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Beatificado Padre martirizado pela Revolução Francesa

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Pierre-Adrien Toulorge

Realizou-se a 29 de abril último a beatificação do Padre Premonstratense Pierre-Adrien Toulorge, martirizado pela Revolução Francesa em 1793.

A solene celebração teve lugar na catedral de Coutances e foi presidida pelo Cardeal Ângelo Amato, prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, vindo especialmente de Roma para o ato e representando o Papa Bento XVI.

A catedral de Coutances é célebre pela sua bela arquitetura gótica do século XIII. Situada a certa altitude, ela domina a cidade e pode ser vista, segundo consta, desde as Ilhas Jersey, distantes, entretanto a mais de 40 km da costa Normanda francesa.

Várias exposições foram realizadas para lembrar a vida do padre Toulorge e a iconografia dos mártires, em especial dos santos e bem-aventurados originários daquela região da França, a Mancha, que é universalmente conhecida por abrigar um dos mais belos e significativos monumentos arquitetônicos da Europa, o Monte Saint Michel.

É a primeira vez que uma cerimônia de beatificação foi realizada naquela região. Com efeito, desde 2005 a beatificação, embora continuando a constituir de si um ato Pontifical, deve ser realizada na própria diocese concernida.

No ano passado o Papa Bento XVI autorizou a Congregação para a Causa dos santos a promulgar, sob o título de “mártir da verdade” o decreto da beatificação do religioso morto durante a Revolução Francesa.

Quem foi Pierre Adrien Toulorge (1757-1793), mártir da Verdade?

Reproduzimos a seguir, um tanto resumidamente, a ilustrativa conferência do Irmão Dominique-Marie, também ele Premonstratense, em que narra a hagiografia do recente bem-aventurado ().

Infância e juventude

Na verdade não se sabe muito da infância e juventude de Pierre Adrien Toulorge. Os registros católicos da época permitem reconstituí-la pelo menos nos fatos essenciais: o pequeno Pierre Adrien nasceu no reinado de Louis XV, a 4 de Maio de 1757 em Quièze, uma aldeola da Normandia, França e é batizado no mesmo dia. Seus pais são lavradores de pai para filho e profundamente cristãos.

Pierre Adrien é a terceira e última criança do casal Toulorge. Ele tem 17 anos quando começa o reinado de Louis XVI e frequenta o Seminário de Coutances, mantido pelos Padres Eudistas. Em Junho de 1781 é ordenado diácono.

Outrora, não se podia ordenar um padre sem dar-lhe “um título”, ou seja, ligá-lo ao serviço de uma igreja da qual receberia com que subsistir dignamente.

Mas no Antigo Regime, como eram ordenados bem mais padres do que havia benefícios ou “títulos”, e que a Igreja não podia sustentá-los, tinha-se tomado o hábito de criar “títulos clericais” que eram vinculados a uma terra ou bens fornecidos pela própria família do futuro padre.

O pai de Pierre Adrien, Julien Toulorge, garante então, em cartório, “uma renda de cem libras anuais” para o filho, a partir da sua ordenação ao subdiaconato. E assim recebe o seu “título eclesiástico”.

Vigário de Doville

É ordenado padre em Junho do ano de 1782. Em Janeiro de 83, Pierre Adrien é nomeado vigário de Doville, pequena paróquia de 168 lares, colocada sob o patrocínio da Abadia Premonstratense de Blanchelande.

Mas há algo que se passa no coração de Pierre-Adrien. Parece que com o contato assíduo dos padres premonstratenses, o jovem padre gradualmente tem sido conquistado pelo seu ideal e acaba ingressando na Ordem fundada por São Norberto, em 1787.

Após períodos fastos, a Abadia de Blanchelande também se ressente da escassez de vocações, neste fim do Século das Luzes, em que o desinteresse da consagração inteira a Deus parece inútil ou obsoleta.

E quando Pierre-Adrien recebe o hábito branco, como primeiro novato desde há uma vintena de anos, não há mais do que nove monges na abadia.

Em junho de 1788 emite os seus votos, sendo designado ao serviço da casa, que está encerrando suas atividades.

Dentro de menos de um ano os Estados Gerais, convocados por Louis XVI, abrir-se-ão em Versalhes, com as conhecidas consequências. O jovem Pierre Adrien começa a sua vida religiosa, um ano antes da tomada da Bastilha e o fim de um mundo.

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Abadia de Blanchelande – França

A revolução francesa e o fim da Abadia de Blanchelande

A partir da primavera de 1789, a máquina da História embala-se, e os acontecimentos sucedem-se muito rapidamente: Estados-Gerais em Versalhes em maio. Em junho, Mirabeau proclama os Estados “Assembleia Nacional” para promulgarem uma nova constituição. Em julho, tomada da Bastilha, símbolo do arbitrário penal.

Mas, a situação econômica desastrosa obriga a preocupação pelas finanças da França. Por sugestão “genial” do arcebispo Talleyrand, em novembro de 1789, é decretado o confisco dos bens do clero: as coletas, as taxas sobre o uso da terra, as doações, e outros recursos tinham tornado o clero do Antigo Regime, em seu conjunto, proprietário de cerca de 1/5 do solo francês – evidentemente, estes bens serviam também à manutenção de milhares de escolas e hospitais, onde se ensinava e onde era tratada a nação, mas os revolucionários tinham necessidade de dinheiro: os bens da Igreja foram nacionalizados e vendidos para cobrir a dívida francesa. A crise não fará mais do que agravar-se, mas enquanto o clero aguarda o desenrolar dos acontecimentos, e já não recebe mais espórtulas, nem benefícios, ele se torna um clero de funcionários públicos, percebendo em troca um salário do Estado.

De qualquer modo, o clero regular, monges e cônegos – sem falar das freiras – parece totalmente inútil à Assembleia Nacional, que vota, a 13 de Fevereiro de 1790, a supressão pura e simples das ordens monásticas.

É posta então a Pierre Adrien e seus companheiros religiosos, a pergunta prevista para eles: querem deixar o mosteiro onde estão — como o decreto que abole os votos o permite — ou preferem continuar a viver em comunidade?

Três, entre os quais o jovem Padre Toulorge, proclamam que querem continuar a viver naquela abadia.

Mas a Assembleia Nacional de forma alguma previu deixar em seus mosteiros os monges que escolhessem continuar fiéis a seus votos, dado que querem vender a estes imóveis para arrecadar dinheiro público. Por conseguinte imaginou para eles “casas de concentração” — é o nome que foi criado — onde serão agrupados, todos os bureis misturados, curioso “campo de concentração” conventual.

Evidentemente, os três monges ficaram decepcionados e não estavam dispostos a aglutinar-se a outros numa casa que não era a deles. Suspendem primeiro a resposta a transmitir e, em seguida deixam Blanchelande, em outubro de 1790, indo cada um para seu lado. Pierre-Adrien acabou vivendo apenas dois anos em sua abadia.

Vai residir na exploração agrícola de um casal amigo, que o acolhe de boa vontade, e permanece lá um ano e meio, discretamente, sem desenvolver seu ministério abertamente.

Não podemos relembrar aqui a história religiosa complicada, dramática, da Revolução Francesa, mas lembramos de que no verão de 1790 foi votada a “Constituição civil do clero”, que constituiu um clero paroquial de funcionários, que previa – sem que o Papa tivesse uma palavra a dizer – a eleição dos bispos pelo povo, e também a eleição das paróquias importantes, pedindo a este clero pago pelo Estado que lhe jurasse fidelidade. O rei foi obrigado assinar esta constituição. Além do mais, ficou-se muito, muito tempo infelizmente – esperando pela reação do Papa Pio VI. Os bispos tergiversaram, pois não eram favoráveis. A Assembleia se impacientou, e decretou que todos os bispos e curas deviam efetuar o juramento dentro de oito dias. Foi o cisma! Porque aquilo deu em dois cleros: os padres juramentados, e os outros, os refratários. Havia também todos os que esperaram a decisão do Papa, e quando ela veio, muito negativa, em Março de 1791, muitos dos padres suspenderam seu juramento, por fidelidade à Santa Sé. A ruptura ficou consumida entre a Religião Católica e a Revolução. Mas, cinco dentre os 130 bispos que prestaram o juramento, já tinham se encarregado de consagrar 60 bispos do novo tipo, eleitos pelo povo, e, por conseguinte cismáticos: a Igreja constitucional estava constituída.

O exílio

É neste contexto que a situação dos outros padres, não juramentados, torna-se cada vez mais difícil. Uma lei de Agosto de 1792 condena à deportação todos os eclesiásticos funcionários públicos que ainda não prestaram juramento. E aí, Pierre-Adrien sente o perigo. Primeiro, porque percebe que seus anfitriões, como também outros numerosos proprietários, querem salvar sua cabeça, e se preparam para emigrar; assim deve deixá-los.

Pierre-Adrien fica transtornado; não quer prestar o juramento ímpio (e jamais o fará). Decide então deixar a França e emigrar para as Ilhas Jersey, de domínio inglês, à espera de dias melhores. Não encontra nenhuma dificuldade, pois as autoridades do litoral receberam uma instrução oficial para favorecer a partida dos padres. Embarca, por conseguinte, com dois de seus amigos padres em meados de Setembro de 1792.

Evidentemente, comete um erro de apreciação, porque não é visado por esta lei; dado que não era funcionário público, ele não tinha de prestar o juramento, e não podia ser removido. Mas ninguém lhe falou disso quando ia embarcar. Os oficiais municipais deveriam ter-lhe assinalado e teria podido dar-se conta da confusão, que ia ser-lhe fatal.

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Hoje poderia parecer demasiado simples. Mas, a realidade é que a situação era tão tensa e perturbada, naquele então, que todos perderam seu sangue frio.

Recordo que alguns dias antes, em 10 de Agosto, dera-se a tomada do Palácio das Tulherias e o aprisionamento do rei na prisão do Templo. A 21 de Setembro, a República é proclamada e o processo de Louis XVI vai começar. A França antiga está convulsionada. O grande empreendimento revolucionário de descristianização, que será oficializada pelos decretos do Terror, em 1793 já começaram.

É necessário recordar ainda que no início de Setembro, alguns dias antes que Pierre-Adrien embarcasse, um pavoroso massacre de padres teve lugar em Paris, na prisão dos Carmelitas: 116 padres são assassinados numa só noite.

Ante esta carnificina, cujo eco espalha-se por toda a parte, o clero francês entra em pânico, sem rumo. É necessário realçar que dos 130.000 padres havidos na França então, 100.000 não prestaram o juramento. Vão ser massacrados? Então, dá-se uma emigração maciça. Uns 664 padres da diocese de Coutances deixam o território francês, durante este mês de Setembro, para a Inglaterra, especialmente Jersey e Aurigny. A Inglaterra foi dos países da Europa mais acolhedor para com os padres emigrados franceses: mais de 10.000 ao todo. Por conseguinte não é surpreendente que Pierre-Adrien Toulorge tivesse também emigrado nesta debandada generalizada. Apenas chegado em Jersey, perplexo e desocupado fala com seus correligionários, e compreende que teria podido permanecer na França sem estar preocupado. Pensa que é melhor retornar do que permanecer em Jersey sem fazer nada, tanto mais quanto as queixas dos fiéis que se consideram abandonados, chegam a Jersey e comovem os padres emigrados. Pierre-Adrien pensa que quanto menos sua ausência terá sido longa, mais tem possibilidade de passar despercebida. Então, na primeira ocasião, retoma o caminho da França. Mas, alguns dias após o seu regresso sobre o solo nacional, uma nova lei decreta o desterro perpétuo dos emigrados e a obrigação dos emigrados retornados à França de sair da República num prazo de quinze dias. Pierre-Adrien fica perturbado; será necessário repartir para a Inglaterra? Decide permanecer no seu país, e esconder-se interior adentro.

Fugitivo

Durante nove meses, perdemos o vestígio de Pierre-Adrien. Passa de casa em casa, viajando à noite, alterando frequentemente os tipos de disfarces. Os clubes republicanos sabem da atividade clandestina destes padres fugidios que celebram missas, batismos e casamentos escondidos nas casas ou clareiras de florestas. Mas, o Comitê de Salvação Pública, em Paris ordena aos cidadãos denunciar estes padres antipatriotas.

A detenção

Toulorge e os seus confrades fugitivos não ousam mais pedir hospitalidade, por medo de serem traídos. Na noite de 2 de Setembro de 1793, Pierre-Adrien, extenuado, transido de frio, deitado num fosso, vê passar uma mulher, para-a, pede-lhe socorro e lhe confessa sua condição sacerdotal. Esta confessa que também é religiosa: “irmã Santa Paula”, antiga beneditina expulsa do Priorado de Varenguebec, refugiado na sua família. Mas ela não pode esconder Pierre-Adrien; é demasiado perigoso para os seus. Para enganar o inimigo, ela lhe fornece trajes civis comuns. Mas, a aparência de Pierre-Adrien pareceu suspeita a dois trabalhadores que cruzam com ele. Estes previnem a guarda nacional. E logo ele é preso.

O processo

Pierre-Adrien responde a um interrogatório apertado, mas omite caritativa e prudentemente o nome das pessoas que o acolheram. Declara que efetivamente não prestou o juramento e que agora sabe que não tinha de fazê-lo. Conta tudo, menos um detalhe: não fala da sua emigração em Jersey.

Vê-se forçado a improvisar: informou-se, e viu que a lei não o obrigava a sair da França, por conseguinte não saiu… Pierre-Adrien Toulorge mente.

O presidente da banca quereria sobretudo provar, porque o terreno parece-lhe mais certo, que Pierre-Adrien exerceu ministério clandestino, que o réu quis favorecer “os progressos do fanatismo religioso”.

A noite vem, e Pierre-Adrien assina a ata das suas mentiras.

Depois, não tem mais paz de alma. Durante seu interrogatório, entrelaçou habilmente a verdade e a falsidade, mas sofre de ter mentido, porque tinha medo. Um padre de Jesus Cristo pode salvar sua vida com mentiras? É necessário mentir para salvar a vida, ou deve-se morrer pela verdade? Se perseverar em seus acordos de homem medroso, e se sair, nunca mais poderá ler honestamente, no Evangelho de São João, as palavras de Jesus: A verdade tornar-vos-á livre.

Então, neste dia da festa da Natividade da Virgem, a Graça divina age no seu coração e o faz passar, num instante, do medo à coragem, a coragem do mártir que põe sua vida em jogo por força destas leis perversas, dirigidas contra a Igreja católica e os padres. Do fundo da sua prisão comunica ao procurador que tem uma declaração a acrescentar, e muito simplesmente, virtuosamente, na frente do magistrado, o irmão Pierre-Adrien conta a história, a verdadeira história.

A sentença e a morte

A carreta que o leva põe-se a caminho para Coutances a 8 de Setembro à noite. Neste dia precisamente a cidade está comemorando a chegada de Paris do deputado montanhês Le Carpentier, filho nativo da região: um fracassado do Antigo Regime, a quem a Revolução forneceu a ocasião de uma vingança cruel sobre a aristocracia e a religião.
Carpentier, a quem o ódio servia de eloquência, ilustrou-se pela sua virulência no processo de Louis XVI. Este exasperado membro da Convenção vai permanecer seis semanas em Coutances, procedendo, a partir da noite da sua chegada, a execuções numerosas, entre as quais a célebre de uma mãe de 13 filhos, o que lhe valeu para sempre o apelido de carrasco.

É durante o auge desta depuração de supostos antipatriotas, que Pierre-Adrien Toulorge compareceu a julgamento.
O religioso responde corajosamente, a tudo.

Emigrou, conforme sua própria confissão, mas fê-lo devido a uma falsa interpretação da lei, dado que não tinha nenhum juramento a pronunciar, não sendo funcionário público.

O padre Toulorge recusa-se à fraude: mantém suas declarações.

A sentença final condena Pierre-Adrien Toulorge à pena de morte. Em meio a um silêncio impressionante ouve-se a voz serena de Pierre-Adrien que pronuncia distintamente as palavras: Deo Gratias!

O Premonstratense prossegue: Que a vontade de Deus seja feita e não a minha! Adeus, Senhores, até a eternidade, se forem dignos dela. Uma testemunha notou que em seu rosto transparecia realmente alegria.

No calabouço, a Irmã Santa Paula e seus companheiros de infortúnio interrogam-no. Pierre-Adrien é brilhante: Boas notícias, diz, o meu processo foi julgado em meu favor. Quando conhecem o veredicto, a alegria cede lugar à dor, a irmã São Paula se desfaz em lágrimas. Pierre-Adrien repreende-a com viva voz: senhora, as lágrimas que espalha são indignas de vós e de mim. “Que dirão as pessoas do mundo, ao saberem que, tendo renunciado ao mundo, temos pena em deixá-lo?”

À noite, Pierre-Adrien janta com bom apetite, confessa-se, e encontra força de escrever ao seu irmão e aos amigos três admiráveis cartas, que conservamos.

Eis um extrato: meu caro amigo, anuncio-vos uma muito feliz notícia. Acaba de ser proclamada minha sentença de morte, ante a qual, de acordo com santo Cipriano, respondi “Deo gratias”.

Amanhã, às duas horas, deixarei esta terra, para ir ao céu gozar da presença de Deus, da minha Igreja. Infeliz pecador que sou, como posso ter a felicidade de ser coroado mártir? Confesso a Deus ser muito indigno de tal favor. Mas, o que digo eu? Este é o destino dos que têm a felicidade de terem permanecido fiéis à fé Católica, Apostólica, Romana, à qual, pela graça de Deus, sou extremamente unido.

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Sepultura de Pedro-Adriano
(Coutances – França)

Ao seu irmão, escreve: Congratule-se meu irmão, amanhã terás um protetor no céu, se Deus, como espero, sustentar-me como tem feito até agora; em 12 de Outubro de 1793, véspera do meu martírio.

No dia seguinte, Pierre-Adrien levanta-se com alegria, e reza seu breviário. Na hora das vésperas e completas ao chegar à estrofe “Ó, quando brilhar o teu dia que não conhece declínio” interrompe muito feliz: Meus amigos, diz, cantarei cedo este cântico no céu…

Chegou a hora. Um destacamento de regimento leva-o até o local do suplício. A guilhotina foi erguida na praça onde é realizada normalmente a feira de animais.

Diante de uma multidão muda de emoção, o jovem padre é conduzido ao pé do cadafalso. Diz apenas estas palavras do responsório das Completas: “entre vossas mãos, ó Meu Deus, entrego minha alma”. Peço-vos pelo reestabelecimento e conservação da vossa Santa Igreja. Perdoai, peço-vos, aos meus inimigos.

Às quatro horas e meia, o carrasco mostra à multidão a cabeça ensanguentada do Pe. Pierre-Adrien. Uma liturgia começa no céu. E um carro leva o corpo do jovem mártir ao cemitério Saint-Pierre.

Um santo mártir para o século XXI

Quero evocar três pontos entre outros, a propósito deste acontecimento. Primeiro, aquilo que me toca, é que apesar da distância histórica, o que pode tornar-nos Pierre Adrien particularmente próximo, é o seu caminho humanitário e também de pecado.

A santidade nem sempre é a perfeição percorrida em linha reta, e ao longo de todo o percurso da vida, sem nenhuma falta, feita tão somente de virtude e coragem. Este jovem padre teve um lado idealista, mas foi um tanto ultrapassado pelos acontecimentos. Suponho que era muito generoso, mas talvez não completamente seguro.

Ordenado padre nestes anos de 1780, escolheu, imediatamente depois da ordenação, viver a consagração religiosa numa vida canônica, comunitária. Tinha-se dado conta que não poderia viver sozinho, em meio de um povoado, uma vida sacerdotal digna, de oração, equilibrada? O seu desejo de responder totalmente ao chamado de Deus devia ser protegido por uma vida litúrgica e fraternal cujo quadro e ritmos evitar-lhe-iam tentações e solidão?

Isto permanece um mistério; em todo caso, para mim não é certo que tenha encontrado este quadro desejado. A Revolução, fechando os mosteiros e lançando os religiosos nas estradas do século, condenou-o a enfrentar sozinho um destino de padre em perigo de morte.

Durante a tormenta revolucionária, Pierre-Adrien não é um herói do primeiro momento.

É, de início, um padre completamente perdido e amedrontado, alguém que foge, que se esconde, e que mente aos juízes; é um religioso desamparado e confrontado a situações humanas demasiadamente complexas, ao desencadeamento de um ódio social que o aterroriza.

A vida do Pe. Pierre-Adrien faz-me pensar nos cristãos e nos padres de hoje, que vivem sob o medo, àqueles que a fé ou o sacerdócio põem em perigo de morte: Nas Filipinas, em certos estados da Índia, do Paquistão, do Siri Lanca, na Coreia do Norte, no Egito, no Iraque, na Síria – a lista é longa. Penso nos 130 cristãos da Nigéria assassinados em Novembro último pelo grupo ativista muçulmano Boko haram, que decidiu “limpar” (a palavra faz fremir) os Estados do Norte do país de qualquer presença cristã. Penso em Pierre-Adrien na sua floresta de Neumesnil, e penso que, eu também teria tido medo.

Evoquei várias vezes a mentira de Pierre-Adrien amedrontado. Como é bonita, esta luta entre a carne e o espírito, entre um homem que quer sair do perigo e um padre a quem a Graça dá finalmente a coragem de testemunhar a verdade.

O que é bonito, sobretudo, é que o Padre Pierre-Adrien diz e repete que as forças humanas não são capazes, por si mesmas, enquanto únicas, de vencer o inimigo. A mentira de Pierre-Adrien, é a “felix culpa”, a brecha na sua vida de religioso, a brecha pela qual se precipita a Graça.

Útil lição à maneira de São Paulo para nós: É quando me sinto e compreendo que sou fraco, que posso acolher a força que vem de Deus.

Assim, o que encontro realmente de tocante e interessante nesta figura de Pierre-Adrien, é a coerência progressiva que vai tomando sua vida: jovem cristão, depois padre, posteriormente religioso, seguidamente mártir. Ele mesmo estabelece a relação entre estas diferentes fases da sua vida. Fá-lo, por exemplo, quando se contrapõe na prisão às lágrimas da irmã Santa Paula. Renunciamos ao mundo, diz, significando com isto, aos valores do mundo, que convidam a aparecer na cena da vida, não se comprometer, salvar a própria pele.

Entretanto, não é o que ele prometeu quando fez os votos entre as mãos do prior da Abadia de Blanchelande naquele dia: renuncio ao mundo. E este seu martírio, imprevisível naquele dia acabou sendo a consumação e a realização desta renúncia.

Quando for velho, estenderás as mãos, outro te cingirá e te levarás para onde não quererias ir (Jo 21).

O Padre Pierre-Adrien teve consciência – isto fica muito claro, muito impressionante, na segunda carta escrita à noite na véspera de sua morte – do valor de seu martírio. Compreende que foi tomado pela graça para testemunhar algo de muito maior e importante do que a sua própria vida. É do Evangelho e da Igreja que se trata. De maneira muito tocante, em uma passagem da carta dirige-se à Virgem Maria, e lhe diz: Ó Mãe dos cristãos, só Vós tendes o direito de apresentar crianças no Céu; que alegria poder ter permanecido em vossa santa casa durante esta furiosa tempestade.

Esta “santa casa”, não é o mundo que o cerca; também não é a calma do claustro do qual foi expulso, “a casa”, é a Igreja. Pierre-Adrien morre na Igreja, ele morre em casa.

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Mas ao mesmo tempo, nenhuma vaidade; conhece-se demasiado a si mesmo. Fica até mesmo estupefato por ter sido escolhido, de ter sido julgado digno de confessar a Cristo. Escreve: Como pode ter-se dado que, pecador que sou, tenha tido a felicidade de ser coroado mártir?

Parece-me que as referências de São Paulo em sua segunda carta aos Coríntios, respondem à pergunta de Pierre-Adrien, que é também a nossa pergunta, a nós cristãos de 2011.

Levamos o nosso tesouro, diz São Paulo, em vasos de argila. A história do jovem Pierre-Adrien é a história de um pequeno vaso de argila, se comovendo em sua fragilidade, um vaso quebrado por uma fúria ímpia. Mas, ele guardou seu tesouro. E esta alegria, que todos os que testemunharam seu processo constataram, é a alegria dos eleitos; aquela de que fala Jesus, que assoprou aos ouvidos de Pierre-Adrien, naquela tarde de Outono de 1793, aos pés do cadafalso: “Fizestes bem, servo bom e fiel, entra na alegria do teu mestre”.

Tais foram os rasgos de alma do Bem-aventurado Pierre-Adrien Tourloge.

Por Guy de Ridder.

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