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Entrevista: Dom Cláudio Maria Celli, presidente do Pontifício Conselho das Comunicações Sociais

Cidade do Vaticano (Quinta-feira, 20-05-2010, Gaudium Press) Logo após a celebração do Dia Mundial das Comunicações Sociais, no último domingo, Gaudium Press conversou com o presidente do Pontifício Conselho das Comunicações Sociais, Dom Cláudio Maria Celli, sobre a importância do comunicação e das ferramentais digitais para a Igreja atualmente.

Na pauta da entrevista exclusiva, também os desafios para fomentar a comunicação eclesial em diferentes países, a resposta da Igreja no caso dos escândalos de abuso sexual e reflexões sobre o Ano Sacerdotal.

1. O tema do 44° Dia Mundial das Comunicações Sociais é “O sacerdote e a pastoral no mundo digital: a nova mídia a serviço da Palavra”. Qual é a mensagem principal que o Papa e a Igreja Católica querem transmitir ao mundo com esta celebração?

Dom Celli – A mensagem é dirigida não somente aos sacerdotes, mas aos irmãos e irmãs. É importante dizer que todos devemos ter consciência de que devemos exercer uma diaconia de cultura no mundo digital. Eu creio que isto seja o principal desafio, ou mais um novo desafio, que as novas tecnologias impõem à Igreja. As novas tecnologias dão origem a uma nova cultura e a Igreja tem a missão de dialogar respeitosamente com esta cultura. Ao mesmo tempo, tem sua missão justamente nessa diaconia particular de anunciar a Palavra. A Igreja é constituída e é enviada como anúncio principal da Palavra. É uma de suas missões principais. A Igreja, em todos os seus componentes, os pastores, os bispos, os sacerdotes, os leigos. Esta diaconia é administrada por quem está presente no mundo da cultura digital e por quem trabalha, de maneira particular, no campo da comunicação, os leigos e também os sacerdotes. Depois, o Papa na sua mensagem proprõe, junto ao Ano Sacerdotal, uma referência particular aos sacerdotes. Não que todos os sacerdotes tenham que desenvolver um serviço especial no campo das novas tecnologias, no campo da cultura digital. Mas todos devem perceber que em seu ministério pastoral deve haver uma atenção particular ao mundo da comunicação.

Portanto, para mim a mensagem sublinha duas coisas como prioridades muito importantes. Primeiro, nos lembra esta missão na cultura digital. E depois, o Papa faz uma referência e espera e deseja que nos grandes cruzamentos das estradas do mundo cibernético exista um espaço para Deus. Os homens percorrem estas grandes estradas do mundo digital. Eis aí, nós temos uma consciência de que Deus enviou o Seu Filho. Seu Filho se fez carne. Ou, como diz o texto grego original do Apóstolo João, “pôs sua tenda entre nós”. Eu creio que nossa função, nossa missão, o desafio que aceitamos, deva fazer com que essa tenda do Filho de Deus, feito homem entre nós, encontre também um ponto de referência dos grandes cruzamentos dos caminhos cibernéticos, as vias da comunicação. A Igreja respira plenamente, não se limita somente àquilo que o seu mundo católico ou o mundo da inspiração cristã respiram, mas se dirige a todos os homens. E eu diria justamente que nunca, como hoje, as novas tecnologias fazem perceber o sentido, a abertura, a dimensão e a globalização. Justo esse sentido de grande abertura.

Diria que o Papa nos convida todos a sabermos estar presentes. Eu amo ver que a Igreja não está aqui para julgar e prejulgar, condenar. Todos nós sabemos os limites do mundo digital. Diria que infelizmente o mundo digital às vezes é utilizado não para as verdadeiras dimensões humanas. Mas diria que não respeitam a dignidade do homem. Então, nós somos chamados a este mundo digital para estarmos presentes, para fazermos ressoar certos valores, para fazermos despertar aquela grande nostalgia de Deus no homem de hoje. A nostalgia de Deus do homem que experimenta somente a sua solidão, as suas dificuldades, às vezes até mesmo o desespero. Creio que a Igreja tenha que se aproximar a isto com respeito, em uma atitude de diálogo, de acolhimento. Eu acho que a Igreja no mundo digital deve enfrentar estes desafios, e depois, lembrando a todos os homens que encontra e que se expõem a estes caminhos do mundo digital que Deus é amor e que ama apaixonadamente o homem.

2. O senhor recentemente esteve em diversas partes do mundo, como Brasil e Bangladesh. Desta vasta e diversa experiência, pode dizer quais são os maiores desafios para os sacerdotes no uso da mídia digital na pastoral?

Dom Celli – Então, eu estive recentemente no Brasil para o grande mutirão da comunicação, com as pessoas de toda a América Latina. Quando verdadeiramente foram tocados temas profundíssimos. Há setores da América Latina que ainda não têm pleno acesso a todo o mundo da internet. Isto para nós é importante dizer e importante descobrir. Há a questão da dignidade dos homens. Em Porto Alegre, se falou muito sobre isto. Falou-se sobre toda a problemática humana, ligada a este setor. Assim como se falou das problemáticas religiosas também relacionadas a este setor.

Depois, estive na Índia. Na Índia fui convidado pela Conferência Episcopal e trabalhamos quase dois dias com todos os responsáveis pelas comunicações das várias conferências regionais. Devo dizer que foi muito interessante porque foi a primeira vez que a comissão episcopal para as comunicações sociais publicou três volumes para a formação de futuros sacerdotes. O Papa fala deste tema na sua mensagem quando diz que os futuros sacerdotes devem ser preparados à comunicação. Não para utilizar os meios de comunicação, mas à comunicação. Eu ressalto com muito prazer que a Conferência episcopal indiana é a primeira que publica volumes para a formação dos futuros sacerdotes.

Em seguida, estive em Bangladesh. Em Bangladesh a situação é completamente diferente porque ali predomina ainda o “digital divide”. Ainda é ,em um certo sentido, mais difícil falar de novas tecnologias. Porque ali o acesso à internet não é coisa simples. Aliás, é bastante difícil. Porém ali, também encontrei um grande desejo de comunicar. Comunica-se com as possibilidades que se tem à disposição, com algumas tecnologias, não certamente novas. Mas eu apreciei o desejo, o empenho, a dimensão. Gostei muito. Mesmo que eu diga que ainda seja uma Igreja que não faz referência ou não utiliza ainda as grandes e novas tecnologias porque não as tem à disposição.

Futuramente, tenho programadas duas viagens. Uma no início de junho nos Estados Unidos. Haverá uma grande convenção dos comunicadores dos Estados Unidos e do Canadá. Então teremos, dois, três dias de trabalho. Depois irei à Colômbia para um outro encontro com o Celam, uma Conferência espiscopal para uma comissão para a comunicação social. E depois, encontrarei com os grupos de professores universitários provenientes de 89 universidades de vários países latino-americanos que estão fazendo uma pesquisa científica universitária sobre o influxo de novas tecnologias sobre a cultura do homem de hoje. Muito interessante, porque se fala muito de cultura digital. É interessante ter universidades que aprofundam uma pesquisa mirada ao tema do influxo das novas tecnologias sobre a cultura de hoje.

Depois disso, no final de junho estarei em Málaga para um encontro com as comissões episcopais para as comunicações sociais da Espanha e Portugal. E será muito interessante. Portanto, é interessante esse andar pelo mundo e ver a realidade da Igreja. Nos damos conta que a Igreja se move com várias velocidades no campo da comunicação. Temos os setores da Igreja que mudam mais lentamente, até mesmo porque não lhes é permitido o recurso às novas tecnologias e outras. Por sua vez, são realidades eclesiais ligadas aos países super desenvolvidos e que, logicamente, no mundo da comunicação viajam com a mesma velocidade.

3. Durante a coletiva para a imprensa em janeiro o senhor notou a necessidade de superar a mentalidade paroquial. O que se deve mudar nas atividades pastorais no uso da mídia digital?

Dom Celli – É verdade. Eu citei o título de um livro de Yves Congar “A minha paróquia é um vasto mundo”. Eu creio que este seja o ritmo da respiração do sacerdócio. Nós somos instrumentos do reino, mesmo que ligados a uma dimensão muito particular. Eu diria que o sacerdote deve se habituar a respirar a plenos pulmões. Mas diria que não só o sacerdote, mas também o leigo. Veja, nós nos aproximamos dos grandes mistérios da Igreja, com suas grandezas, com suas perspectivas, porque são o mistério do Cristo. Então eu me devo habituar a respirar plenamente. A Igreja, à primeira vista, é cheia de contradições, proclama patrono das missões uma religiosa carmelitana de clausura que morreu aos 24 anos e que nunca colocou os pés em uma missão. O sacerdote é principalmente ligado a uma missão que lhe é confiada concretamente pela Igreja. Mas seu espírito, a sua dimensão, por exemplo, é uma dimensão da Igreja Católica universal. Hoje, temos as novas tecnologias. Isto nos dá a possibilidade de poder dar algo de concreto também a este sentido de universalidade. Eu acho que os sacerdotes devem encontrar inspiração nesta mensagem do Papa para respirar sempre mais amplamente universalidade. Somos instrumentos do reino de Deus.

4. Alguns jornais criticaram a Santa Sé no contexto dos escândalos sobre a pedofilia, sobre a falta de liderança. Padre Lombardi disse que agora “é tempo da verdade, de transparência e de credibilidade” e que o segredo e “a reserva não são valores que estão na moda”. Em sua opinião, como a Igreja deveria reagir nas situações de crise?

Dom Celli – Sim, eu compartilho estas afirmações do Padre Lombardi. A Igreja neste campo não vive a cultura do segredo. Creio que neste setor, particularmente, deva existir clareza, transparência. São aquelas linhas que o Papa nos indicou na sua Carta para a Igreja na Irlanda. Eu creio que aquela seja uma grande inspiração para todos nós. Creio que neste setor, nosso caminho seja marcado e iluminado pelas palavras e indicações que o Papa nos deu nesta Carta. Ao mesmo tempo eu digo isto, devo sempre ser consciente que este é um momento difícil, que causa grande sofrimento para as vítimas.

Porém, digo que a Igreja não é somente como neste momento. Sinto muito quando abro os dossiês da mídia e quando falam da Igreja, falam somente deste problema. Eu creio que seja uma leitura muito parcial. Eu creio que a Igreja não seja somente isto. A Igreja anuncia o bem e a concretidade do bem. Então, olho ao meu redor, este aspecto é de grande sofrimento, não há dúvida. Mas depois, olho também outras realidades, que são de uma profunda consolação. A Igreja lembra continuamente a ela mesma que seus membros são pecadores, que pedem cotidianamente perdão ao Senhor. Às vezes, somos acostumados a dizer certas fórmulas sem perceber a importância e o conteúdo. Nós que todas as manhãs rezamos a missa pedimos perdão ao Senhor porque “tenho pecado muito”. Não pecado pouco, mas muito”! Em pensamentos, obras e palavras. E isto é o grande mistério da Igreja. Eu creio na Igreja “santa, católica e apostólica”, e também seus membros são pecadores que precisam todos os dias serem perdoados por Deus. Porém a Igreja é também o corpo do Senhor que é presente entre nós. E nós pertencemos a ele. E ainda uma dimensão profunda do já e não ainda. De um lado o sofrimento de certas situações e do outro a consolação em ver que a Igreja não é somente isto. E isto me deve ajudar a olhar para frente, com muita esperança.

Eu reconheço que a Igreja,assim como a Santa Sé, tenha que procurar adequar cada vez mais profundamente a sua comunicação aos verdadeiros conteúdos, também das linguagens particularmente. Nós, às vezes, temos que ter uma linguagem que deve ser percebida, entendida pelos homens das ruas. Isto tudo é o caminho nas grandes conversões, mudanças. Ver como fazê-lo, mas é um tema que para mim é muito forte. O tema das linguagens será o tema que aprofundaremos no Pontifício Conselho depois, no ano que vem. Porque para nós comunicar significa verdadeiramente ter uma linguagem comum.

5. O Ano Sacerdotal está quase se concluindo. Pode-se já fazer um balanço de como tenha influenciado a mídia no mundo?

Dom Celli – Eu vejo que este balanço somente o Senhor poderá fazê-lo. Por que? Porque muitas vezes a fidelidade, a dedicação de um sacerdote que veio a crescer neste Ano Sacerdotal, somente o Senhor poderá vê-lo. Certo é que a Igreja viu neste mundo os momentos fortes da espiritualidade sacerdotal. Isto será um grande bem, porque se rezou, se adorou, houve também a conversão para o bem da Igreja. Creio que este ano tenha feito bem à Igreja como um ano em que a Igreja sofreu seriamente pelos seus sacerdotes, por um pequeno número deles. Eu penso que devemos agradecer ao Senhor por este Ano Sacerdotal. O Senhor renovará nossos corações.

Gaudium Press / Anna Artymiak

 

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