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“Eutanásia é compaixão do médico por si, não pelo paciente”

Brasília (Sábado, 15-05-2010, Gaudium Press) Aconteceram neste sábado as últimas conferências dos dois simpósios do 16° Congresso Eucarístico Nacional. Pelo de Bioética, a palestra do médico e professor português Daniel Serrão, “Qualidade de cuidados ao final da vida”, abordou os cuidados ao final da vida e a eutanásia.

O palestrante, de 82 anos de idade mas esbanjando plena saúde, começou sua alocução afirmando que o organismo humano está programado para “aguentar” viver 120 anos. Para ele, “quem vive com dignidade, envelhece e morre com dignidade, uma vez que a boa morte, a morte digna, se conquista na juventude”. Neste cenário, segundo suas ponderações, a morte do homem não seria um acontecimento trivial.

O médico retomou um pouco a linha abordada na conferência de ontem, que discutiu a crescente instrumentalização do homem, especialmente no âmbito da ciência. Da mesma forma que o professor André Marcelo rechaçou ontem o médico como “beneficente” ao paciente, ao invés de “benevolente”, também o professor criticou o modelo de médico que está a pleno serviço das vontades do paciente.

Entrando no tema da eutanásia como um desenrolar de suas explanações, ponderou que o corpo humano “sabe” morrer naturalmente. Para ele, a eutanásia vem se tornando um argumento-ferramenta para minimizar o sofrimento e a angústia não do doente, mas do próprio médico. O médico lembra que as alegações de alguns de seus colegas de profissão para lançar uso da morte assistida é por pena e comiseração pelo paciente em dor.

“Ora, eu tenho compaixão por aquela pessoa, então a mato”, ironizou o professor. “O médico que afirma isso estava com compaixão por si mesmo, porque não podia mais suportar o sofrimento do paciente. Essa compaixão é egoísta. E então, se mata por compaixão, um absurdo que consta de documentos oficiais, inclusive”, destaca, recordando aprovação pelo parlamento holandês da chamada morte assistida.

O professor insiste que o sofrimento tem sempre um tratamento médico e seguro. “Qualquer sofrimento. Nem sempre se pode eliminá-lo, mas é possível tratá-lo”. Ele defendeu a prevalência da chamada medicina paliativa personalista, tratamento individualizado de cada doente, tanto do corpo quanto da alma. “Dá à pessoa que vai morrer o sentimento de que ela está sendo bem cuidada, e até mesmo valorizada”.

Conforme o palestrante, o homem necessita de um verdadeiro humanismo de responsabilidade. “O que um homem deixa é a memória de suas palavras, a memória de seus gestos e até a memória de seu sorriso para aqueles com quem viveu, e também os filhos que gerou. Isso exprime uma realidade que transcende o corpo físico. A dignidade do homem esta aqui. A dignidade humana esta na liberdade, física e espiritual”.

“É a finitude da vida que dá grande sentido a ela. Com a morte, a vida de cada um de nós não acaba, mas continua”, refletiu, concluindo sua conferência.

“Coerência Eucarística”

Logo após o término da conferência do médico português, teve início a palestra “Desafios no âmbito político em relação a vida e a família”, ministrada pelo jurista, ex-procurador da República do Brasil e membro da Comissão de Bioética da CNBB, Cláudio Fontelles.

Responsável por impetrar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra dispositivo da Lei de Biossegurança Nacional que previa o uso de células-tronco em pesquisas, Fontelles abordou essencialmente o que definiu como “coerência eucarística”, a vivência segundo os valores inegociáveis do Evangelho e a defesa da mesma.

Como valores fundamentais, o jurista elenca, evocando as palavras do Papa Bento XVI, o respeito e a defesa da vida humana, desde a concepção ate a morte natural, a família fundada no matrimônio entre o homem e a mulher, a liberdade da educação dos filhos e a promoção do bem-estar.

“O relativismo secular estremece com a frase do Papa: ‘Esses são valores não-negociáveis’. E nós estamos em um mundo, hoje, em que tudo se negocia, em que tudo se barganha” denuncia.

“Deus não reduz nada. O mundo globalizado em que vivemos é que nos reduz. A globalização substancialmente é redutora, porque quer nos fazer pensar da mesma maneira. Deus, não. Deus é amor, absoluta expansão”.

Para ele, os legisladores, especialmente os que se dizem católicos, devem se pautar sempre pelos valores impressos na natureza humana. Quando não o fazem, então é preciso protestar, reclamar e levantar a voz.

Como exemplo de frutos dessa manifestação pela coerência eucarística, citou o recente recuo do governo na nova redação do Plano Nacional de Direitos Humanos, ao não “mais tocar nos nossos símbolos religiosos nos espaços públicos” e manter a criminalização do aborto, ainda que o classificando como uma questão de saúde pública.

“Por que o aborto é saúde publica?”, indaga. De acordo com ele, recentemente senadores apresentaram dados em uma audiência no Congresso segundo os quais as mortes de mulheres provocadas por lesões, infecções e outros problemas decorrentes do chamado aborto clandestino – o que faria do aborto um problema de saúde populacional – seria “ínfima”, muito menor do que os números que o governo apresenta. Para o ex-procurador da República, é preciso exigir do Ministro da Saúde e do governo a comprovação real e inequívoca de onde estão esses dados, em que hospitais, em que circunstancias.

Sobre ser anunciador da fé católica, é categórico: “O Culto agradável Deus nunca é meramente privado, sem consequências das nossas relações pessoais, e requer o testemunho público da nossa fé”.

“A dimensão divina permite que eu seja tudo ao mesmo tempo, um homem político, jurídico, religioso. Não sou apenas uma dessas coisa, sou tudo. E tenho que anunciar isso”, concluiu, arrancando fortes aplausos, de pé, da platéia.

 

 

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