Análise: Pontificado do Papa Francisco termina em Janeiro de 2026
O ano de 2026 tende a ser decisivo para que Leão XIV imprima sua marca, e vire de uma vez por todas, a página escrita pelo predecessor.
Redação (10/12/2025 11:31, Gaudium Press) Se o leitor achou graça neste titular, saiba que ele tem de jocoso o que tem de veraz. Com menos de um ano de pontificado, Leão XIV já marcou a agenda de 2026 com aquilo que deve se tornar o verdadeiro batismo de seu governo: os consistórios. Um deles já está no horizonte imediato e tem caráter extraordinário; o outro permanece no campo das hipóteses, mas é justamente aí que se desenha a estratégia mais profunda do novo Papa para o Colégio Cardinalício. Segundo antecipam observadores romanos, o Papa convocará em janeiro um consistório extraordinário destinado não à criação de cardeais, mas a uma grande reunião de debate, algo que muitos purpurados pediram insistentemente durante as congregações gerais que precederam o conclave. Depois de anos marcados por um estilo de governo mais centralizado, em que as deliberações do Colégio foram raras e substituídas por organismos consultivos fluídos, o novo Papa parece desejar devolver aos cardeais o papel que lhes é próprio: o de conselho estável e fórum de discussão para as grandes questões da vida da Igreja.
A simples convocação de todos os cardeais para Roma no início de 2026 é um sinal claro de inflexão. Durante o pontificado anterior, os consistórios extraordinários quase desapareceram, ao passo que se multiplicou o número de novos cardeais provenientes de dioceses periféricas e pouco representativas. Criou-se, assim, um Colégio amplo, geograficamente diversificado, mas fragmentado, com muitos cardeais que mal se conhecem entre si. Ao contrário dessa tendência, Leão XIV escolhe logo no começo do pontificado um momento de encontro e escuta que permita avaliar a disposição real do Colégio, seu grau de unidade e suas preocupações.
Esse primeiro consistório não deverá incluir a criação de novos cardeais porque a aritmética canônica hoje não o permite. A constituição vigente estabelece que apenas cardeais com menos de 80 anos podem votar num futuro conclave e que o limite de eleitores deve ser de 120. Embora esse teto tenha sido ultrapassado diversas vezes nos últimos anos, com picos superiores a 130 eleitores, o fato é que o número atual continua acima do permitido. Vários estudos apontam que esse total não deverá cair abaixo de 120 antes do fim de 2026, já que alguns cardeais alcançarão a idade de 80 anos antes desse período. Faltaria, portanto, “espaço jurídico” para novas nomeações no início do ano.
Entretanto, nada impede que, ao final de 2026, o Papa convoque um consistório ordinário voltado à criação de novos cardeais. É justamente aí que se situam as expectativas que circulam discretamente entre vaticanistas experientes. Leão XIV herdou um Colégio profundamente marcado pelo pontificado anterior, no qual a vasta maioria dos eleitores foi criada por Francisco, privilegiando muitas dioceses periféricas e deixando de lado sedes históricas de grande peso pastoral e simbólico. Nos últimos anos, tornou-se quase rotineiro que arquidioceses tradicionalmente cardinalícias, como Paris, Milão ou Los Angeles, fossem conduzidas por arcebispos sem barrete, enquanto dioceses minúsculas em regiões distante ganhavam representação no conclave. Tal opção, embora tenha ampliado a diversidade geográfica do Colégio, também produziu assimetrias que agora aparecem com nitidez.
À medida que 2026 avança, e vários cardeais se aproximam dos 80 anos, abre-se a possibilidade de um novo equilíbrio. Um consistório cardinalício no fim do ano permitiria ao Papa garantir a reserva natural de eleitores para um futuro conclave e, ao mesmo tempo, recuperar a tradição das sedes que historicamente receberam o barrete. Milão, por exemplo, foi durante grande parte do século XX uma das cadeiras mais prestigiosas da Igreja, berço de figuras que depois se tornaram papas ou protagonistas de reformas e movimentos espirituais significativos. A ausência de um cardeal milanês é vista por muitos como uma lacuna difícil de justificar. O mesmo vale para Los Angeles, que hoje é a maior arquidiocese dos Estados Unidos e representa um catolicismo em expansão, profundamente marcado pela presença hispânica. Dar o barrete ao arcebispo de Los Angeles seria, nesse sentido, também reconhecer a vitalidade católica latino-americana no hemisfério norte e o crescente papel religioso e cultural daquela Igreja local.
A eventual retomada dessa tradição das sedes cardinalícias não significaria uma ruptura com a opção pelas periferias, mas um gesto de recomposição. Leão XIV parece se mover sob o princípio da continuidade corrigida: preserva os impulsos missionários, o olhar para as margens e a atenção ao dinamismo eclesial fora da Europa, mas reequilibra o conjunto, recordando que o Colégio Cardinalício, para funcionar como corpo consultivo e eleitoral, deve incluir tanto a universalidade quanto a solidez institucional. Não se trata de retroceder, mas de harmonizar.
A esse equilíbrio se soma o peso biográfico do próprio Papa. Sua origem americana e sua familiaridade com a realidade latino-americana fazem-no compreender a importância de Igrejas como Los Angeles; sua sensibilidade pelas tradições católicas históricas, por sua vez, torna natural que olhe com estima para sedes como Milão ou Paris. Sua eleição foi o resultado de um delicado consenso entre setores diversos, alguns mais alinhados ao pontificado anterior, outros desejosos de correções. O novo Papa sabe que não pode governar apostando em conflitos e que a recomposição começa muitas vezes por sinais concretos, como escolhas prudentes no Colégio que o elegerá um dia seu sucessor.
O ano de 2026, portanto, tende a ser decisivo para que Leão XIV imprima sua marca, e vire de uma vez por todas, a página escrita pelo predecessor. Com um consistório extraordinário no início do ano, o Papa devolve aos cardeais a possibilidade de se conhecerem, dialogarem e assumir um papel mais ativo na vida da Igreja. Com a eventual convocação de outro consistório, desta vez ordinário e dedicado à criação de novos cardeais, o Papa poderá reconfigurar o Colégio com equilíbrio, firmeza e atenção às tradições que davam coesão à estrutura central da Igreja.
Se assim proceder, Leão XIV mostrará que pretende governar ouvindo, mas também decidindo; corrigindo desvios, mas sem apagar avanços; honrando as periferias, mas sem esquecer o valor das grandes sedes que durante séculos ajudaram a dar rosto, autoridade moral e estabilidade à Igreja universal. O ano 2026 poderá ser, desse modo, o ano em que seu pontificado realmente começa e o outro, finalmente, termina.
Por Rafael Ribeiro







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