Análise: Papa critica proposta de paz de Trump para Europa e cobra envolvimento da UE no processo de paz
Leão XIV deixou claro que a Ucrânia não é um detalhe numa negociação entre potências, e que a Europa não pode ser reduzida a espectadora de um conflito que se trava em seu próprio corpo histórico.
Cidade do Vaticano (10/12/2025 10:33, Gaudium Press) A cena ocorrida nos arredores de Castel Gandolfo, logo após o encontro privado entre o Papa Leão XIV e o presidente Volodymyr Zelensky, nesta terça-feira, 9, não foi apenas mais um momento de contato diplomático. Foi, antes, uma intervenção deliberada no âmago de um debate que redefine o equilíbrio moral e político do Ocidente. Ao afirmar que é “irrealista” buscar a paz na Ucrânia sem a participação da Europa, o Papa tocou num ponto sensível que muitos prefeririam evitar. A guerra acontece em solo europeu, afeta diretamente suas populações e compromete sua segurança futura. Excluí-la das negociações não é pragmatismo. É distorção da realidade.
Leão XIV falou com sobriedade e firmeza. Ao recordar que “a guerra está na Europa” e que as garantias de segurança exigem o envolvimento europeu, o Pontífice deixou claro que a paz não pode ser tratada como um acordo técnico entre grandes potências, muito menos como uma transação geopolítica que sacrifica terceiros em nome de uma estabilidade aparente. A paz, para a Igreja, não é ausência momentânea de conflito, mas fruto da verdade, da justiça e da responsabilidade compartilhada entre os povos.
Numa entrevista mais recente, em 18 de novembro, ao responder sobre a hipótese de cessão de territórios ucranianos para garantir um acordo de paz, o Papa foi enfático: a Constituição da Ucrânia é clara — essa decisão deve ser dos ucranianos. “O problema é que não há um cessar-fogo, não se chega a um ponto para dialogar e ver como resolver esse problema… Infelizmente, todos os dias pessoas estão morrendo. É preciso, penso eu, insistir na paz, começando por esse cessar-fogo e depois dialogar.”
O pano de fundo, costurado por Trump, claramente só beneficia os russos. Um plano de paz articulado em Washington, com negociações desenhadas quase exclusivamente entre Estados Unidos e Rússia, provoca inquietação profunda nos aliados tradicionais e, sobretudo, em Kiev. A possibilidade de impor concessões territoriais à Ucrânia, sem um consenso europeu, fere princípios básicos da soberania internacional. Ao rejeitar essa lógica, o Papa não age como chefe de Estado preocupado apenas com equilíbrios diplomáticos, mas como um conhecedor das consequências humanas e morais de decisões tomadas à margem dos diretamente afetados.
Há também, nas palavras de Leão XIV, uma preocupação clara com a tentativa de fragmentar o que ainda resta de uma aliança transatlântica construída ao longo de décadas. Quando ele se diz incomodado com declarações recentes sobre a Europa que parecem querer “romper uma aliança que precisa ser muito importante hoje e no futuro”, o Papa vai além do episódio ucraniano. Ele denuncia uma visão de mundo que relativiza compromissos históricos, despreza aliados e redefine a política externa como um jogo de força imediata, sem memória nem gratidão.
Nesse sentido, a crítica pontifícia não é partidária, mas estrutural. Ao reagir a discursos que qualificam a Europa como fraca ou decadente e insinuam o abandono do apoio à defesa ucraniana, Leão XIV responde com uma visão cristã da política internacional. Unidade diante da agressão não é opção estratégica, mas exigência moral. A fragmentação do Ocidente, nesse contexto, não traria paz, mas estimularia novas formas de violência e instabilidade. Leão deixa claro que é preciso apostar que a Europa ainda é capaz de evitar a autodestruição. Sem a União Europeia não haverá solução para o conflito iniciado por Vladimir Putin.
Ao insistir numa “paz justa e duradoura”, expressão recorrente em suas intervenções recentes, o Papa reafirma a linha clássica da diplomacia da Santa Sé. Não existe paz construída sobre a negação da justiça nem sobre o sacrifício dos mais vulneráveis. Não existe acordo legítimo que ignore aqueles que sofrerão suas consequências. E não existe futuro estável para a Europa se decisões sobre sua segurança forem tomadas sem sua presença à mesa.
A fala de Leão XIV, portanto, deve ser lida como um alerta. Não apenas aos arquitetos de planos improvisados de paz, mas também às consciências adormecidas que aceitam soluções rápidas em troca de princípios abandonados.
A Igreja vai além do pragmatismo político: para ela, paz sem justiça, sem garantia aos direitos dos mais vulneráveis e sem participação dos diretamente afetados não é paz é, no melhor dos casos, uma trégua.
O Papa e a diplomacia vaticana também manifestam preocupação com os efeitos humanitários da guerra — deslocados, crianças levadas à Rússia, prisioneiros de guerra — defendendo o retorno seguro e digno dos mais vulneráveis. O plano de Trump parece não dar grande importância a estes aspectos.
Ao sair de Castel Gandolfo, o Papa deixou claro que a Ucrânia não é um detalhe numa negociação entre potências, e que a Europa não pode ser reduzida a espectadora de um conflito que se trava em seu próprio corpo histórico. É uma tomada de posição que recoloca a moral no centro da política internacional e lembra que a paz, se quiser ser verdadeira, exige coragem, memória e fidelidade aos princípios que a constituem.
Por Rafael Ribeiro









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