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São Pio de Pietrelcina: Cruz, perseguição e glória

Redação (Sexta-feira, 20-09-2019, Gaudium Press) Bem no centro da região da Campânia, a poucos quilômetros da comuna de Benevento, encontra-se a pequena cidade agrícola de Pietrelcina. Ali, numa casa simples, composta de apenas alguns cômodos, vivia a família de Grazio Forgione e Maria Giuseppa Di Nunzio, em cujo seio nasceu, no dia 25 de maio de 1887, um menino a quem chamaram Francisco.

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Vocação religiosa desde a mais tenra idade

O pequeno gostava de rezar e amiúde exercia o ofício de coroinha na paróquia. Em tenra idade manifestou aos pais seu desejo de ser frade capuchinho e eles nunca se opuseram. Grazio, pelo contrário, foi trabalhar longe de casa a fim de obter o necessário para o filho estudar, enquanto sua esposa, “uma mulher do povo, mas com traços de grande senhora”, rezava assiduamente por ele.

Aos cinco anos o menino começou a ser favorecido com fenômenos místicos, como êxtases e aparições, mas ocultou-os até a idade adulta, entre outros motivos, por considerá-los algo corriqueiro, que podia suceder com qualquer um. Embora fosse em muitos aspectos uma criança comum, nem sempre ia brincar com os outros meninos de sua idade, porque muitos blasfemavam ou eram libertinos e ele jamais pronunciou palavras indecorosas.

Em janeiro de 1903, antes mesmo de completar dezesseis anos, ingressou como noviço no convento de Morcone, recebendo o nome de Frei Pio de Pietrelcina. No momento da partida, Maria Giuseppa lhe disse: “Meu filho, meu coração está estraçalhado. Mas não penses agora na dor de tua mãe; se São Francisco te chamou, vai em paz”.

“O demônio me quer para si”

A profissão solene deu-se no dia 27 de janeiro de 1907. Contudo, uma misteriosa enfermidade o obrigou a retornar a Pietrelcina em maio, pois os médicos acreditavam que os ares da terra natal o curariam. A doença, em meio à qual sofria terríveis tormentos espirituais, havia ainda de se prolongar por quase sete anos. O demônio queria arrancá-lo das mãos de Jesus, enquanto ele ardia em desejo de ser sacerdote.

Em 10 de agosto de 1910, foi ordenado na Catedral de Benevento. Todavia, devido a seu estado de saúde, continuou vivendo junto à família a maior parte do tempo e auxiliando o pároco no labor pastoral da cidadezinha. Nessa época padeceu tremendos ataques diabólicos, a respeito dos quais comentava: “O demônio me quer para si a todo custo”.

O Pe. Agostinho de São Marcos, seu diretor espiritual, relata que, ao perguntar-lhe sobre o acontecido naqueles anos, São Pio disse: “Não posso revelar a razão pela qual o Senhor me quis em Pietrelcina, faltaria com a caridade…” Misteriosa resposta ainda não interpretada…

Confessor com extraordinários carismas

Em 1916 retornou afinal à vida comunitária, desta vez no convento de San Giovanni Rotondo. Não demorou para que inúmeras almas necessitadas de orientação espiritual começassem a procurar o novo frade, cujo principal conselho era claro e simples: Comunhão e Confissão frequentes.

As visões celestiais da infância voltaram e se tornaram habituais. Ele mesmo contava aos diretores espirituais, com toda a simplicidade: “­Nosso Senhor me apareceu…” ou “Jesus veio e me disse…”

Favorecido com o dom do discernimento dos espíritos, via o que se passava no interior das almas e nas consciências. Por esse motivo, as filas para seu confessionário se tornaram tão longas que foi preciso distribuir números para ordená-las. Também possuía o conhecimento infuso das línguas estrangeiras e o dom da bilocação, entre muitos outros carismas extraordinários.

Sua rotina diária consistia em rezar, ler e, principalmente, atender Confissões. Ao receberem através dele o Sacramento da Reconciliação, os penitentes recobravam a paz, e suas Missas atraíam tanto que alguns diziam: “Quem o viu celebrar uma vez, nunca se esquecerá”.

Entretanto, ele proclamaria sempre, com total humildade: “Reconheço muito bem que não há nada em mim que tenha sido capaz de atrair os olhares deste dulcíssimo Jesus. Somente sua boa vontade cumulou minha alma de tantos bens”.

Início de um doloroso calvário

Em 1918, tal como Santa Teresa de Jesus, recebeu a graça da transverberação. No dia 5 de agosto, relata o Padre Pio em uma carta, viu diante de si, “com os olhos da inteligência”, um personagem celeste que “tinha na mão uma espécie de ferramenta semelhante a uma longuíssima lâmina de ferro com uma ponta bem afiada, da qual parecia sair fogo”. Quando dito personagem cravou a lâmina em sua alma, sentiu-se morrer e mais tarde declarou que “foi fisicamente ferido no costado”.

Já alguns anos antes, em 1911, aparecera-lhe nas palmas das mãos “algo vermelho como a figura de uma moeda, acompanhado de uma forte dor no centro daquele círculo avermelhado”. Na sola dos pés acontecia um fenômeno semelhante. Desaparecidos os sinais, o sofrimento continuava: “Parece-me que o coração, as mãos e os pés estão transpassados por uma espada, tamanha é a dor que sinto”.

Após a celebração da Santa Missa em 20 de setembro de 1918, encontrando-se no coro, apareceu-lhe outra vez o misterioso personagem, agora com as mãos, os pés e o lado sangrando. Quando este se retirou, o Padre Pio percebeu que suas “mãos, pés e costado estavam traspassados e jorravam sangue”. A partir desse momento os estigmas do capuchinho passaram a sangrar regularmente, sem cicatrizar ou provocar infecção alguma.

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Apesar de ele instar à Divina Providência para lhe tirar aqueles sinais, que tantas aflições e incompreensões causavam, nunca pediu para eliminar a dor que lhe produziam. Aprouve a Nosso Senhor que seu fiel servo O imitasse num calvário que durou cinquenta anos, para sua “confusão e humilhação indescritível e insuportável”.

Multidões o assediam no convento

Embora São Pio tentasse escondê-los, a notícia dos estigmas se ­espalhou de maneira assombrosa para os padrões da época. De todas as partes do mundo vinham pedidos de oração e “com frequência agradecimentos por graças recebidas”.

O convento de San Giovanni Rotondo passou a ser assediado por multidões que queriam confessar com o capuchinho estigmatizado ou desejavam vê-lo celebrar a Santa Missa. Nos dias de bom tempo, distribuíam-se milhares de Comunhões e o número de conversões era tão grande que levou o provincial dos capuchinhos a declarar: “Tudo isto constitui para mim o verdadeiro prodígio e demonstra que o Senhor quis revelar este seu eleito para o bem das almas e a glória de seu nome”.

Padre Pio chegou a passar dezesseis horas no confessionário, num mesmo dia. Em carta a seu diretor espiritual, confidenciou: “Não tenho um minuto livre: todo o tempo é utilizado para tirar os irmãos dos laços de satanás. Bendito seja Deus”.

Mas não eram só os sofrimentos espirituais que preocupavam São Pio. Prova disso é que, vendo anos mais tarde a necessidade de haver na cidade um bom hospital, pôs-se a campo para construir a Casa Alívio do Sofri-mento, a qual, segundo Pio XII, se transformou “num dos hospitais mais bem equipados da Itália”.

Invejas e incompreensões desatam a perseguição

Tendo crescido a celebridade do Santo a ponto de alcançar os jornais mais famosos da época, levantaram-se contra ele, e contra os frades de seu entorno, a inveja, a incompreensão e a calúnia.

Bento XV, Pontífice então reinante, o considerava um “homem verdadeiramente extraordinário, dos que Deus envia à terra de vez em quando, para a conversão dos homens”. Contudo, isso não impediu que membros do clero secular encaminhassem ao Papa relatórios pedindo providências contra aquele “estranho” religioso.

Em 1919, Dom Pasquale Gagliardi, Arcebispo de Manfredônia, em cuja jurisdição se encontra o convento de San Giovanni Rotondo, começou a reunir documentos e testemunhos contra o santo capuchinho. E enviou uma denúncia ao Santo Ofício, suplicando ao Sumo Pontífice que “pusesse freio à idolatria que se comete no convento pelas ações do Padre Pio e pelos irmãos que estão com ele”.

Cabe assinalar que, já naquela época, Dom Gagliardi era acusado por alguns fiéis de praticar simonia e ter costumes depravados, fatos mais tarde confirmados durante uma visita apostólica. Durante seu governo, a Arquidiocese de Manfredônia estava em ruína.

As queixas do prelado e de alguns sacerdotes desataram uma verdadeira perseguição contra o Padre Pio. A eles se uniria o Pe. Agostinho Gemelli, médico e religioso franciscano que, embora jamais tivesse examinado os estigmas, proclamou provirem de “um estado morboso, uma condição psicopática ou serem efeito de uma simulação”. Um dos biógrafos de São Pio chega a qualificar o Pe. Gemelli de “filósofo da perseguição”.

Uma década de intervenções do Santo Ofício

Impulsadas pelo ódio dos seus detratores, as suspeitas contra o Padre Pio continuaram a crescer. Em ­junho de 1922, menos de seis meses depois de ter falecido Bento XV, o Santo Ofício emitiu disposições destinadas a isolá-lo de seus devotos.

É-lhe proibido mostrar as chagas, falar delas ou permitir que as osculem. Trocam-lhe o diretor espiritual, com quem fica suspensa toda comunicação epistolar. Vedam-lhe responder qualquer carta ou aconselhar quem quer que fosse, e mandam aos seus superiores afastá-lo de San Giovanni Rotondo, “quando o clima popular o permitir”, o que acaba não acontecendo.

Como os fiéis não se conformam e o seguem procurando, o Santo Ofício declara, em 1923, “que não se confirma a sobrenaturalidade dos fatos atribuídos ao Padre Pio e exorta os fiéis a conformarem-se com essa declaração”. Nos anos subsequentes, Dom Gagliardi e os sacerdotes descontentes continuam bombardeando o Santo Ofício com acusações. A transferência do religioso para outro convento ainda é inviável, por receio a tumultos.

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Em 1931 o Santo Ofício o proíbe de celebrar em público e retira-lhe a permissão para ouvir Confissões. Não se trata de uma condenação oficial, mas de “restrições impostas por prudência”. As incessantes acusações e calúnias de Dom Gagliardi e seus agentes haviam alcançado seu objetivo, pelo menos em parte.

A reação do santo frade, ao tomar conhecimento de cada proibição, era elevar os olhos ao Céu e abandonar-se à vontade Deus. Tudo aceitou com humildade e resignação, ainda que soubesse serem injustas aquelas penas. “Não podendo mais falar de Deus aos homens, intensificou seu colóquio com Deus, falando-Lhe dos homens”.

Os que tinham a graça de se aproximar dele saíam entusiasmados por sua pessoa e aliviados de suas misérias e dores. “A luz que suas virtudes irradiam não fica obscurecida pelas nuvens com as quais se tenta, em vão, dificultar seu caminho e ascensão a Deus”.

Quase trinta anos de apostolado fecundo

Em 14 de julho de 1933, o Santo Ofício amenizou as proibições. Uma carta do seu Secretário, Cardeal Donato Sbarretti, autoriza-o a celebrar a Santa Missa na igreja do convento e a confessar os religiosos fora do templo.

Na festa de Nossa Senhora do Carmo, a multidão de devotos que enchia a igreja para revê-lo o encontra irreconhecível: envelhecido, cabelos encanecidos, ombros pesados, passo incerto. “Era um varão de dores, que voltava a estar com seus fiéis”.

Aos poucos lhe restabeleceram também a faculdade de ouvir Confissões e, embora as ressalvas do Santo Ofício não lhe tivessem sido retiradas – nem confirmadas por um processo e uma sentença -, “iniciou-se para o Padre Pio uma época feliz, que haveria de durar até 1960. Feliz no sentido de um apostolado livre e fecundo. Foram quase trinta anos durante os quais afluíram a San Giovanni Rotondo centenas de milhares de peregrinos e durante os quais se multiplicaram as conversões, curas e graças recebidas”.

Em 3 de outubro de 1960, um desafortunado comunicado de imprensa do Vaticano noticiava o retorno a Roma de Mons. Carlo Maccari, que estivera em San Giovanni Rotondo como visitador apostólico. A infeliz redação do informe fez eclodir uma avalanche publicitária: em um mês circularam mais de oitocentas notícias contra São Pio, em toda a Itália!

Desta vez as calúnias não atingiam apenas sua pessoa, mas também as finanças e a administração da Casa Alívio do Sofrimento. Um dos artigos chegou à insolência de qualificá-lo de “o capuchinho mais rico do mundo”.

O triunfo do Padre Pio

Numerosos livros foram escritos sobre as perseguições sofridas pelo Padre Pio, desmentindo as acusações contra ele vertidas, revelando a má-fé dos seus detratores e relatando os fatos em todos os seus detalhes. Assim sendo, não temos a intenção de usar o exíguo espaço deste artigo para esgotar o tema, mas sim para pôr em realce o quanto pela cruz se chega à luz!

Os sofrimentos físicos provocados pelos estigmas, os esforços quase sobre-humanos do seu fecundíssimo labor pastoral e as calúnias e perseguições que crucificaram sua alma se reverteram em glória ainda nesta terra.

Já em 1962, dezenas de Bispos e Arcebispos participantes do Concílio Vaticano II o visitaram. Entre eles estava Dom Karol Wojtyla, à época Bispo Auxiliar de Cracóvia. Dois anos depois, o Pró-Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Alfredo Ottaviani, comunicava-lhe ser vontade do Papa Paulo VI que “o Padre Pio volte ao seu ministério em plena liberdade”. As turbas acorreram novamente a San Giovanni Rotondo, desejosas de vê-lo e de tocar nas chagas de suas mãos ou ao menos em seu hábito.

Em 20 de setembro de 1968, quinquagésimo aniversário de sua estigmatização, o Padre Pio percebe que está próximo o seu fim. No dia 22, terminada sua Missa matutina, o povo o aclama. Por volta das dez e meia, já pálido e trêmulo, mal tem forças para levantar suas mãos frias e abençoar uma numerosa multidão, da janela da velha igreja. Difícil é descrever a alegria e os aplausos, o agitar das mãos e lenços, para corresponder às suas saudações.

À tarde, porém, depois da última bênção aos fiéis que assistiram à Missa, se retira a seus aposentos. Conta-nos o padre guardião que nesse momento “a janela da cela do Padre Pio se fechou para sempre, encerrando atrás de si a lembrança de um homem a quem todos os que dele se aproximavam aprenderam a chamar de Pai!”

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Às duas horas da madrugada do dia 23, depois de receber a Unção dos Enfermos, com o rosário nas mãos e nos lábios os nomes de Jesus e Maria, sua alma voou ao Céu. Tinha oitenta e um anos. Uma imensa quantidade de pessoas acorreu para venerar aqueles santos restos. E narram as crônicas do convento que ali não se deu “o funeral, mas sim o triunfo do Padre Pio”. Começava, na eternidade, a vida de um dos Santos mais cultuados atualmente na Itália e no mundo todo.

Por Padre Fernando Néstor Gioia Otero, EP

1 – RIPABOTTONI, OFMCap, Alejandro de. Padre Pío de Pietrelcina. Perfil biográfico. San Giovanni Rotondo: Padre Pio da Pietrelcina, 2018, p.12.
2 – Idem, p.25-26.
3 – Idem, p.47.
4 – Idem, ibidem.
5 – Idem, p.89.
6 – Idem, p.124.
7 – SÃO PIO DE PIETRELCINA. Carta 500. Ao Pe. Benedetto, 21 de agosto de 1918. In: Epistolario. 3.ed. San Giovanni Rotondo: Padre Pio da Pietrelcina, 1995, v.I, p.624.
8 – Idem, p.623
9 – RIPABOTTONI, op. cit., p.72.
10 – SÃO PIO DE PIETRELCINA. Carta 68. Ao Pe. Agostino, 21 de março de 1912. In: Epistolario, op. cit., p.144.
11 – SÃO PIO DE PIETRELCINA. Carta 510. Ao Pe. Benedetto, 22 de outubro de 1918. In: Epistolario, op. cit., p.64.
12 – RIPABOTTONI, op. cit., p.77.
13 – Idem, p.79.
14 – Idem, p.80.
15 – SÃO PIO DE PIETRELCINA. Carta 537. Ao Pe. Benedetto, 3 de junho de 1919. In: Epistolario, op. cit., p.672.
16 – PIO XII. Discurso aos participantes de um simpósio sobre as enfermidades coronárias, 9/5/1956.
17 – RIPABOTTONI, op. cit., p.81.
18 – CHIRON, Yves. El Padre Pío. El capuchino de los estigmas. 9.ed. Madrid: Palabra, 2014, p.147.
19 – Cf. Idem, p.146.
20 – Cf. PERONI, Luigi. Padre Pio. O São Francisco de nosso tempo. São Paulo: Paulinas, 2002, p.140-141.
21 – CHIRON, op. cit., p.154.
22 – Idem, ibidem.
23 – CASTELLI, Francesco. Padre Pio sob investigação. A “autobiografia” secreta. São Paulo: Paulinas, 2009, p.360.
24 – Idem, ibidem.
25 – CHIRON, op. cit., p.221.
26 – RIPABOTTONI, op. cit., p.90.
27 – Idem, p.85.
28 – CHIRON, op. cit., p.221.
29 – Idem, ibidem.
30 – Idem, p.310.
31 – CASTELLI, op. cit., p.362.
32 – RIPABOTTONI, op. cit., p.165.
33 – Idem, p.170.

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