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A importância do afeto no adorador

Redação (Quarta-feira, 05-04-2017, Gaudium Press) Ensinando aos seus discípulos, Nosso Senhor utilizava às vezes termos surpreendentes e até duros, difíceis de entender. É o que vemos, por exemplo, no capítulo VI do Evangelho de São João, que nos relata a prédica que realizou na sinagoga de Cafarnaúm. Depois de ter multiplicado os pães e diante da euforia de seus seguidores por satisfazer o apetite corporal, lhes disse um tanto inesperadamente: “Em verdade lhes digo que se não comerem a carne do Filho do homem e não beberem seu sangue, não terão a vida em vocês” (vers. 53)

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Esta afirmação provocou uma verdadeira consternação entre os ouvintes que diziam: “Esta linguagem é muito dura! Quem quererá escutá-lo?” (vers. 60). Mais adiante, no vers. 66 se lê: “A partir de então muitos dos seus discípulos voltaram atrás e deixaram de seguir-lhe”. O abandonam no momento em que Jesus lhes revela a maravilha da Eucaristia que instituiria para benefício deles.

Imaginemos a cena de tensão e de espanto na sinagoga diante de semelhante pedra de tropeço posta no caminho, comer a carne do Mestre e beber seu sangue? Isto é uma loucura!

“Jesus perguntou aos doze: ‘Querem ir vocês também?’. Pedro lhes contestou: ‘Senhor, a quem iríamos? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos e sabemos que tu sois o Santo de Deus'” (vers. 67-69).

Este episódio deixa patente a importância da adesão afetiva que se deve render ao Senhor.

Sabemos que São Pedro era uma pessoa sensível, entusiasta, cheia de afeto por seu Mestre. O manifesta de muitas maneiras, às vezes a preço de parecer exaltado e irracional. Foi precisamente o afeto que lhe levou a declarar “a quem iríamos?”. Provavelmente ele tampouco entendeu isso de comer a carne e beber o sangue, mas como amava ao Mestre e lhe demonstrava seu amor, não foi embora.

E que é o afeto? É a predisposição até alguém ou algo com amor, com carinho. Cordialidade, por sua vez, é outro termo afim. Significa sincera inclinação do coração.

Evidentemente, crer e amar são coisas bem diferentes, a tal ponto que se pode acreditar em algo sem amá-lo. Por exemplo, admitimos que Saturno tem quatro anéis, mas estamos distantes de sentir um especial atrativo ou ternura por isso… Agora, quando há razões para tributar uma adesão completa a uma pessoa ou uma coisa, não aderir com a mente e o coração -ou aderir mesquinhamente- é uma falta que pode chegar a ser grave. Tratando-se de Nosso Senhor, o será com segurança.

A resposta que dá São Pedro denota esse apreço pela pessoa de Jesus, um gosto de estar junto a Ele, que vai além do crédito que se dá aos ensinamentos que propõem. Os que voltaram atrás e deixaram de seguir-lhe, precisamente careciam de afeto; eram parte do “montante” de interessados ou simplesmente curiosos.

Em outro parágrafo do Evangelho de São João se põem em manifesto a atração que exercia Jesus e que alguns dos seus discípulos souberam honrar: “Mestre, onde vives? Lhes respondeu: “Vinde e vereis”. Foram, pois, viram onde vivia e ficaram com ele aquele dia”. (Jo 1, 38-39). Disso se trata: de ir, de ver e de ficar com Ele. Esta forma de adesão é muito distinta a de estar de acordo ou a de não colocar objeções para estar em sua companhia…

No Calvário, pelo contrário, o afeto dos amigos do Senhor se coibiu. O abandonaram porque a paixão do medo anestesiou os laços de amizade entranhada que antes tinham cultivado e experimentado, laços que voltaram a professar depois, ao sopro da graça.

Pois bem, estas reflexões relativas à relação dos discípulos com Jesus durante sua vida mortal, são aplicáveis ao vínculo que um adorador estabelece com a Eucaristia, presença real e misteriosa do mesmo Jesus, já glorificado.

Não seremos bons adoradores apenas pelo empenho em completar um compromisso assumido, ou por tomar posturas corporais adequadas como o estar de joelhos. Ou, inclusive, fazendo um ato de Fé racional em Sua presença real. É necessário render-se diante da Eucaristia com um amor fervente e agradecido, com afeto filial, até diríamos com sentimentos de ternura, diante de um Deus que se dá sem medida e se faz meu confidente sem mérito algum da minha parte. Como ser insensível a um tal dom? Não é que “amor com amor se paga”?

Agora, resulta que o amor não se fabrica nem é fruto de um esforço; tampouco se impõem. É uma graça que se recebe, se acolhe e se cultiva… amando. Deus toma a iniciativa de amar-nos e nos infunde o amor, fazendo-nos capazes de amar apaixonadamente, de ser afetuosos. Não somente de sê-lo, também parecê-lo, porque o amor se demonstra, não se compartilha com rudeza, é bondoso.

O Santíssimo Sacramento não é um princípio abstrato ou um mero símbolo. É Deus que se humilha e se oculta sob a aparência de pão para fazer-se alimento e dar-nos Vida eterna que benefício infinito!

Com um tal benfeitor, não basta ser educado, temos que ser agradecidos e dar mostras de afeto que, por certo, aninham-se em entranhas de carne, não de pedra.

Como adorar ao Santíssimo sem desejar e procurar uma comunhão íntima com o Amado? Pois essa disposição, que vai além de um mero sentimento parte de uma cativante convicção!, nasce do coração e não dos seios…

Por Padre Rafael Ibarguren, EP

Traduzido por Emílio Portugal Coutinho

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