Por não aceitar a Cruz, o mundo apedreja o justo
Redação (Quarta-feira, 11-09-2019, Gaudium Press) Há um ponto curioso na história da Igreja, que convém muito focalizar:
O homem que se entrega à virtude, desejando progredir nas vias de Deus, é sujeito de vez em quando a movimentos de idiossincrasia ou de rejeição em relação àqueles mesmos que procuram levá-lo para o bem.
Ingenuidade – Movimentos contraditórios na alma humana
Ao considerarmos o fruto do trabalho de um apóstolo, será ingenuidade pensar que ele tomou contato com os que o seguem, abriu-lhes o caminho do Céu e, com toda a simplicidade, aceitaram o convite que lhes foi feito, pondo-se a acompanhar os passos indicados, com amor, dedicação e fidelidade a quem lhes serve de guia.
Na realidade – e a vida dos Apóstolos é cheia de exemplos em sentido contrário – as coisas não ocorrem com essa singeleza, porque na alma humana existem movimentos contraditórios.
E se é verdade que em muitas ocasiões e circunstâncias somos levados a amar aqueles que nos servem de guia para a virtude, há também situações lamentáveis em que esses mesmos benfeitores são objeto de repulsa de nossa parte.
Por que isso acontece?
Por quê? Porque o caminho do bem é o caminho da cruz; o caminho da cruz é o caminho do sacrifício; o caminho do sacrifício é o caminho da dor.
Ora, o caminho da dor não é aprazível…
Se há um homem que nos diz: “Adianta-se nessa direção! Sei que ir por ali dói, mas, depois, na ponta dessa trajetória está o Céu”, nós temos vontade de responder: “Bendito és tu que nos levas para o Céu”.
E logo em seguida somos tentados a acrescentar:
“Que homem insuportável és tu que não encontras outro caminho para o Céu, a não ser pisando sobre espinhos!”
É a miserável tendência do espírito humano.
A infidelidade dos Apóstolos na Paixão: o horror da cruz expulsou o amor
Isto se deu de um modo frisante nos Apóstolos com relação a Nosso Senhor. O Divino Mestre os tratou como sabemos, deu-lhes a abundância de suas graças, manifestou aos olhos deles perfeições que até hoje encantam e entusiasmam a humanidade. Mas a resposta dos Apóstolos foi a que todos também conhecemos pelas narrações do Evangelho.
Tome-se, por exemplo, o discípulo bem-amado, incumbido pelos outros de fazer uma pergunta a Nosso Senhor, e que foi erigido na qualidade de medianeiro de todos para discernir os arcanos de Deus.
São João Evangelista, o primeiro homem que sentiu o pulsar do Coração de Jesus e, portanto, o primeiro devoto – exceção feita de Nossa Senhora e eventualmente de São José – do Sagrado Coração, recebeu a prova de que o Divino Mestre era grato àquele pedido e ao modo como era feito, isto é, pondo o ouvido sobre o peito d’Ele.
Jesus respondeu: “Aquele a quem eu der o pão embebido no vinho, este é o traidor.”
Mas, na hora da Paixão, São João Evangelista fugiu…
Ele tinha dormido no momento em que devia estar acordado. Quando Nosso Senhor repreendeu os Apóstolos por estarem imersos no sono, Ele não disse: “Com exceção de João Evangelista, por que dormis?” Ele pergunta a todos: “Por que dormis?!”
Lembra-o magnificamente o canto polifônico de Tomás Luís de Victoria: “Quid dormitis? Vel Judam non videtis quomodo non dormit, sed festinat tradere me?” – “Vós não vedes Judas que não dorme, mas se apressa em me trair?!”
O próprio discípulo amado estava nesse rol e dele não foi excluído: fugiu!
Na hora da Paixão, até mesmo o discípulo amado teve medo da cruz e abandonou o Divino Mestre.
Misteriosamente, São João aparece depois aos pés da cruz. Não se sabe em que instante nem de que modo ele se converteu, mas tudo me leva a supor que foi uma graça especial e personalíssima obtida por Nossa Senhora.
A Santíssima Virgem o terá visto passar por algum caminho e lhe disse: “João!”
Quando ele a ouviu pronunciar seu nome, todas as resistências más dele se dobraram, e o futuro Evangelista se transformou.
Terá sido esta ou alguma outra graça do gênero.
Talvez, por um fenômeno de bilocação, Ela tenha aparecido e falado com ele num antro qualquer onde estaria escondido, e de algum modo tocou o seu coração: são hipóteses.
O medo do sofrimento e o horror da cruz expulsaram o amor
Assim, vemos que São João Evangelista, apesar do grande amor que nutria por Nosso Senhor, de tê-Lo sempre seguido, em certo momento, quando percebeu como o Divino Mestre estava aterrado e compreendeu a avalanche que viria por cima dele, não resistiu ao espantalho da dor e da perseguição. Fugiu…
O medo do sofrimento e o horror da cruz expulsaram o amor. Só ficou o temor. E ele fugiu. O mesmo se deu com todo o resto do Colégio Apostólico. (ARM)
(Fonte: excertos de um artigo da “Revista Dr. Plinio”)
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