Santa Catarina de Sena
29 de abril, dia consagrado à memória de Santa Catarina de Siena. “Quem possui o amor de Deus, nele encontra tanta alegria que cada amargura se transforma em doçura e cada grande peso se torna leve”.
Redação (Segunda-feira, 29-04-2019, Gaudium Press) Dotada de grande inteligência e beleza, nasceu Catarina em 1347, na cidade de Siena, numa época em que a Península Itálica, então dividida em numerosos Estados soberanos, passava por grandes conturbações, não só no campo político, mas também no religioso.
Foi a penúltima dos 25 filhos do casal Benincasa, porém, com a morte de sua irmã mais nova, acabou assumindo a posição de caçula e filha predileta da família. Seu pai era um simples tintureiro, mas – homem hábil e enérgico, reto e de grande reputação nas redondezas – bem sucedido na sua profissão.
Essa menina privilegiada recebeu de seus pais e irmãos uma primorosa educação, mas uma reduzida instrução escolar, pois somente aos 30 anos aprendeu a ler e escrever, segundo consta, de maneira miraculosa. Desde os albores do uso da razão, gostava muito de rezar, de visitar igrejas e ouvir as histórias dos santos.
Desde criança, foi favorecida pelo Esposo das Virgens com dons místicos extraordinários. Por exemplo, com apenas 6 anos de idade, teve uma grandiosa visão de Jesus Cristo. Ela havia saído com seu irmão Estevão para visitar a irmã Boaventura, no outro lado da cidade. Na volta, passando pelo Valle Piatta, Catarina ergueu os olhos em direção à igreja de São Domingos e viu Jesus no ar, revestido de paramentos sacerdotais, sentado num trono sobre nuvens luminosas, acompanhado de São Pedro, São Paulo e São João Evangelista. O Senhor lhe sorriu afavelmente e a abençoou, traçando no ar três cruzes em sua direção, como fazem os bispos. Ela ficou imóvel, petrificada, contemplando a presença viva de Nosso Senhor. Seu irmão, que nada via, espantado com a imobilidade da menina, gritou-lhe assustado:
– Catarina, que fazes aí?! – Ela voltou os olhos para Estevão e, quando olhou de novo em direção à visão, esta já havia desaparecido.
Chorando, queixou-se:
– Ah, se tivesses visto o que eu vi, não me terias chamado!
Decisão e firmeza desde a infância
Frei Raimundo de Cápua, confessor e primeiro biógrafo da santa, baseando-se nas recordações de Lapa de Benincasa, mãe de Catarina, conta-nos que esta tomou a resolução de não se casar quando tinha apenas 7 ou 8 anos. Era claro que a Divina Providência tinha desígnios especiais em relação a essa filha eleita.
Mas a família tinha para ela outros planos… Sua própria mãe envidou todos os esforços para que ela também se casasse, no que contou com a ajuda de sua irmã Boaventura, recém-casada.
Esta, com quem Catarina foi morar, incentivou-a a se vestir e pentear-se elegantemente, para ostentar sua beleza e conseguir um bom noivo. No início, a jovem Catarina cedeu e, aos poucos, foi-se esmerando em sua apresentação pessoal. Todavia, Jesus queria o coração dessa virgem exclusivamente para Si, e enviou-lhe uma severa advertência, representada pela morte súbita de sua irmã Boaventura. Caindo em si, Catarina voltou para a casa dos pais, onde retomou a vida de penitência, que se habituara a levar quando menina.
Para vencer as pressões da mãe, que não desistira de seu intento, a heroica moça cortou sua bela cabeleira, em sinal de completo desapego e de rompimento com o mundo. Este fato provocou uma feroz reação da mãe, que, em represália, obrigou-a a fazer todo o serviço da casa, como uma servente, e tirou-lhe o quartinho onde ela costumava se recolher em oração e penitência.
Mas, como diz São Paulo, “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rom 8, 28). A perda de sua “cela monacal” levou a jovem santa a construir para si a “cela do coração”, a respeito da qual ela própria comentaria mais tarde, numa de suas inúmeras cartas: “Esta cela é uma moradia que o homem carrega consigo por toda parte. Nela adquirem-se as verdadeiras e reais virtudes, especialmente a humildade e a ardentíssima caridade” (Carta 37).
Vendo a fortaleza da filha, que não cedia em suas convicções e não perdia a alegria, o pai interveio a seu favor, devolvendo-lhe o pequeno quarto e permitindo-lhe receber o hábito de penitente da Ordem Terceira de São Domingos, o qual ela anelava com toda a sua alma.
Núpcias espirituais
Dos 17 aos 20 anos de idade, Catarina passou reclusa em sua cela, orando e jejuando, aprendendo os segredos de Deus e penetrando em suas maravilhas. Só saía para ir à Missa, quase não conversava com ninguém e se alimentava pouquíssimo. Aliás, ao longo de sua vida, passou dias e dias alimentando-se apenas da Sagrada Eucaristia. Sua crescente devoção à Santíssima Virgem ajudava-a a vencer as tremendas tentações com que o demônio a atormentava.
No ano de 1367, no dia da ceia de Carnaval, véspera da Quarta-Feira de Cinzas, Nosso Senhor apareceu à Santa no recôndito de sua cela, desposando-a em núpcias místicas. Após colocar-lhe como sinal um anel de ouro no dedo, ordenou-lhe que fosse juntar-se à família na ceia, pois queria fazer dela um apóstolo.
Do recolhimento ao apostolado e à luta
Começava para nossa Santa nova fase de sua curta vida. Iniciou seu apostolado socorrendo os pobres e enfermos. Não havia quem não a conhecesse em Sena. Também ninguém que viesse pedir-lhe auxílio e não fosse prontamente atendido.
Uma terrível peste avassalou o país em 1374 e Catarina, com generosidade heroica, dedicou-se como nunca a prestar assistência às vítimas do flagelo. Cuidou dos corpos enfermos, mas sobretudo tratou das almas, conseguindo conquistar muitas delas para o Céu.
Curava doentes, convertia pecadores impenitentes pela força de sua oração e expulsava demônios com uma só palavra de sua boca.
Muito mais importante, porém, foi a atuação de Santa Catarina naquele conturbado mundo político de fins da Idade Média. Em torno dos Estados Pontifícios, agrupavam-se pequenos reinos, além de várias cidades que constituíam Estados soberanos. A todo momento nasciam novos conflitos, ou recrudesciam antigos. Sem falar nas “guerras privadas” de facções familiares dentro de uma mesma cidade. Muito pior, revoltas de muitas dessas cidades contra o Papa. Este defende-se, fulminando com sentença de interdito algumas delas. Novas revoltas, um verdadeiro caos!
Contando só com a força que seu Divino Esposo prometera que nunca lhe faltaria – e efetivamente nunca faltou! -, Santa Catarina foi chamada a intervir em numerosos desses conflitos. Viajando quase incessantemente de cidade em cidade, exerceu um importante papel de pacificadora. Como não podia deixar de ser, seu principal empenho tinha como meta a glória de Deus e a defesa do Papado e dos Estados Pontifícios.
Exílio de Avignon e Grande Cisma
Toda essa intensa atividade de Santa Catarina foi, sem dúvida, de grande benefício para a Igreja e a Cristandade. Mas não passa de um simples degrau para aquilo que constitui sua grande missão pública: a luta para trazer de volta a Roma a sede do Papado.
Forçado por injunções políticas ocasionais, o Papa Clemente V, ex-Arcebispo de Bordeaux, transferira em 1309 a Sé Pontifícia de Roma para a cidade francesa de Avignon. Em termos concretos, este fato submeteu os Sucessores de Pedro ao jogo das ambições e das corrupções de reis, príncipes e outros governantes terrenos e, infelizmente, mesmo de altas personalidades eclesiásticas indignas de seus cargos. Tudo isto com enormes prejuízos para o governo da Igreja e a salvação das almas.
Sem nunca exceder sua humilde condição de simples leiga de uma Ordem Terceira, Santa Catarina admoestava com ousadia e serenidade, “em nome de Cristo”, os grandes deste mundo, não apenas autoridades temporais, mas inclusive os cardeais da Corte Pontifícia de Avignon. E concorreu poderosamente para que, afinal, no ano de 1377, o Papa então reinante, Gregório XI, decidisse enfrentar a oposição do Rei de França e reinstalar na Cidade Eterna o governo do mundo cristão.
Mas Gregório XI faleceu no ano seguinte, sendo sucedido por Urbano VI. Um grupo de Cardeais, sob pretextos falaciosos, se revoltou contra ele, voltou para Avignon, declarou nula a eleição do Papa legítimo e elegeu um antipapa, o qual tomou o nome de Clemente VII.
Nasceu assim o chamado Grande Cisma do Ocidente, durante o qual Santa Catarina foi a paladina e a coluna de sustentação do verdadeiro Papa, por ela cognominado de “o doce Cristo na Terra”.
“O que é fraco no mundo, Deus o escolheu para confundir os fortes” – afirma São Paulo (1 Cor 1, 27). A humilde filha do tintureiro Benincasa empreendeu inúmeras viagens para resolver complicadas questões; foi conselheira de reis, príncipes, bispos e até mesmo de Papas. Iluminada pelo Espírito Santo, fortalecida pela graça do Deus Crucificado, fez tudo quanto pôde para defender a unidade da Igreja que tanto amava, na pessoa do sucessor de Pedro.
Doutora da Igreja
Com apenas 33 anos, partiu para a eternidade a 29 de abril de 1380, deixando uma plêiade de discípulos, um exemplo de vida e uma obra escrita composta de 381 cartas, 26 orações e o livro “O diálogo”, no qual descreve todo o seu método de apostolado e vida interior, chamado pela Igreja como “livro da doutrina divina”.
Por seus ensinamentos cheios de verdade e sabedoria, foi honrada pelo Papa Paulo VI com o título de Doutora da Igreja, em outubro de 1970. “Suas cartas são como fagulhas de um fogo maravilhoso que brilha em seu coração, ardente do Amor infinito que é o Espírito Santo” – afirmou o Santo Padre ao outorgar-lhe este glorioso título.
Que o exemplo de Santa Catarina de Sena penetre em nossas almas, com a força desse mesmo fogo que ardia em seu coração, e nos traga a fidelidade plena e íntegra à Santa Igreja de Cristo, na pessoa augusta do Papa.
Texto extraído da Revista Arautos do Evangelho n. 16, abril 2003.
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