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Partindo para o Oriente

Quando não se tem em vista uma viagem para o Oriente, em geral, ele se nos afigura como um ponto distante da terra, meio mítico, misterioso. Sucessivas imagens de ícones, de marajás, de desertos, de oásis, de camelos, de homens com turbantes povoam a mente e a imaginação, misturando-se e, às vezes, ilustrando conhecimentos históricos.

Mas, quando a possibilidade de chegar até lá se torna palpável, esse painel começa a se ordenar e o viajante ocidental pensa que finalmente conseguiu fazer uma ideia do que é esta outra parte do mundo. “Ah! Já sei!” – pensa ele – “do ponto de vista geográfico, já dou a volta no assunto, do ponto de vista histórico, vou encaixando com a história do Ocidente, e do ponto de vista religioso, embora intrincado, dá para fazer uma ideia”.

Ledo engano! Mas que é compartilhado por muitos. Facilmente comprovaram isso duas missionárias, quando receberam seu encargo.

“Nossa! Índia? Ah, lá é lugar de muita lepra: tomem, levem esses cem quilos de algodão, gaze, esparadrapos, que lhes serão muito úteis!” “Meu Deus! Tão longe! Penso que o melhor é levarem panelas daqui, porque pode não haver lá”. “Nada disso! O melhor é garantirem a higiene pessoal: aqui estão 10 litros de loção perfumada!” E outras opiniões – e doações -, igualmente insólitas, foram recebidas pelas irmãs. Para não decepcionar os doadores, tudo aceitavam, e, evidentemente, passavam adiante, desvencilhando-se dessa carga onerosa.

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Taj Mahal (Índia)

Também houve contribuições de outro gênero, muito mais profundas e necessárias: os conselhos e orientações de seus superiores religiosos. “Confiança! Deus fará tudo! Deixem-se levar pela graça!” “Mas, e quando nos depararmos com situações difíceis, como devemos agir?” “Ama, quod vis, fac!” E, no último instante antes de subir no avião, um grande presente: O santo abandono, livro de espiritualidade, escrito por D. Vital Lehodey, abade cisterciense. Não poderia ter havido melhor presente.

Por pitoresca coincidência, seu roteiro para chegar ao país dos marajás, incluía uma passagem por Portugal. A Torre de Belém, os bairros antigos de Lisboa, as igrejas e as preciosas imagens portuguesas, tudo as preparava para seu novo destino e como que lhes dizia: “assim partiram os nossos filhos e foram bem sucedidos; assim parti também vós, e não vos saireis mal”.

E logo, após uma noite em Londres, deixaram as esperançosas missionárias os ares do Ocidente. A chegada a Bombaim não foi como o despertar de um sonho, mas como o penetrar nele, e, a bem dizer, no pesadelo em que em certas ocasiões se transformou. O aeroporto fervilhava, literalmente, de pessoas das mais diversas procedências. Atônitas, as recém-chegadas não conseguiam dar três passos sem que se vissem obrigadas a parar para admirar algum novo tipo humano que passava. Ora um muçulmano com suas cinco esposas veladas de negro, com anéis riquíssimos sobre luvas, ora um executivo oriental, com um terno de excelente qualidade e um pitoresco turbante, ora famílias inteiras com trajes sem definição de origem, mas arrastando uma réstia de filhos meio descabelados, presos uns aos outros por cordões, para não se perderem. Distintas senhoras indianas com coloridos sarees, acompanhadas de senhores com o tradicional khurta pijama… A sensação das viajantes era de que tinham entrado num presépio, mas não davam com a gruta de Belém.

Claro que pobres missionárias não se hospedam em hotéis. Assim, foram acolhidas por generosas famílias que tudo fizeram para que a adaptação fosse a melhor possível. Para isso acharam que deveriam mostrar-lhes a cidade. Levaram-nas de início ao Gate of India, monumento à beira do mar Arábico, onde se concentram turistas de todo o mundo e uma verdadeira legião de vendedores ambulantes. Ali encontraram, pela primeira vez, ao vivo, encantadores de serpentes, que só haviam conhecido em livros de contos. E era verdade, existiam mesmo, tocando suas flautinhas, a naja aparecendo de dentro do cesto, e depois, num golpe, fechada outra vez, até o próximo número.

Num dos lados da confusa praça, o majestoso Taj Mahal Palace Mumbay. Imponente exteriormente, é mesmo um palácio no seu interior, com a particularidade de que é frequentado pelos magnatas indianos, como o que travou conversa com as estrangeiras. O fino senhor, com fartos bigodes e olhar alegre, se vestia com um belíssimo traje, de tecido pesado e adamascado. De visível influência inglesa, o corte era perfeito, o que tornava o homem muito elegante, apesar de sua pouca altura. Os botões do casaco, uns oito, eram pequenos chuveiros de diamante. Sua esposa levava um saree bordado com pequenas pérolas. Iam a uma celebração de aniversário de alguém de sua família, num dos monumentais salões de festas do hotel. Foram simpáticos e acolhedores, e via-se que a família era abastada desde muito tempo, pois não demonstravam pretensão ou esnobismo.

Que país curioso! Pensaram as irmãs. Um verdadeiro palácio povoado por marajás, no meio de uma babel com toda espécie de misérias.

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Estação Chhatrapati Shivaji (Índia)

A próxima etapa seria atingida por via férrea, partindo da Estação Chhatrapati Shivaji, outro monumento arquitetônico valioso. Como em todo mundo, as estações ferroviárias são circundadas por mil bancas de vendedores ambulantes. Ali, a característica principal é que algumas delas são imensas e… artísticas! A banca de frutas, por exemplo, vendia pratos com variadas frutas cortadas e dispostas de modo artístico. E as montagens dos pratos não se repetiam. Eram uma demonstração eloquente da fértil imaginação indiana. O vendedor de algodão doce colorido fazia verdadeiros mimos com o açúcar: rosas, lírios…

Mas, Deus do céu! Que horror! Ao lado de mil aspectos pitorescos e interessantes, nas passarelas que cruzavam a estação de destino, um bando de crianças seminuas ou inteiramente nuas cercou as duas e seus acompanhantes, suplicando-lhes com as mãos estendidas esmola, em dinheiro ou comida. Quase completamente selvagens, malcheirosas, algumas ficavam estiradas no chão, e os transeuntes se desviavam delas como de um saco de lixo, pulavam por cima delas e seguiam seu caminho. Durante dois ou três minutos, as missionárias pararam e se dirigiram a elas em inglês, explicando-lhes o presente que lhes iam dar: Medalhas Milagrosas. Muitas se acercaram e com atenção seguiram a explicação, que, provavelmente, pouco compreendiam. No entanto, algo brilhava em seus olhos. Era a ação da graça, que batia às portas daquelas almas. Mas, como tanta miséria era agravada por absoluta falta de qualquer noção de religião cristã, de Deus, de família até, algumas crianças se revoltavam e, abandonando a explicação, avançavam sobre os que passavam, puxando-lhes a roupa, empurrando-os. Porém, o grupo aumentou e pelo menos umas trinta começaram a andar ao lado das religiosas, algumas tentando conversar e visivelmente tocadas com as medalhas, outras gritando e cortando-lhes o passo. Foi necessária a intervenção enérgica de um dos acompanhantes para que se afastassem. Pouco adiante viam-se essas últimas tentando vender as medalhinhas.

As irmãs compreenderam bem, nesse primeiro contato com a dura realidade do povo indiano, algumas características daquela gente: avidez espiritual, pouca formação religiosa profunda ao lado de grande miséria moral e material. Nas classes mais abastadas, como entre esses pobrezinhos, havia admiração pelos estrangeiros e intuição aguda do sobrenatural. Quanto às suas próprias qualidades, viam despretensão e pouca autoconfiança. No entanto, percebiam que era um povo cheio de sonhos voltados para o maravilhoso, os quais procuravam exprimir no cotidiano.

No coração das religiosas uma resolução estava tomada: dentro de seu limitadíssimo âmbito material, mas no amplo campo espiritual, com o auxílio de Deus e da Santíssima Virgem, tudo fariam para que um dia, fosse ele próximo ou distante, o verdadeiro Deus, através de Sua verdadeira Igreja, fosse ali conhecido, respeitado, adorado, e que aquele povo, em que pululavam excelentes qualidades de espírito, fosse elevado à nobre dignidade de filhos de Deus, com uma vida honrada nessa terra e a possibilidade da felicidade infinita no céu.

Elizabeth Kiran

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