Artigo: Arte, beleza, instintos e mística
Bogotá (Domingo, 31-01-2010, Gaudium Press) “Quando a fé, de modo particular celebrada na liturgia, encontra a arte, se cria uma profunda harmonia porque ambas podem e desejam falar com Deus, tornando visível o invisível”, declarou o Papa Bento XVI ao falar das catedrais medievais no dia 18 de novembro do ano passado, três dias antes do encontro que teve com artistas do mundo inteiro. Pensando nesse futuro encontro, o Santo Padre afirmou que “a beleza que escritores, poetas, músicos e artitas contemplam e traduzem com a própria linguagem” reflete o esplendor do próprio Deus porque a beleza é o caminho “mais atraente e fascinante para alcançar, encontrar e amar a Deus”.
“São essas tendências a causa da constante inconformidade da alma ante a escassez de recursos que as suas aspirações oferecem ao mundo material e visível, um estado particular que se caracteriza pela ‘sede do infinito’ de que nos fala Pascal”, declara Vargas Montoya em seu Tratado de Psicologia.
Todo homem busca a Deus, e este “apetite” Dele se traduz e se configura nas tendências superiores do homem, em seus instintos mais profundos e poderosos que buscam a Verdade, a Bondade e a Beleza, instintos que clamam constantemente por serem saciados.
A beleza não é “relativa”
Assim, a beleza não é “relativa” no sentido comum hoje do termo, de que o que para um “é”, para outro não. A beleza não é relativa porque é um reflexo divino, um vislumbre do Absoluto.
Arthur Danto, no “El Abuso de la belleza – La estética y el concepto del Arte”, convoca a fazer um exercício mental: “Moore [n. d. R.: G. E Moore – Art, Morals and Religion; Principia Ethica; Sobre a beleza como bondade] nos convida a imaginar dois mundos. Imaginemos o primeiro mundo ‘tão bonito e coloque nele tudo aquilo que na Terra mais admira, montanhas, rios, o mar, árvores e crepúsculos, estrelas e a lua’. Imaginemos o outro mundo como ‘uma pura acumulação de sujeira, contendo tudo aquilo que mais náusea nos cause… tudo isso sem um aspecto positivo à vista’. Agora, ‘a única coisa impossível de imaginar é que algum ser humano tenha ou possa nunca ter visto ou disfrutado a beleza de um ou a imundíce do outro’.(idem)
É evidente. O impacto psicológico universal dos dois mundos imaginados, um agradável e o outro de abominação, nos fala da não relatividade da beleza. Além disso, poderíamos tentar entender a expressão kantiana de que a beleza pode ser subjetiva, mas é universal no sentido de que há uma grande variedade de ‘opiniões’ no mundo estético e alguns são afetados mais pela beleza ou feiúra de umas coisas do que outros. Entretanto, há quem diga que um lírio de campo, desses que compara Cristo com os trajes de Salomão, é um exemplo de feiúra e bem poderíamos pensar se é o caso de encaminhá-lo a um lugar de repouso.
A “magia” da beleza
Esclarecido o ponto anterior, nos vemos impelidos a entrar em outra realidade, verdadeiramente fascinante, como é o do atrativo e do evocatico da beleza.
Embora alguns estudiosos de hoje a critiquem por sua simplicidade, a expressão tomista não deixa de ser filosófica e sociologicamente contundente quando afirma que o belo atrai e agrada aos sentidos. Isso sabe perfeitamente toda a indústria da publicidade. Além do mais, é certo que o gênio de Aquino aprofundou no assunto e se adentrou com sua luz no que, a seu juízo, são as características do belo, falando da integritas, a proportio e da claritas. Entretanto, queremos considerar aqui o que figurativamente chamaríamos a “magia” da beleza, que se mostra em sua capacidade de atrair e de evocar e que, forçosamente, está relacionada com a Divindade.
Mesmo Platão falava do “belo divino”. Sabemos que para ele, arte é “mimesis“, que significa reprodução ou imitação da realidade, e não faltam críticas a essa afirmação dizendo que é redutiva, pois cerceia o aspecto criador. Esquecem eles que, para Platão, a realidade não é apenas o tangível mas, sobretudo, toda a realidade é a Ideia do mundo das Ideias e o que percebemos, existindo nesse mundo, sao meramente seus reflexos, reflexos da Ideia ideal. Além disso, as ideias platônicas facilmente podem ser “cristianizadas” se assimilarmos os possíveis “arquétipos” de Deus e em Deus. Nesse sentido, “mimesis“, na arte, é a expressão das possibilidades de Deus e, portanto, um exercício altamente criativo. Assim entendido, Deus, quando criou o universo, fez arte.
Seguindo a linha com o exposto acima, podemos fazer que todos os que já existem se correspondam com sua “arquetipía”, com seu tipo perfeito, talvez não existente na realidade deste mundo, mas certamente encontrada nas possibildades de Deus e acessível ao exercício do espírito humano. O mais belo está mais perto do seu arquétipo e por isso, mais perto de Deus. A “magia” da beleza está no que nos cerca facilmente a Beleza de Deus e nos torna sensível a Deus, a quem todos anseamos, colocando assim, em comoção, as tendências mais profundas e mais poderosas do ser humano.
Nesse sentido, repetimos com Paul Claudel que a beleza criada pode ser frustrante e também impulsiva: como ela nos diz o que todos anseamos, nos convoca à sua possessão e, uma vez encontrada, nos decepciona porque embora nos dê algo de que anseávamos, não nos dá por inteiro. Mas é propulsora quando a assumimos como notícia da Beleza Abosluta, verdadeiramente existente, da qual ela é apenas um reflexo que nos dá um sabor primário da Beleza divina, a qual sobretudo nos indica o caminho para nos mover em direção a Ela.
Insistindo, decidimos que esta proximidade que a beleza estabelece com a Divinidade tem uma característica ‘muito humana’, o que torna ainda mais apetecível a sua forte repercussão sensível. Por exemplo, uma verdade, expressada de forma bela, além de representar seu próprio aspecto objetivo e real, comove o homem inteiro que é de corpo e alma. O alcança de uma maneira inclusive emocional e o move a aceitá-la pela própria característica de atração da beleza. Além disso, acreditamos que uma verdade belamente expressada traz notícias de outras verdades mais altas, das quais a verdade enunciada depende ou deriva. Isso é a própria beleza e, neste sentido, pode inclusive fornecer mais verdade que a própria verdade que expressa ou simboliza. É uma beleza, um fulgor da verdade que traz a luz das verdades mais altas.
Beleza e mística
Transcendendo o campo da mera filosofia e ingressando no solo sagrado da teologia, sabemos, por experiência própria, que a beleza convoca e favorece a contemplação. Uma bela paisagem nos chama a parar para apreciá-Lo e para que Nele nos deleitemos. E sabemos também que a mística, cristianicamente entendida, tem a contemplação como um dos seus efeitos mais comuns. A ação do Espírito Santo na alma frequentemente resulta na contemplação mística. Esta silimaridade de efeitos não indica que a beleza favorece a mística ou está intimamente relacionada com a mística? Evidentemente que sim, mas isso será tema de nosso próximo artigo.
Por Saúl Castiblanco
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