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A saúde do Papa Francisco e o conclave da mídia

O clima de pré-conclave entre os jornalistas é uma constante, e só aquece ou arrefece de acordo com episódios relacionados à saúde do papa ou ao apontamento mediático de um eventual sucessor.

Foto: Vatican News

Foto: Vatican News

Redação (04/04/2023 09:07, Gaudium Press) ​​ Após 3 dias de internação devido a uma bronquite, o Papa Francisco retornou ao Vaticano, neste sábado, 31 de março, e já retomou suas atividades. O pontífice presidiu a celebração do Domingo de Ramos na Praça de São Pedro e espera-se que esteja presente nas demais liturgias da Semana Santa. Entretanto, especulações sobre seu estado de saúde permanecem.

Na última quarta-feira, 29, após sua audiência semanal na Praça de São Pedro, o Papa Francisco foi levado ao hospital Agostino Gemelli, em Roma. No início do dia, o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, havia dito que o papa foi internado para fazer “exames programados”. Horas depois, a Santa Sé informou que ele havia sentido dificuldades de respirar e ficaria hospitalizado. Como de costume, não tardaram a surgir rumores de que o Chefe da Igreja Católica, hoje com 86 anos, estaria prestes a morrer ou a renunciar.

Apesar da compreensível cautela da Santa Sé na divulgação de informações sobre a saúde do papa, a estratégia vaticana terminou por alimentar os rumores que se desejava evitar. Assim, a situação do papa ia sendo reportada como infecção respiratória, escalando para boatos de infarto, descompensação cardíaca, complicações intestinais e outros males súbitos. Era o início do chamado “conclave das catacumbas” jornalístico, no qual especulações sobre a morte do papa e seus possíveis sucessores fizeram as manchetes.

Efetivamente, o fato de que todo o processo da internação tenha sido reportado por membros da sala de imprensa da Santa Sé e não pelos médicos do Gemelli deu margem a más interpretações. Ademais, a imprensa lembrava que a última vez que Francisco esteve neste hospital não foi para exames de rotina, mas para submeter-se uma cirurgia no cólon, em julho de 2021. Apesar do procedimento já estar marcado há algum tempo, só foi anunciado quando o papa já estava internado. A policlínica, diga-se de passagem, não é conhecida por receber papas para exames laboratoriais, pois tem uma suíte sempre pronta para atender emergências de saúde dos pontífices. Para piorar, nunca foram divulgados boletins médicos do paciente Jorge Bergoglio como em outras ocasiões, o que suscitou críticas à transparência dos comunicados do Vaticano. A mensagem dos repórteres (e influencers) mal-intencionados era de que a situação estava sendo manipulada por autoridades que escondiam um quadro de saúde bem pior.

Saída do hospital e comunicações vaticanas

Apesar do susto, a recuperação do Papa Francisco afinal foi rápida e, depois da convalescença, ele ainda encontrou energias para visitar a ala infantil do hospital Gemelli onde batizou (sub conditione) um bebê e jantou pizza. À sua chegada ao Vaticano, ele agradeceu aos repórteres por terem feito um bom trabalho, corrigindo as mentiras sobre sua internação e disse sorridente: “Ainda estou vivo”. Mas ressaltou que “viu a morte” e que “ela é feia”.

Ao final do episódio,  o próprio papa veio a contradizer a versão inicial do Vaticano sobre “exames programados” e de que a situação estava sob controle desde o início. Isto levou alguns observadores a apontar uma necessária troca no comando das comunicações vaticanas. O fato de o pontífice ter se referido a “mentiras”, disseram alguns entendidos, podia custar o cargo ao Prefeito do Dicastério da Comunicação, Paolo Ruffini, e ao diretor das mídias vaticanas, Andrea Tornielli, cujos mandatos de 5 anos terminam em 2023.

A saúde de Francisco

O decaimento de Francisco, nestes 10 anos de governo, é visível, mas dizer que o papa não está em condições de governar ou deverá renunciar parece descabido segundo os fatos observados. Desde o ano passado, Francisco sofre com um problema no joelho direito que o obriga a usar uma muleta ou uma cadeira de rodas para se locomover, contudo diz que “não governa com o joelho” e não cogita renunciar. Tampouco oculta as dores ciáticas que já lhe fizeram cancelar compromissos, porém, ele não deixou de viajar ao Canadá e à África e acaba de confirmar presença na Hungria em abril.

O fato que o papa Francisco tenha se recuperado em relativamente pouco tempo e apareça airoso diante da mídia, falando bem de sua saúde, pode também ser lido como um recado de Bergoglio aos críticos: “Ainda estou vivo”…

Ao contrário de Bento XVI, Francisco já disse que não pensa em renunciar. Ele acredita que o cargo de Sucessor de Pedro só deve cessar com a morte do ocupante, mas reconhece que se alguma doença o deixasse incapacitado, utilizaria o recurso à renúncia. Se isso acontecesse, afirmou que passaria o resto dos seus dias em Roma.

Cabe então perguntar: o que se sabe ao certo sobre a saúde do papa? E ainda: Será verdade que está à beira da morte ou irá renunciar?

No geral, o estado do Papa Francisco não era “particularmente preocupante”, disseram fontes médicas à agência ANSA após a internação. O papa passou por análises radiológicas e sanguíneas que, ao final, revelaram níveis bons para um homem da sua idade e que respira, praticamente, com um único pulmão, dado que o papa teve uma parte do órgão direito removido quando era jovem.

Portanto, os rumores de que ele sofre de um mal grave como um câncer intestinal ou pulmonar parecem não ter fundamento. Ainda segundo os médicos que falaram com ANSA, “nenhum problema cardíaco foi detectado”, o que dissipa os boatos de que o pontífice tenha sofrido um infarto ou esteja mal do coração.

Todo o frenesi em torno a este episódio, só revela o que o analista John Allen Jr., editor do site Crux, denomina uma lei implacável lei da “vaticanologia” que diz: “todo desenvolvimento relacionado à saúde papal, seja para o bem ou para o mal, deve ser aumentado. Se ele (o papa) conseguir sorrir e acenar, alguns o proclamarão praticamente imortal; se ele tossir em público, outros começarão a escrever obituários”. O papa João Paulo II, lembra Allen Jr., chegava a brincar sobre esta situação. Ao ser perguntado como estava de saúde, o polaco dizia entre risadas: “Não sei, ainda não li os jornais”.

Clima pré-conclave

Estes movimentos não são novidade e fazem parte de uma agenda conduzida por atores eclesiais e pela mídia. Os opositores do papa, segundo ele mesmo afirmou aos seus confrades jesuítas, “querem vê-lo morto”. Um caso emblemático foi o cardeal australiano George Pell, conhecido crítico do papado de Francisco, que acreditava nos rumores de um iminente conclave. Devido à suposta “emergência eclesial”, Pell decidiu realizar um procedimento cirúrgico em Roma e não na Austrália. Ele morreu devido a complicações deste procedimento.

O jornalista e analista vaticano Iacopo Scaramuzzi também assinala que tudo o que temos lido e ouvido nos últimos dias não são novidades. No jornal La Reppublica, Scaramuzzi afirmou: “A técnica sempre foi a mesma desde o início do pontificado, aliás desde antes. (…) A questão é que partindo dos dados da realidade há quem dramatize as mazelas da idade, alimentando a sensação de emergência, ora traindo a vontade de acelerar o tempo, ora esperando influenciar o desenrolar dos acontecimentos e colocar o barrete no próximo Conclave”.

As declarações de Scaramuzzi confirmam que no fundo, o clima de pré-conclave entre os jornalistas é uma constante, ele simplesmente aquece ou arrefece de acordo com episódios relacionados à saúde do papa ou ao apontamento mediático de um eventual sucessor. E isto é ruim para os católicos, que têm sua atenção dispersa em uma espécie de nevoeiro sobre os temas da saúde do papa e do andamento do seu pontificado. Basta ver como a mídia constantemente cria e recria listas de cardeais papabili e o quão inúteis resultam estas especulações. Aqui vale o adágio: Os que chegam como papa voltam como cardeais.

Por sua parte, o conhecido vaticanólogo, Massimo Franco, do diário italiano Corriere della Sera, também criticou o comportamento alarmista da mídia e alertou para o risco mais grave de gerar “um conclave nas sombras”.

A tese de Franco é simples: o papa sobreviveu à bronquite, mas volta ao cargo em um estado claramente enfraquecido e frágil. Nessa situação, enfatizou Franco, “as especulações sobre uma possível renúncia aumentarão”, assim como “as manobras ocultas para o próximo conclave”.

Estas manobras não são fruto da imaginação de Scaramuzzi; elas existem por parte de alguns atores do cenário eclesial e surgem em decorrência à tendência de classificar os acontecimentos da Igreja em categorias políticas sob o clima de uma batalha entre progressistas e conservadores. Não há dúvida que todo aquele que tentar encaixar o atual pontificado nestas categorias terá uma grave dificuldade de analisá-lo.

O certo é que o papa está suficientemente bem para continuar seu pontificado de reformas, seja que ele mesmo as conclua ou deixe este desafio para o seu sucessor, cujo nome devido à atual complexidade do Colégio Cardinalício, ninguém conseguirá adivinhar. E neste sentido, vale a pena considerar a opinião do perito Andrea Gaggliarducci, analista da EWTN no Vaticano e autor do blog MondayVatican, que diz que a questão que deve ocupar a reflexão dos católicos “já não é identificar um sucessor” e sim “entender como deverão ser resolvidos os problemas de governança ocorridos durante este pontificado”. Algumas reformas como a das finanças do Vaticano, que amarga um déficit de 23 milhões, e a da Cúria Romana, criticada quanto à sua transparência e competência, ainda não surtiram os efeitos aguardados.

Por isso, os católicos deveriam seguir o conselho de Nelson Mandela ao afirmar que prever uma eleição papal “é como prever a chegada do inverno”, e deixar de especular sobre quem será o próximo papa. O que realmente importa é refletir sobre o rumo que o próximo pontífice dará à Igreja depois de tantas mudanças, e seguir rezando pelo Santo Padre, o Papa Francisco.

Por Rafael Tavares, jornalista acreditado à Santa Sé.

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