São João da Cruz: Doutor Místico
“O Padre Frei João é uma das almas mais puras e santas que Deus suscitou na sua Igreja. Nosso Senhor lhe comunica grandes riquezas da sabedoria do Céu”. A Igreja celebra a memória de São João da Cruz no dia 14 de dezembro.

São João da Cruz – Mosteiro dos Carmelitas Descalços, Segóvia (Espanha) Foto: Gustavo Kralj
Redação (13/12/2025 10:37, Gaudium Press) Numa cidade próxima à Avila – Norte da Espanha –, nasceu São João da Cruz, em 1542, cujos pais eram fidalgos, mas empobrecidos.
Uma das almas mais puras e santas
Aos 21 anos, ingressou no convento carmelita de Medina del Campo e, por saber bem o latim, foi estudar Filosofia e Teologia na famosa Universidade de Salamanca. Ordenado sacerdote, voltou para Medina.
Indignado com o relaxamento dos frades, resolveu ser cartuxo. Certo dia, Santa Teresa de Ávila veio a essa cidade para fundar o segundo convento das carmelitas descalças. Falando com ele, convenceu-o a restaurar no antigo fervor o ramo masculino da Ordem do Carmo. Regressando ao seu convento, ela disse às freiras:
“O Padre Frei João é uma das almas mais puras e santas que Deus suscitou na sua Igreja. Nosso Senhor lhe comunica grandes riquezas da sabedoria do Céu.”[1]
Santa Teresa, então prioresa do Convento da Encarnação, em Ávila, pediu-lhe que fosse confessor das religiosas. Ele para lá se dirigiu e, com outros frades que o acompanhavam, fundou um convento nas proximidades, onde instituiu a adoração perpétua ao Santíssimo Sacramento, que depois se propagou por todo o mundo.
Preso e flagelado num convento de Toledo
Na noite de 2-12-1577, padres da Ordem do Carmo, acompanhados de pessoas armadas, invadiram a residência do Santo, vendaram seus olhos e o levaram amarrado ao convento carmelita de Toledo, às margens do Rio Tejo, onde viviam 80 frades.
Jogaram-no numa minúscula cela desprovida de janela, em cujo teto havia pequena abertura a fim de entrar a luz do Sol. No chão, uma tábua e duas mantas velhas para servirem de cama.
Na hora do almoço, conduziam-no ao refeitório onde ficava de joelhos alimentando-se de pão e água; às vezes traziam-lhe algumas sardinhas.
Nas sextas-feiras, deixavam seu dorso descoberto. Após a refeição, proferiam injúrias contra ele e o prior iniciava as chicotadas, continuadas pelos outros frades; o sangue escorria e suas roupas nunca eram mudadas….
Passados seis meses, um sacerdote jovem foi nomeado novo carcereiro, e conseguiu diminuir as idas de Frei João ao refeitório, exatamente nos dias em que seria açoitado. Tendo Frei João lhe perguntado: “Porque me privou do que eu mereço?”, ele ficou convencido de que estava diante de um santo. Trouxe-lhe uma túnica lavada, pois a que usava estava desaparecendo de tão gasta, bem como papel e tinta para escrever seus pensamentos. O varão de Deus, então, redigiu a obra “Cântico espiritual”.
Em 15-8-1578 – solenidade da Assunção de Nossa Senhora –, a Virgem apareceu-lhe e mostrou como deveria fugir.
Com autorização do novo carcereiro, ele passou a fazer a limpeza do prédio durante o repouso dos monges e elaborou um plano para sua fuga. Cortou suas mantas em tiras e, certa madrugada, conseguiu descer até o solo e escapar. Caminhou por uma ruela e chegou ao convento das freiras carmelitas descalças.
Capítulo geral celebrado com o máximo esplendor
Devido a suas feridas, foi levado a um hospital onde permaneceu por dois meses. Embora não totalmente curado, continuou suas atividades em diversos lugares.
Gregório XIII, em 1580, decretou a separação jurídica entre carmelitas calçados – mitigados – e descalços. Pouco depois, realizou-se o primeiro Capítulo geral da nova Ordem, realizado em Alcalá de Henares, perto de Madri. O Rei Felipe II pagou as despesas e ordenou que “todos os atos fossem celebrados com o máximo esplendor.”[2]
A Ordem dos Carmelitas Descalços – O. C. D – se expandiu pela Europa. Em junho de 1588, nosso Santo foi eleito conselheiro do vigário-geral Padre Nicolas Doria, o qual proibiu os descalços de serem missionários. São João manifestou sua discordância e, por isso, foi demitido. Enfraquecido e doente, enviaram-no a um mosteiro em Úbeda – Sul da Espanha – para se tratar.
Em que consiste a mística
Seu corpo ficou com abscessos sobretudo nas costas, certamente em consequência das chicotadas recebidas no convento de Toledo. Em certo momento, rogou aos frades que entoassem o salmo Miserere e um globo resplandecente pousou aos seus pés. Disse que, ao término do dia, iria rezar Matinas no Céu e pediu que lessem trechos do “Cântico dos cânticos”.
Ao toque da meia-noite, osculou o crucifixo que segurava nas mãos, rezou pausadamente: “Em vossas mãos, Senhor, encomendo minha alma” e expirou. Seu rosto ficou luminoso e o corpo, repleto de chagas, exalava aroma de rosas. Era o dia 14 de dezembro de 1591.
Pio XI, em 1927, concedeu-lhe o título de “Doutor místico”.
Ensina Dr. Plinio Corrêa de Oliveira:
“O Catolicismo é essencialmente místico. A mística consiste nas relações íntimas do fiel com Deus, provenientes da generosidade com as quais este se oferece e da misericórdia com que Ele Se digna operar em cada alma, purificando-a e santificando-a. Esta purificação produzida por Deus, caracterizada pelo sofrimento, é a realização da Paixão de Cristo em cada fiel.”[3]
“Seremos julgados segundo o amor”
Afirmou São João da Cruz que “no entardecer desta vida, seremos julgados segundo o amor”[4], quer dizer, o amor de Deus.
O primeiro Mandamento do Decálogo ordena que devemos “amar a Deus sobre todas as coisas”. É condição para que os outros nove sejam bem cumpridos. Há nele uma hierarquia: amor à Igreja Católica, a nós mesmos, ao próximo e às criaturas materiais.
A Igreja é o Corpo místico de Cristo. Devemos amá-la com toda a alma, defendê-la e lutar até o último hausto contra seus inimigos.
O reto amor a nós mesmos consiste em sermos verdadeiros filhos da Igreja, querermos a santidade e almejarmos o Céu.
Precisamos amar ao próximo por amor de Deus, isto é, para que atinjam esses objetivos. Afirma o Apóstolo São João: “Se vós não amais o próximo que vedes, como amareis a Deus que não vedes?” (cf. 1 Jo 4, 20).
Deus criou o universo material com admirável hierarquia: animais, vegetais e minerais. Nessas criaturas irracionais há símbolos de perfeições divinas, tais como a beleza, a combatividade, a bondade. Contemplá-las como reflexos de Deus é um modo de aumentar nosso amor ao Criador.
Se amamos verdadeiramente a Deus, precisamos lutar contra seus inimigos, de modo especial os que pretendem destruir a Igreja. Recordando o salmo que afirma: Deus “afogou o Faraó com suas tropas porque eterno é seu amor” (Sl 136, 15), batalhemos contra esses demolidores e almejemos a implantação do Reino de Maria.
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] JESUS SACRAMENTADO, Crisógono de. Vida de São João da Cruz. São Paulo: Cultor de livros. 2016, p. 100.
[2] Idem, ibidem, p. 297.
[3] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Madre Francisca do Rio Negro e a santidade brasileira. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano XXVI, n. 299 (fevereiro 2023), p. 22.
[4] Idem. Santidade, o ideal de todo homem. Dr. Plinio. Ano IV, n. 44 (novembro 2001), p. 10.





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