No caso da Ucrânia, Papa não joga como peão, mas como rainha
Se o Papa representa uma preocupação para Putin, para Trump, ele também é alguém que não pode ser ignorado em questões de geopolítica.
Redação (18/12/2025 08:48, Gaudium Press) A voz de Maurizio Molinari, analista e ex-diretor de La Stampa e La Repubblica, sempre é ouvida com interesse na Itália. Por isso, chama atenção o fato de o jornalista ter declarado recentemente que, para uma visão religiosa putinista — ancorada na ideia de que o verdadeiro cristianismo é o russo —, o grande problema vem do Vaticano:
“A única coisa que deu errado para Putin nos últimos meses foi a eleição do Papa Leão XIV. Porque o Papa Leão XIV foge desse esquema. É um Papa americano, de Chicago, inclusivo, e relança o catolicismo, isto é, a Igreja do Ocidente.”
“Acho que hoje a maior preocupação para Putin vem do Vaticano”, afirmou Molinari. Mas, afinal, trata-se apenas da opinião de Molinari.
De qualquer forma, na resolução do “caso Ucrânia” — que talvez seja melhor definido como o “caso Oriente-Ocidente” —, o Papa não é uma figura dispensável, mas um ator central.
Não é de pouca importância que tenha sido um Papa americano quem disse a Trump que “buscar um acordo de paz sem incluir a Europa nas negociações não é realista. A guerra está na Europa e acho que… a Europa deve ter um papel”, conforme afirmou o Pontífice após o encontro recente com o presidente ucraniano em Roma. Com essa frase simples, o Papa Prevost assumiu a defesa de uma Europa que se recusa a ser ignorada, nem mesmo pela grande potência americana. Se o Papa representa uma preocupação para Putin, para Trump, ele também é alguém que não pode ser ignorado em questões de geopolítica.
“Informei o Papa sobre os esforços diplomáticos com os Estados Unidos para alcançar a paz”, declarou Zelensky após o encontro com Leão XIV, no último dia 9. Certamente, o Papa Prevost também terá dito a Zelensky que o tema não se resume a EUA, Rússia e Ucrânia, mas que a Europa — mesmo com suas dificuldades de todo tipo, inclusive de ordem moral — não pode ser desconsiderada. Ou seja, Zelensky também não pode pensar apenas em Trump; precisa contar com o americano, mas aquele vestido de branco.
Além disso, ao contrário de Francisco, Leão XIV mantém uma relação privilegiada com Kirill, chefe da Igreja Ortodoxa Russa. Portanto, incluir o Papa Prevost no tabuleiro significa contar com um canal de comunicação aberto com aquele de quem Putin busca se legitimar como novo czar ou novo Carlos Magno.
Vemos, assim, que — embora não se saiba ao certo quantas divisas possui o Papa, como Stalin um dia perguntou ironicamente —, aquele de batina branca tem muito poder, mesmo descontando a força das legiões angélicas.
Em todo caso, é claro que o mundo deseja uma solução rápida para o conflito, e um certo desgaste já parece jogar contra os desejos ucranianos de ceder o mínimo possível à Rússia. Mas é verdade também que o desgaste não é só do Ocidente: surgem muitas notícias sobre o esgotamento russo, tanto econômico quanto em efetivos militares.
Os cenários são múltiplos, mas em qualquer deles o Papa joga como rainha, não como peão.
Por exemplo, projetando um futuro a curto e médio prazo, assim descreve o quadro Alberto Maggi no Affaritaliani: “Resta definir o número de militares que a Ucrânia poderá ter e como garantir a segurança na zona intermediária entre os territórios cedidos à Rússia e aqueles que ainda estão formalmente nas mãos de Zelensky, mas que terão um status internacional especial com forças de vários países, talvez até da Itália, para manter o status quo. Não uma paz verdadeira, mas uma trégua, um cessar-fogo que consolide as fronteiras, seguindo o modelo da Coreia do Norte e da Coreia do Sul. Nesse sentido, o papel do Papa é fundamental para pressionar o patriarca russo Kirill a convencer Putin a parar os ataques e aceitar um acordo; que certamente não será o melhor para Moscou, mas garantirá à Rússia o que ela queria, uma parte da Ucrânia que, de fato, é cultural e historicamente russa.
Enquanto isso, mesmo a concretização de um acordo nas hipóteses acima não permite abandonar as preocupações. O noticiário internacional recente já repete as palavras do primeiro-ministro finlandês, de que, se houver acordo na Ucrânia, a Rússia deslocaria suas tropas para a Finlândia. Ou as declarações recentes de um alto funcionário europeu, no sentido de que a Rússia não pretende parar.
Mas se os líderes europeus já mantinham viva a desconfiança, Putin lhes deu mais combustível ao usar um linguajar incomum para ele, chamando os líderes europeus de “porquinhos” que freiam “as iniciativas de paz”, e ameaçando tomar mais território ucraniano se Kiev e a Europa não cederem às suas exigências — basicamente, manter os territórios capturados ou anexados, reduzir o Exército ucraniano e garantir que a Ucrânia nunca entre na Otan. Ademais, ele anunciou que um novo míssil hipersônico entrará em serviço nas Forças Armadas antes do final do ano para garantir a paridade estratégica na posição de segurança global da Rússia.
Nesse clima, parece que a chave da paz está nas mãos de poucos — e entre eles o Papa, que não tem divisas militares. (SCM)




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