Confira entrevista com o embaixador do Brasil junto a Santa Sé, Luiz Felipe de Seixas Corrêa.
Cidade do Vaticano (Sexta, 22-01-2010, Gaudium Press) Em entrevista a Gaudium Press, o embaixador do Brasil junto a Santa Sé falou sobre a ratificação acordo entre Brasil e Vaticano que definiu o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Segundo o embaixador, o acordo que foi ratificado em dezembro de 2009, não modifica as relações entre o País e a Igreja, mas apenas torna mais claro alguns pontos que já eram apontados em normas e legislações brasileiras.
Nomeado embaixador brasileiro junto a Santa Sé, em outubro de 2008, Luis Felipe de Seixas Corrêa apresentou suas credenciais ao Papa Bento XVI em fevereiro de 2009. Corrêa iniciou sua carreira no Itamarati em 1967. Durante a década de 1990, foi embaixador do Brasil no México, na Espanha, e na Argentina. Ocupou também duas vezes o cargo de secretário-geral das Relações Exteriores e é o representante do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) e no escritório da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suiça.
Qual é significado do Acordo para o Brasil e o que muda em relação à Santa Sé?
Não é em mudança que devemos falar até porque, em termos de prover à Igreja uma maior segurança jurídica, todos os termos do acordo já refletem normas e legislações existentes no Brasil, em âmbito federal e em âmbito estadual. Mas esses termos estavam dispersos no texto da natureza constitucional e da legislação normal. Na verdade, a vantagem do acordo é que ele tornou mais claro esses termos. È como uma moldura que condensa as nuances e explica de maneira muito nítida quais são os direitos e as obrigações de cada um. Assim, tanto a Igreja lucra com esse reforço adicional sobre o que norteia as suas atividades no Brasil, quanto o Estado lucra, no sentido de que esses direitos e obrigações se tornam mais evidentes. E eu acredito, também, como bem destacado pelas autoridades brasileiras e vaticanas, que o acordo traz, ainda, alguma clareza sobre qual é o real status da Igreja Católica no Brasil.
Quem teve um papel crucial nas negociações?
Foi uma proposta trazida ao presidente Lula pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), junto com o núncio apostólico no País, Dom Lorenzo Baldissieri, e o cardeal Dom Cláudio Hummes, atualmente prefeito da Congregação para o Clero, aqui em Roma. Todos foram ao presidente com a proposta, ainda em 2006. Na ocasião, o Lula garantiu o apoio de seu governo e de que aquela proposta seria levada à discussão. Levou dois anos para isso acontecer. Houve uma comissão formal, com cerca de 10 departamentos brasileiros que tiveram de lidar com os diferentes aspectos do Acordo. Por fim, o Acordo foi assinado em novembro de 2008, aqui em Roma, durante a visita do presidente Lula ao Papa Bento XVI.
Em seu discurso durante a ratificação, o senhor falou sobre a modernização das relações bilaterais. Isso quer dizer que antes do acordo tais relações não eram possíveis?
Não que não fossem possíveis, elas não foram tentadas. Atualmente, as relações entre a Igreja e o Governo no Brasil, em diferentes níveis, são excelentes. Aliás, sempre foram. Nunca tivemos nenhum grande problema. Isso se baseia na tradição. Eu mencionei, muito rapidamente, em meu discurso, as diferentes fases de nossas relações iniciadas no período colonial. Mencionei também o período imperial do século XIX, cujo sistema, “padroado” – que significa que a Igreja era parte do estado e o estado parte da Igreja – o Brasil herdou de Portugal. Isso, certamente, foi algo que perdurou até o fim do período imperial, em 1889, e foi substituído pela laicidade do Estado.
Mas a Igreja Católica no Brasil é enorme. O Brasil é conhecido por ser o maior país católico do mundo. A Igreja, portanto, tem um reconhecimento social amplo, respeito e apoio no País. Mas, é claro, a sociedade brasileira, como não seria por menos, foi se desenvolvendo e, com a globalização, ficando mais integrada com o mundo. Como há outros credos que também estão crescendo no país, foi percebido por alguns que talvez fosse inapropriado arrolar em um instrumento jurídico todas as prerrogativas legais, direitos e obrigações concernentes à Igreja Católica no país. Isso é o que foi feito, este é o sentido do Acordo.
Como o senhor classificaria a atual relação entre o Brasil e a Santa Sé?
Excelente. Eu acredito que não há outra qualificação para o momento. A relação é ampla, compreensiva e respeitosa, e versa não apenas sobre trabalho da Igreja, no Brasil, mas, também, no que diz respeito a outros tópicos da agenda internacional, como direitos humanos, combate à fome, e tantos outros assuntos multinacionais desenvolvidos. Isso coincide com o valor internacional que a Santa Sé está levantando no debate de questões globais e nós estamos trabalhando juntos em muitas delas, em ambas as frentes, que são as mesmas atividades espirituais, religiosas realizadas pela Igreja no Brasil e no plano internacional. Então, sem hesitar, diria que as nossas relações são excelentes.
A Igreja Católica sempre exerceu um papel fundamental na história do Brasil. Na sua opinião, que papel ela pode exercer agora, nessa moderna e secular sociedade, no país? Quais são as expectativas com relação ao governo brasileiro?
Ela teve sempre um papel historicamente importante no Brasil. A Igreja Católica sempre esteve na linha de frente pela justiça social, no fórum pelo respeito aos direitos humanos, pelo respeito às instituições da lei, além de sempre ter sido uma fonte – naturalmente, sua função primordial – de sustento espiritual para a sociedade. À luz da secularização, como o Papa Bento XVI disse, está o relativismo da cultura moderna. Eu acredito que a Igreja, através de seu próprio exemplo, suas ações, sua conduta no dia-a-dia da comunidade católica no Brasil, pode dar bons exemplos, não apenas no aspecto religioso e espiritual, mas, também, no que diz respeito ao bem da sociedade como um todo.
Se você acompanhar a agenda dos bispos brasileiros, se você analisar os documentos, os discursos que cada um tem feito durante suas audiências pela ad limina com o Papa, você verá que o número de tópicos que estão sempre presentes nessas abordagens está mais relacionado com ritos humanos: combate à corrupção, justiça social, reforma agrária, proteção do meio ambiente, proteção das comunidades indígenas, etc. Essas são áreas onde Igreja e a sociedade se apóiam mutuamente. Assim, nossas relações são basicamente caracterizadas por uma agenda positiva e pelo respeito.
E voltando ao Acordo, já que ele fortalece a Igreja com uma maior clareza e apoio legais, certamente beneficia e fortalece esta cooperação entre o Estado e a Igreja. Então nós devemos ficar felizes de ter entrado nele e então eu devo dizer que quando ele foi aprovado como a constituição determina pela ambas as casas do Congresso, a Câmara de Deputados e o Senado, o Acordo pode ser interpretado como representante do que a sociedade deseja como um todo. Houve um debate muito intenso, especialmente, na Câmara dos Deputados. Parte do público discutiu algumas oposições ao Acordo. As diferentes visões dos membros da câmara foram debatidas e ele finalmente foi aprovado. Isto significa que agora o Acordo é válido e conta com suporte total do governo brasileiro.
Qual é a importância pessoal de ver o Acordo ratificado?
Eu fiquei feliz de estar presente no final e assinar o instrumento da ratificação. Eu não estava lá quando o Acordo foi assinado; isto foi feito pela minha predecessora, Vera Barrouin Machado, mas fiquei muito envolvido e acompanhei o processo da aprovação legislativa de muito perto. Eu fui nomeado em outubro de 2008 e comecei minhas atividades, em janeiro de 2009 e fiquei orgulhoso de estar representando o governo na ocasião da ratificação, porque este acordo reflete, como eu havia mencionado antes, o excelente estágio de nossas relações e eu acredito dividir um desejo de cooperação ainda mais forte entre ambos os países.
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