Artigo: “Uma mulher precedeu os Evangelistas”
São Paulo (Domingo, 04-04-2010, Gaudium Press) Neste Domingo de Páscoa, quando a Igreja em todo o mundo se jubila pela Ressureição de Jesus, Gaudium Press oferece um artigo escrito por mons. João Scognamiglio Cla’ Dias, fundador dos Arautos do Evangelho, sobre a devoção de Maria Madalena a Cristo e seu papel como primeira pessoa a descobrir o sepulcro vazio de Jesus.
Uma mulher precedeu os Evangelistas
Mons. João Scognamiglio Cla’ Dias, E.P.
“No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã, sendo ainda escuro, e viu a pedra retirada do sepulcro. Correu então, e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo a quem Jesus amava, e disse-lhes: ‘Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram’.
Partiu, pois, Pedro com o outro discípulo e foram ao sepulcro. Corriam ambos juntos, mas o outro discípulo corria mais do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro.
Tendo-se inclinado viu os lençóis no chão, mas não entrou.
Chegou depois Simão Pedro, que o seguia, entrou no sepulcro e viu os lençóis postos no chão, e o sudário que estivera na cabeça de Jesus, que não estava com os lençóis, mas enrolado para outro sítio.
Entrou também, então, o discípulo que tinha chegado primeiro ao sepulcro. Viu e acreditou.
Com efeito, ainda não entendiam a Escritura, segundo a qual Ele devia ressuscitar dos mortos” (Jo 20, 1-9).
Maria Madalena: a que mais ferventemente amava o Senhor
“No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã, sendo ainda escuro, e viu a pedra retirada do sepulcro”.
Para o amor, nada é impossível, disse Santa Teresinha do Menino Jesus. Maria Madalena vivia inebriada de amor a Jesus e por isso não podia conter-se de desejo de adorar e perfumar Seu sagrado corpo. Despertou- se de madrugada e servindo-se da luminosidade prateada do luar, dirigiu- se ao Santo Sepulcro: “Não cabe dúvida de que Maria Madalena era a que mais ferventemente amava o Senhor entre todas as mulheres que O haviam amado; assim, não é sem motivo que São João faz menção somente a ela, sem nomear as outras que com ela foram, como asseguram os outros Evangelistas”.
São João, além de ter escrito este relato bem depois dos outros Evangelistas, deve ser o mais objetivo ao afirmar que o Sol não havia raiado ainda. A esse respeito, vários são os comentários como, por exemplo, o de São Gregório: “Com razão se diz: ‘Sendo ainda escuro’, porque, com efeito, Maria buscava no sepulcro o Criador do universo, que ela amava, e, não O tendo encontrado, imaginou que O haviam roubado; e por conseguinte encontrou trevas quando chegou ao sepulcro”.
Belo exemplo para nós. Madalena buscava o adorável corpo de Jesus jazido no sepulcro, a nós foi concedida a imensa graça de recebê-Lo vivo e em Seu estado de glória. Será que nós possuímos a mesma e empenhada solicitude e devoção em buscar Jesus na Eucaristia, logo ao acordarmos?
São Mateus narra com mais detalhes os antecedentes dessa chegada de Madalena ao túmulo do Senhor, fazendo menção ao terremoto devido à descida de um anjo, no fulgor de um relâmpago, para remover a pedra, e ao conseqüente desmaio dos guardas, de puro terror (cf. Mt 28, 2-4).
Arauto da boa nova da Ressurreição
“Correu então, e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo a quem Jesus amava, e disse-lhes: ‘Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram'”.
“Pedro e João representam a autoridade e o amor, a força do governo e da caridade. Madalena vai a Pedro e João, na angústia que dela se havia apoderado à vista do sepulcro aberto, para buscar direção e sustento. É uma mulher amantíssima do Senhor, mas se reconhece incapaz de julgar e decidir nesse assunto gravíssimo que seus próprios olhos lhe trouxeram ao espírito. Por isso busca a luz do conselho e o amparo da caridade. Em nossas dúvidas, sobretudo no que diz respeito aos assuntos da fé, recorramos aos ofícios daqueles que dela são os custódios natos, e que por sua hierarquia serão nossos guias, e com amorosa solicitude sustentarão nosso espírito”.
Por uma determinação divina, a pregação do evangelho desde seu nascedouro compete aos homens. Entretanto, a História registra algumas poucas, mas comovedoras, exceções como essa contida no presente versículo. Trata-se da primeira e fundamental verdade do evangelho; para comunicá-la aos apóstolos, Deus não escolhe um anjo e nem sequer um homem. É a Madalena que será o arauto da boa nova da ressurreição do Senhor. Logo em seguida, repetir-se-á essa evangelização através de outras santas mulheres.
Com muita propriedade afirma Santo Agostinho: “Ama et quod vis fac” (Ama, e faze o que quiseres). Nesse ato de “imprudência”, ao irem ao sepulcro do Senhor – ainda de madrugada, sem se preocupar com os guardas, nem com a laje a ser removida, não considerando que se trata de uma ação contra a lei civil e contra, até, a própria lei natural – essas mulheres estão cumprindo um outro preceito: um mandamento do amor, ou seja, na prática realizam já as palavras deixadas por Cristo. Nelas, tudo se perdoa pelo fato de agirem por puro amor. O amor próprio está ausente das almas delas. Ao deparar Deus com o verdadeiro amor a Jesus Cristo, Seu Unigênito, Ele próprio toma sobre Si o encargo de limpar as manchas tão comuns às ações executadas pela natureza humana decaída, transformando- as de imperfeitas e imprudentes em obras de santa e meritória ousadia.
Por isso, São João, ao narrar este acontecimento, “não privou a mulher desta glória, nem achou indecoroso que [os dois apóstolos] recebessem por intermédio dela a primeira notícia. Por sua palavra, vão eles com muita solicitude para reconhecer o sepulcro”.
Madalena pronuncia sua informação fazendo uso do verbo no plural: “… e não sabemos …”, fato este demonstrativo do quanto a descrição se harmoniza com as dos outros evangelistas, pois São João procura completar o relato feito por eles. Madalena, portanto, estava acompanhada pelas outras santas mulheres.
Chegada de São Pedro e São João
“Partiu, pois, Pedro com o outro discípulo e foram ao sepulcro”.
Os dois apóstolos vêem-se na contingência de certificar-se de um acontecimento tão dramático e inusitado. Segundo São Gregório, Pedro e João simbolizam, sob o ponto de vista místico, a Santa Igreja e a Sinagoga respectivamente.
“Corriam ambos juntos, mas o outro discípulo corria mais do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro”.
Com seu ardor sem medidas, Madalena contagiou os apóstolos, e eles, se associando nos mesmos sentimentos de amor, temor e esperança, partem cheios de ânimo. Ambos corriam, mas “o outro discípulo” chegou com antecedência.
“Tendo-se inclinado viu os lençóis no chão, mas não entrou”.
É digno de nota o quanto são correlatas e coesas as virtudes que tão claramente deixa transparecer esse episódio. Seria explicável que, diante de tão grande acontecimento, São João penetrasse, ato contínuo à sua chegada, no interior do túmulo para analisar a situação.
A curiosidade deveria ser incontrolável. Isso não aconteceu. Por espírito de obediência, respeito e veneração, manteve-se à porta e de seus umbrais, observou à distância a disposição das coisas. A virgindade conservada por virtude leva quem a possui a amar a hierarquia, a disciplina e a ordem. Nesta ocorrência, encontramos o dilúculo de uma alcandorada aurora da submissão de toda a Cristandade à mais alta autoridade erigida por Cristo, na terra: o Santo Padre, o Papa.
“Chegou depois Simão Pedro, que o seguia, entrou no sepulcro e viu os lençóis postos no chão, e o sudário que estivera na cabeça de Jesus, que não estava com os lençóis, mas enrolado para outro sítio”.
Esses panos eram o lençol e as faixas utilizadas para envolver o sagrado corpo do Salvador depois de retirado da cruz. O sudário cobria Sua cabeça e mais especialmente a face, que nele certamente ficou impressa. Tudo leva a crer que os anjos devem ter manifestado particular devoção a esse lençol que passaria para a História com o nome de Santo Sudário, daí terem-no dobrado com cuidado, colocando-o à parte.
São muito curiosas e dignas de serem apreciadas as considerações feitas por São Gregório Magno sobre o relato de São João contido nestes versículos:
“Esta descrição tão detalhada do Evangelista não carece de mistério. São João, o mais jovem dos dois, representa a sinagoga judaica, e Pedro, o mais velho, a Igreja universal. Embora a sinagoga dos judeus seja anterior no culto divino, a multidão dos gentios precede no uso do século a sinagoga dos judeus. Correram ambas juntamente, porque desde seu nascimento até seu ocaso, se bem que em sentidos diferentes, correm juntas. A sinagoga chegou primeiro ao monumento, mas não entrou; porque, apesar de haver entendido os mandatos da Lei sobre as profecias da Encarnação e Paixão e morte do Senhor, não quis crer. Chegou depois Simão Pedro e entrou no sepulcro, porque a Igreja das nações, que seguiu a última, acreditou em Cristo morto em sua humanidade e vivo em sua divindade. O sudário, pois, da cabeça do Senhor, não foi encontrado com os lençóis, porque Deus é a cabeça de Cristo, e os mistérios de sua divindade são incompreensíveis à fraqueza de nossa inteligência e superiores às faculdades da natureza humana. Diz-se que o sudário foi encontrado não só separado, mas envolto, porque o lenço que serve de envoltura à cabeça divina demonstra sua grandeza, que não tem princípio nem fim. Esta é, pois, a razão pela qual foi encontrado isolado em outro lugar, porque Deus não se encontra entre as almas que estão divididas, e só merecem receber sua graça as que não vivem separadas pelo escândalo das seitas. Mas como o lenço que cobre a cabeça dos operários serve para enxugar o suor, pode-se entender com o nome de sudário a obra de Deus que, mesmo permanecendo tranqüilo e imutável em Si mesmo, manifesta que sofre e trabalha na dura perversidade dos homens. O sudário que estivera sobre sua cabeça, e foi encontrado à parte, demonstra que a Paixão de nosso Redentor é muito diferente da nossa, porque Ele a padeceu sem culpa, e nós por nossos pecados; Ele Se entregou a ela voluntariamente, e nós a sofremos contra nossa vontade. Depois de ter entrado Pedro, entrou João, porque no fim do mundo a Judéia entrará também na fé do Salvador”.
Provas da Ressurreição
Pelo que se via, Madalena tinha sido objetiva em sua espetacular mensagem. Porém, teria ela razão em levantar hipótese de um roubo do sagrado corpo do Senhor? Qual seria, neste caso, o objetivo dos ladrões? Como teriam dominado os guardas? Quem haveria executado tal crime? E se realmente isto se passara, por que tirar os lençóis, as ataduras e o sudário? Ademais, qual o motivo de dobrar cuidadosamente esses tecidos? A constatação desses pormenores todos seria suficiente para eles concluírem a maravilhosa Ressurreição do Senhor, tal qual Ele mesmo a profetizara, ou seja, no terceiro dia.
São João Crisóstomo não duvida em sublinhar: ‘Isto era prova de ressurreição, porque se alguém o tivesse levado não teria desnudado seu corpo; e se o houvessem roubado, os ladrões não teriam o cuidado de tirar e envolver o sudário, colocando-o em um lugar diferente dos lenços, mas teriam levado o corpo como se encontrava. São João já dissera que, ao sepultá-lo, o haviam ungido com mirra, a qual cola os lenços ao corpo; e não creias nos que dizem que foi roubado, pois o ladrão não seria tão insensato ocupando- se tanto de coisa tão inútil’.
Apesar de hoje vermos com tanta evidência a lógica dessas minúcias todas, na ocasião, as testemunhas não fizeram a menor reflexão e nem sequer se lembraram das profecias feitas pelo Divino Mestre a esse propósito.
Essa foi a reação da natureza humana antes de Pentecostes…
“Entrou também, então, o discípulo que tinha chegado primeiro ao sepulcro. Viu e acreditou”.
Divergem os autores quanto à interpretação do objeto da crença de João. Alguns julgam ter ele considerado suficientes as provas para crer na ressurreição do Senhor. Assim o faz, por exemplo, Teófilo ao comentar: ‘Admira em Pedro a prontidão da vida ativa, e em João a contemplação humilde e prática das coisas divinas. Com freqüência, os contemplativos chegam pela humildade ao conhecimento das coisas divinas; mas os ativos, guiados por sua fervorosa assiduidade, chegam primeiro ao ápice deste conhecimento’.
Porém, outros são do parecer de que João acreditou no que lhes dissera a Madalena, ou seja, que o Sagrado Corpo de Jesus havia sido roubado, e nada mais. A ida ao sepulcro teria sido útil em extremo para confirmá-los nessa idéia, o que certamente lhe confirmou também nas apreensões.
“Com efeito, ainda não entendiam a Escritura, segundo a qual Ele devia ressuscitar dos mortos”.
Para tirarmos todo o proveito deste versículo, ouçamos os comentários de D. Isidro Gomá y Tomás: ‘A Sagrada Escritura é como uma carta de Deus dirigida aos homens; mas estes não podem interpretá-la por si sós: precisam ser conduzidos pela Igreja, que é a intérprete nata e autorizada das divinas Escrituras, e tem para isso a luz e a assistência do Espírito Santo. Por isso, diz Lucas (24, 45), que Jesus, antes de subir aos Céus, ‘abriu a inteligência de Seus apóstolos para que compreendessem as Escrituras’. Não tenhamos, pois, a presunção de ler estas deleitáveis cartas de Deus sem o sentido de Deus e sem a união com os que têm a autoridade de Deus para interpretá-las. Seria condenar-nos à ignorância, quiçá a erros grosseiros sobre seu conteúdo. Este é o segredo das quedas daqueles que interpretam as Escrituras fora da Igreja Católica’.
A primeiríssima aparição
Os evangelhos silenciam sobre a primeiríssima e mais importante aparição de Jesus logo após Sua ressurreição, talvez pela discrição habitual em tantas outras passagens.
Não seria demais imaginar que, na Sua ilimitada humildade, a Santíssima Virgem tivesse dado aos evangelistas instruções bem precisas a esse respeito.
Há um princípio geral de Mariologia que reserva à Mãe de Deus o privilégio de ter Ela recebido no mais alto grau todos os dons e benefícios conferidos aos santos e que Lhe sejam convenientes. Ora, não teria sentido o Salvador parecer aos apóstolos, discípulos e santas mulheres, sem ter dado primazia à Santíssima Virgem. Bem podemos conceber a grandeza daquele encontro entre a Mãe e o Filho ressuscitado…
Que Ela interceda por nossa ressurreição em estado glorioso”.
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