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Pensamentos subversivos

Sempre julguei ser uma pessoa “normal”. Não roubo, não mato e procuro fazer o bem, o que para a maioria das pessoas equivale ao status de “gente boa”, correta, honesta, bom companheiro, ordeiro, cumpridor das normas e dos seus deveres para com a sociedade. Mas hoje, me tiraram do sério. E – Deus me perdoe! – confesso ter tido pensamentos ruins, maldosos; não propriamente assassinos, mas… subversivos.

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Sendo um dia chuvoso, São Paulo estava cinza de névoas. Chuva fininha, calma e silenciosa. Visibilidade reduzida, que inspirava aconchego. Por medo de multas ou de derrapadas, os carros iam lento. Tudo muito tranqüilo, convidando à serenidade. E eu, me deixando levar pelo ambiente, pensando na vida. Até chegar ao semáforo.

Por fazer todos os dias o mesmo caminho, já estou acostumado a filas imensas que se empilham no farol vermelho. Isto, em dia de bom tempo; nem se diga debaixo da chuva. E me preparava, resignado, a aguentar minha dose diária de penitência. Para piorar a situação, e talvez por causa das tempestades da madrugada, nenhum farol funcionava: tudo no amarelo piscando; pensei: “é hoje”…! Pode calcular a bagunça que vai dar isto no cruzamento? Sem contar as brigas…

Surpresa. Nada de filas. Nada de pilhas. Nada de brigas. Todo o pessoal tranqüilo; os carros se cruzavam lentamente, suavemente, como numa dança; uns deixavam passar os outros, piscadinha de farol de cá, mão agradecendo de lá… Uma manteiga… Quase não era preciso pôr o pé no freio. Não vi um só carro imobilizado, tudo correndo facilmente… e pensei: “afinal, p’ra quê o farol?! Não era muito melhor sem?” E imediatamente me lembrei que, recentemente, a Prefeitura inventou de colocar quatro semáforos novos, um atrás do outro numa mesma rua, como solução idiota para um problema que nunca existiu.

E, infelizmente, me pus a divagar… e a pensar mal. A pensar num mundo sem faróis. Um mundo sem leis de trânsito incômodas. Um mundo, quem sabe até, sem Prefeitura idiota. Sem polícia, sem normas para cumprir. Um mundo ideal, um mundo sem governo. Um mundo mais comprazível e até mesmo talvez, talvez… um mundo sem leis e… Alguém buzinou atrás: sobressaltado, vi que a pista à minha frente estava livre.

Voltando a mim mesmo, no meu carro e no meio da rua, não conseguia acreditar: “Meu Deus! Eu, pensando nestas coisas…?! Que me aconteceu?” E tentei fazer o fio, encontrar por onde me tinha perdido. Talvez tenha encontrado, talvez não, mas te deixo aqui, caro leitor, uma observação: toda hipertrofia excessiva conduz, na busca desenfreada de uma oposição de equilíbrio, à total atrofia.

Vivemos num mundo de leis cada vez mais estapafúrdias e restritivas, que reduzem a cada instante o legítimo espaço mínimo de liberdade ao qual todo ser humano tem direito. A estas, nos vamos acostumando docilmente, imperceptivelmente, indiferentemente. E nos vamos encolhendo de bom grado, sem prestar atenção ao que está se gestando no nosso interior.

Isto prepara reações psicológicas inesperadas que, a qualquer momento, podem destapar-se de uma vez numa explosão de ânsias, sentimentos e energias em estado de ebulição e confusão irracional, capazes de transformar num instante pessoas “normais” em anarquistas, devastadores sem motivo, sedentos de destruição sem saber porquê, sem serem capazes sequer de explicarem-se a si mesmos o que lhes está acontecendo. Quando acordarem da sua alucinação, terão diante de si todo um mundo para reconstruir do zero… se ainda mundo houver

Zoroastro de Castro Nobre

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