas proporções. Quando este se manifesta superior, ela se alarga e cresce até tomar as suas medidas.
Ora, no caso do Espírito Santo, não se trata de um objeto apenas superior ao pobre entendimento humano, mas de um Ser infinitamente distante de nossa frágil natureza. É necessário voarmos a Ele com a vontade, amando-O sem medida até nos tornarmos “deuses”, como Ele mesmo afirma nas Escrituras (cf. Sl 81, 6; Jo 10, 34-35). Deste modo, estaremos aptos para anunciá-Lo àqueles que ainda não O conhecem, conforme a expressão de Lacordaire: “La raison ne fait que parler, c’est l’amour qui chante!” – A razão só sabe falar, o amor é que canta!
Dupla influência e divina inabitação
Para conhecer o Espírito Santo e se relacionar com Ele, não necessitam os batizados voar muito longe, pois, se bem que Ele “habita nos céus” (Sl 122, 1), também Se encontra próximo às almas em estado de graça, exercendo sobre elas uma dupla influência.
Pela primeira, íntima e direta, comunica- lhes seus dons, purifica-as das misérias, inspira-lhes os bons propósitos… Essas almas se tornam, assim, semelhantes a um navio prestes a zarpar: o sopro de uma suave brisa enfunará suas velas e o conduzirá a bom porto. Sem dúvida, ao criar o vento, fê-lo Deus com o intuito de simbolizar esta ação do Espírito Santo no interior dos corações, como o indicou o próprio Jesus ao fariseu Nicodemos: “O vento sopra onde quer; ouves-lhe o ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece com aqueles que nascem do Espírito” (Jo 3, 8).
A segunda influência que Dele vem manifesta-se por meio do magistério da Igreja, da palavra infalível dos Pontífices ou do ensinamento dos Bispos, pelos quais o povo fiel é guiado. “O Espírito Santo – afirma ainda Leão XIII -, que é espírito de verdade, pois procede do Pai, Verdade eterna, e do Filho, Verdade substancial, recebe de um e de outro, juntamente com a essência, toda a verdade que em seguida comunica à Igreja, assistindo-a para que jamais erre, e fecundando os germes da revelação até que, no momento oportuno, cheguem à maturidade para a salvação dos povos” (Encíclica Divinum illud munus, 7).
A alma que se abre às inspirações do Espírito, ao mesmo tempo em que é iluminada pela doutrina da Igreja, torna-se, de certo modo, inerrante. Essa misteriosa atuação do Espírito Santo passa por cima de todas as fraquezas e misérias, transformando completamente aqueles que a recebem. Para os corações assim renovados, a única lei consistirá em obedecer ao dulcis Hospes animæ (doce Hóspede da alma), deixando-O operar no seu interior, como recomendava insistentemente a santa carmelita, Madre Maravillas de Jesús, a cada uma das suas filhas espirituais: “Si tú Le dejas…” – Se você Lhe permitir…
Apesar de ser sabido que a presença de Deus, enquanto Pai e Amigo, nas almas dos batizados compete às três Pessoas da Santíssima Trindade, uma vez que estas sempre atuam em conjunto, atribui-se a inabitação especialmente ao Divino Espírito Santo, pois esta dá-se pelo amor e efetua-se apenas nas almas em estado de graça. Ora, o Espírito Santo é o amor substancial, porque procede da união eterna e amorosa entre o Pai e o Filho.
São Paulo, ao referir-se a essa divina inabitação, mostra-se ainda mais ousado, não a restringindo apenas à alma, mas, considerando seus reflexos no próprio corpo: “Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós?” (I Cor 6, 19).
(Fim da primeira parte)
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