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Não ter medo de ir “contra a corrente”

Redação – (Quarta-feira, 27-02-2013, Gaudium Press) – Publicamos hoje excertos das palavras de Bento XVI na Audiência Geral do dia 23 de janeiro de 2013. O Papa comentava o Credo. Mais concretamente, ele comentava as palavras iniciais dele: “Creio em Deus”. Eis o que disse o Papa:

“Neste Ano da Fé, hoje gostaria de começar a meditar convosco sobre o Credo, ou seja, sobre a solene profissão de fé que acompanha a nossa vida de fiéis. O Credo começa assim: “Creio em Deus” […].papa.jpg

E é precisamente sobre Abraão, que gostaria de chamar a nossa atenção, porque ele é a primeira grande figura de referência para falar de Fé em Deus: Abraão, o grande patriarca, modelo exemplar, pai de todos os crentes (cf. Rm 4, 11-12).

Deus pede a Abraão uma obediência e uma confiança radicais

A Carta aos Hebreus apresenta-o assim: “Foi pela Fé que Abraão, obedecendo ao apelo divino, partiu para uma terra que devia receber em herança. E partiu sem saber para onde ia. Foi pela Fé que ele habitou na terra prometida, como em terra estrangeira, habitando aí em tendas com Isaac e Jacó, co-herdeiros da mesma promessa. Porque tinha a esperança fixa na cidade assentada sobre os fundamentos eternos, cujo arquiteto e construtor é Deus” (11, 8-10).

Aqui, o autor da Carta aos Hebreus faz referência à vocação de Abraão, narrada no Livro do Gênesis, o primeiro livro da Bíblia. O que pede Deus a este patriarca? Pede-lhe que parta, abandonando a própria terra para ir rumo à terra que lhe indicar: “Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrar” (Gn 12, 1).

Como teríamos respondido nós a um convite semelhante? Com efeito, trata-se de uma partida às escuras, sem saber para onde Deus o levará; é um caminho que exige uma obediência e uma confiança radicais, ao qual só a Fé permite aceder. Mas a escuridão do desconhecido – onde Abraão deve ir – é iluminada pela luz de uma promessa; Deus acrescenta ao mandato uma palavra tranquilizadora que abre diante de Abraão um futuro de vida em plenitude: “Farei de ti uma grande nação; abençoar-te-ei e exaltarei o teu nome… e todas as famílias da Terra serão benditas em ti” (Gn 12, 2.3). […]

E Abraão, “pai dos crentes”, aceita esta chamada na Fé. Na Carta aos Romanos São Paulo escreve: “Esperando, contra toda a esperança, Abraão teve Fé e tornou-se pai de muitas nações, segundo o que lhe fora dito: ‘Assim será a tua descendência’. Não vacilou na Fé, embora tenha reconhecido o seu próprio corpo sem vigor – pois tinha quase cem anos – e o seio de Sara igualmente amortecido. Diante da promessa de Deus, não vacilou, não desconfiou, mas conservou-se forte na Fé e deu glória a Deus. Estava plenamente convencido de que Deus era poderoso, para cumprir o que prometera” (Rm 4, 18-21).

A Fé leva Abraão a percorrer um caminho paradoxal. Ele será abençoado, mas sem os sinais visíveis da bênção: recebe a promessa de se tornar um grande povo, mas com uma vida marcada pela esterilidade da sua esposa Sara; é levado para uma nova pátria, mas nela deverá viver como estrangeiro; e a única posse da terra que se lhe permitirá será a de um lote de terreno para ali sepultar Sara (cf. Gn 23, 1-20). Abraão é abençoado porque, na Fé, sabe discernir a bênção divina, indo além das aparências, confiando na presença de Deus até quando os seus caminhos lhe parecem misteriosos.

O cristão deve fundar sobre Deus a própria vida

O que significa isto para nós? Quando afirmamos: “Creio em Deus”, nós dizemos como Abraão: “Confio em Ti; confio-me a Ti, ó Senhor!”, mas não como a alguém, ao qual recorrer apenas nos momentos de dificuldade, ou a quem dedicar alguns momentos do dia ou da semana. Dizer “Creio em Deus” significa fundar sobre Ele a minha própria vida, deixar que a sua Palavra a oriente todos os dias, nas escolhas concretas, sem medo de perder algo de mim mesmo.

Quando, no Rito do Batismo, por três vezes somos interrogados: “Credes?” em Deus, em Jesus Cristo, no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica e nas outras verdades de Fé, a tríplice resposta é no singular: “Creio”, porque é a minha existência pessoal que deve passar por uma transformação mediante o dom da Fé; é a minha existência que deve mudar, converter-se. Cada vez que participamos num batizado, deveríamos perguntar-nos como vivemos diariamente o grande dom da Fé.

No mundo de hoje, Deus Se tornou o “grande ausente”

Abraão, o crente, ensina-nos a Fé; e, como estrangeiro na Terra, indica- nos a pátria verdadeira. A Fé torna-nos peregrinos na Terra, inseridos no mundo e na História, mas a caminho da pátria celestial. Portanto, crer em Deus torna-nos portadores de valores que muitas vezes não coincidem com a moda, nem com a opinião do momento, exige que adotemos critérios e assumamos comportamentos que não pertencem ao modo de pensar comum.

O cristão não deve ter medo de ir “contra a corrente” para viver a sua Fé, resistindo à tentação de “se conformar”. Em numerosas das nossas sociedades, Deus tornou-Se o “grande ausente” e no seu lugar existem muitos ídolos, ídolos extremamente diferentes entre si, e, sobretudo a posse e o “eu” autônomo. E também os progressos notáveis e positivos da ciência e da técnica suscitaram no homem uma ilusão de onipotência e de autossuficiência, e um egocentrismo crescente criou não poucos desequilíbrios no contexto das relações interpessoais e dos comportamentos sociais.

E no entanto, a sede de Deus (cf. Sl 63, 2) não foi saciada e a mensagem evangélica continua a ressoar através das palavras e das obras de numerosos homens e mulheres de Fé. Abraão, o pai dos crentes, continua a ser pai de muitos filhos que aceitam caminhar no seu sulco e põem- se a caminho, em obediência à vocação divina, confiando na presença benévola do Senhor e acolhendo a sua bênção, a fim de se fazer bênção para todos. É o mundo abençoado da Fé, ao qual todos somos chamados, para caminhar sem medo no seguimento do Senhor Jesus Cristo. Trata-se de um caminho por vezes difícil, que conhece também a prova e a morte, mas que abre à vida, numa transformação radical da realidade, que unicamente os olhos da Fé são capazes de ver e saborear em plenitude.

Então, afirmar “Creio em Deus” impele-nos a partir, a sair de modo incessante de nós mesmos, precisamente como Abraão, para levar à realidade cotidiana em que vivemos a certeza que nos deriva da Fé: ou seja, a certeza da presença de Deus na História, também hoje; uma presença que traz vida e salvação, abrindo-nos a um futuro com Ele, para uma plenitude de vida que nunca conhecerá ocaso.

(Excertos da Audiência Geral, de 23/1/2013)

Todos os direitos sobre os documentos pontifícios estão reservados à Libreria Editrice Vaticana.
A íntegra dos documentos acima pode ser encontrada em www.vatican.va

(Revista Arautos do Evangelho, Março/2013, n. 135, p. 08 – 09)

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