Gaudium news > Luís XIV e o esplendor de uma civilização

Luís XIV e o esplendor de uma civilização

Dotado de um insaciável senso de grandeza, Luís XIV impulsionou a cultura, consagrando estilos artísticos em diversos campos.

507px Louis XIV of France

Redação (01/09/2023 11:08, Gaudium Press) Para que um governante venha a tornar-se símbolo de sua própria nação, requer-se que tenha se distinguido, seja por feitos eminentes e heroicos, seja por possuir um caráter sob algum ponto de vista admirável. Em um e outro caso, enquadram-se, por exemplo, Felipe II da Espanha, D. Manoel, o Venturoso, de Portugal, Maria Teresa da Áustria e, para não ir tão longe, nossa Princesa Isabel, dita redentora, pretendente ao trono do então Império Brasileiro no século XIX, e quantos outros.

Houve, todavia, um rei que se destacou na história das monarquias pelo inigualável esplendor de sua corte, de seus palácios e de sua própria pessoa: Luís XIV, o “Rei Sol”

Aurora de um reinado

Louis Dieudonné nasceu a 5 de setembro de 1638, filho do régio casal Luís XIII e Ana d’Áustria. Tal nascituro, que foi esperado com ânsia durante 23 anos, está estreitamente vinculado ao patrocínio da Mãe de Deus. Com efeito, uma vez comprovada a esterilidade da rainha, ela própria empreendeu diversas peregrinações à Igreja de Notre-Dame-de-Bonne-Nouvelle, a fim de suplicar à Virgem Maria um herdeiro para a coroa. Além disso, atribui-se o nascimento à intercessão de um certo frei agostiniano de nome Fiacre, que em 1637 rogou com o mesmo intuito à Virgem.

Assim que a soberana percebeu que suas orações haviam sido atendidas, foi ao encontro do religioso, o qual recebeu do Rei o encargo de celebrar uma novena de missas para o bom nascimento da criança.

Mais tarde, em 1660, Luís XIV manifestará sua gratidão à Virgem ao se dirigir à igreja de Notre-Dame-des-Grâces de Cotignac, e em outras ocasiões enviando presentes ao frei Fiacre e ao santuário.

As frondas, uma turbulência na infância

À morte de Luís XIII em 1643, sucederá uma série de acontecimentos que acabarão por determinar a profunda tendência absolutista do monarca.

Segundo os costumes da coroa francesa, caso o rei falecesse sem que seu sucessor estivesse maduro o suficiente para governar, era estabelecido um regime de regência até sua a maioridade. Luís XIII, prevendo que o governo provisório cairia nas mãos de sua esposa, de cujas habilidades políticas não se fiava, constitui um conselho para assessorar a inevitável regência.

Pouco tempo depois, as previsões de Luís XIII se cumprem, mas suas medidas prudenciais fracassam. A impetuosidade de Ana d’Áustria manifesta-se em apenas uma semana após a morte do esposo ao anular seu testamento, destituir grande parte dos membros do conselho e elevar o cardeal Mazarino à condição de primeiro-ministro.

A política desenvolvida pela regente de ascendência espanhola e pelo cardeal italiano provoca diversas tensões, descontentamentos e revoltas, chegando ao ponto de, em 1648, Mazarino ter de decretar a prisão de três magistrados. Tal mandato foi o estopim de uma revolução armada, que passou para a história sob o título de Fronda, a qual obrigou o pequeno Luís a fugir de Paris com sua mãe e o cardeal-ministro.

Coube ao príncipe de Condé investir contra a capital e desfazer a revolta. A paz de 1649 pareceu pôr fim às hostilidades; entretanto, com o retorno à normalidade, o general vencedor exige para si postos e honras que não estavam de acordo com os interesses da regência… O antigo defensor da coroa, vendo seus anseios recusados, se revolta e é enviado à prisão na fortaleza de Vincennes por ordens de Mazarino. Detona-se, então, mais uma revolta: a Fronda dos Príncipes em que “Condé combate sem sucesso as tropas que havia tantas vezes conduzido à vitória”,[1] sendo derrotado por Turenne em 1652.

Tais fatos abrem uma chaga incurável na personalidade de Luís XIV. O rancor e a desconfiança dos grandes do reino, que eventualmente podem vir a ofuscar por completo tão brilhante reinado, repousarão para sempre nas perspectivas do Rei Sol.

Consolidação do absolutismo

A maioridade de Luís XIV é comemorada pela população parisiense em setembro de 1651, e sua sagração celebrada em Reims, em junho de 1654.[2] Em 1660, o Rei desposa Maria Teresa d’Áustria e, com a morte de Mazarino em 1661, anuncia que a partir de então ele governará só. O Rei presta ouvidos às sugestões de nobres e magistrados, mas, doravante, a última palavra nos assuntos de França caberá somente a ele.

A prisão do superintendente das finanças, Nicolas Fouquet, é prelúdio de uma extensa reorganização política: o número de ministros e conselheiros é reduzido. Nenhuma decisão de grande importância escapa ao aval do soberano.

Não obstante, os poderes locais das províncias são enfraquecidos pela atuação dos intendentes, representantes diretos do poder central.

Paulatinamente, a nobreza francesa é conduzida ao palácio de Versailles, moldura esplendorosa desta monarquia. Isto, todavia, acaba reduzindo a familiaridade existente entre as classes mais altas e as populações provinciais. “Tratava-se de reduzir a meros súditos os grandes senhores […] de abafar sob o brilho das festas as tentações de fazer fronda, de independência e de revolta…”[3]

A sede de poder aliada à desconfiança com a elite gera em Luís o desejo de concentrar a França inteira em suas mãos.

Um requinte de educação e bom trato

Diante de tais descrições, é natural forjarmos a imagem de Luís XIV como rei intocável e arrogante.

Contudo, um de seus maiores críticos, o duque de Saint-Simon, chegará a afirmar em suas memórias que “jamais houve um homem tão naturalmente polido, nem de uma polidez tão proporcionada, tão cheia de matizes, nem que distinguisse melhor a idade, o mérito, a categoria social nas suas respostas”.[4]

Por incrível que possa parecer, qualquer um poderia aproximar-se do Rei e pedir o que quisesse sem muita cerimônia. Conta-se que, certa vez, uma senhora simples e de idade, fendendo a multidão, apresentou-se ao jantar do Rei. Um cortesão a interpelou e ela disse em alta voz o que queria:

— Desculpe, eu gostaria muito de pedir ao Rei que me desse a possibilidade de falar com Monsieur de Louvois.

Todos os presentes riram, mas o Rei se aproximou e disse:

— Veja, aqui está Monsieur de Rheims, que tem mais poderes que eu.[5]

Em outra ocasião, num ambiente de intimidade e franqueza, um nobre que havia perdido um de seus braços na guerra foi ao encontro do Rei a fim de requisitar-lhe uma pensão. Ante o pedido, o soberano respondeu:

— Eu verei.

— Mas, senhor, redarguiu o nobre, se eu houvesse dito a meu general “eu verei” quando ele me enviou à missão em que perdi meu braço, eu o teria ainda e não vos pediria nada.

O Rei, tocado, concedeu imediatamente o privilégio ao homem.[6]

Crise religiosa e moral

A sociedade francesa do século XVII estava fortemente influenciada por uma autêntica crise moral, fruto de perversas filosofias de cunho eminente ateu e naturalista. Ademais, correntes como o jansenismo[7] e o quietismo operavam verdadeiros estragos no seio da nação francesa, afastando-a da religião Católica.

O próprio Luís XIV, abertamente católico, deixou-se levar pelo galicanismo.[8] Desejando dominar a totalidade da nação, acabou por conduzir suas ambições ao campo religioso, tomando uma série de medidas que contundiram a autoridade pontifícia e afastaram paulatinamente a França de Roma, a ponto de margear uma ruptura.

Além disso, a crise moral estendia suas graves consequências à vida pessoal dos nobres e do próprio Rei. É mister dizer que o Luís XIV das dignidades e das solenidades teve grandes lacunas em sua vida moral e, como não podia deixar de ser, o funesto exemplo do soberano favorecia o descumprimento dos compromissos matrimoniais por parte dos fidalgos. Afinal, “o fraco rei faz fraca a forte gente”…

Diante dessa caótica conjuntura, uma solução eficaz se afigurou. E vinha dos Céus…

No silêncio dos claustros, uma religiosa ouviu a voz de Deus.

O apelo do Rei dos reis

Corria o ano de 1689 quando, no convento das Visitandinas de Paray-le-Monial, Santa Margarida Maria Alacoque recebeu revelações do Sagrado Coração de Jesus.  Dentre estas, uma destinava-se diretamente ao Rei:

“Faz saber ao filho maior de meu Sagrado Coração que, assim como se obteve seu nascimento temporal pela devoção aos méritos de minha Sagrada Infância, assim alcançará seu nascimento à graça e à glória eterna pela consagração que fizer de sua pessoa a meu Coração adorável, que quer alcançar vitória no seu e, por ele, sobre o dos grandes da Terra. Ele quer reinar em seu palácio, ser pintado em seus estandartes e gravado em suas armas para que sejam triunfantes sobre todos os seus inimigos, abatendo a seus pés estas cabeças orgulhosas e soberbas, a fim de que seja ele vitorioso sobre todos os inimigos da Igreja.”[9]

Algo interessante de se notar é o fato de Luís XIV ter sido preparado para bem receber o apelo divino. Com efeito, seis anos antes da mencionada comunicação sobrenatural, Luís XIV, após a morte da esposa, contraíra segundas núpcias com Mme de Maintenon, senhora discreta e de conduta exemplar, que exerceu forte influência religiosa sobre o marido, pondo em ordem, aos poucos, sua vida antes dissoluta.

Infelizmente, a petição de Jesus jamais fora atendida. Nem sequer sabemos se, um dia, chegou ao conhecimento do monarca.

Quais poderiam ter sido as consequências de um possível atendimento ao pedido do Sagrado Coração de Jesus? Poderia o reinado de Luís XIV converter-se em um salutar exemplo para toda aquela civilização? Seria possível endireitar os desvios da época e evitar as convulsões político-sociais que abalariam o mundo exatamente um século mais tarde?

O ocaso do Rei Sol

Os anos finais da trajetória de Luís XIV ficaram gravados pela continuação de guerras fronteiriças e novas coalizões contra a França.

A deficiência administrativa conduziu as finanças do reino a uma franca bancarrota. O exército estava desgastado e, para consumar o colapso, o inverno de 1709 arruinou o abastecimento interno.

Os olhos do Rei viram o desaparecimento de cada um de seus legítimos descendentes, restando-lhe apenas seu bisneto, o futuro Luís XV.

Considerando o balanço geral de sua vida, ele a encerrou num ato de autocensura por todos os extravios que macularam sua consciência. E, recebendo os derradeiros auxílios da Igreja, rendeu sua alma em 1 de setembro de 1715.

Legado histórico

Dotado de um insaciável senso de grandeza, impulsionou a cultura, consagrando estilos artísticos em diversos campos como os da música, da arquitetura e do paisagismo.

A altura a que Luís XIV se elevou, bem como o brilho que dele foi irradiado fizeram com que ele se tornasse uma incomparável figura de destaque em seu tempo e ofuscasse qualquer outro “astro” que com ele quisesse competir.

Por Rodrigo Siqueira


[1] WEISS, Johann Baptist. Biographie Universelle. Paris: Furne. 1841, v. II, p. 560.

[2] DUPECHEZ, Charles. Dictionaire des Rois et Reines de France. Saint-Amand-Montrond: Le Grand Livre du Mois. 1989, p. 157.

[3] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Luís XIV e o Sagrado Coração de Jesus. São Paulo, 13 ago. 1991. Conferência. (Arquivo ITTA-IFAT).

[4] SAINT-SIMON, Duc de. Memoires. Dijon: Gallimard, 1955, v. IV, p. 1001.

[5] Cf. LOUIS XIV. Louis XIV par lui-même. Dijon: Gallimard, 1992, p. 42.              

[6] Cf. Idem, p. 21.              

[7] Jansênio estimulava a pouca frequência aos sacramentos, a aversão ao esplendor e magnificência do culto, além apresentarem frieza à veneração da Mãe de Deus. Cf. PASTOR, Ludwig. História de los Papas. Barcelona: Gustavo Gili, 1948, v. 28, p. 378.

[9] TEJADA, José María Saenz de. Vida y obras completas de Santa Margarida María de Alacoque. Miami: Fiat Voluntas Tua Inc/ Quito: Jesús de la Misericordia. 1958, p. 377.

Deixe seu comentário

Notícias Relacionadas