O que dizer do primeiro discurso do Papa na Turquia?
Tudo indica que o Papa pretende usar a viagem para pedir o fim da violência em países afetados pelo extremismo islâmico, priorizando a busca pela unidade cristã sobre questões doutrinais.

Foto: Vatican Media
Redação (28/11/2025 08:47, Gaudium Press) O primeiro discurso do Papa Leão XIV em Ancara, nesta quinta-feira, não foi apenas a abertura formal de sua primeira viagem apostólica internacional, mas a apresentação clara de um programa, de uma visão de pontificado e de uma leitura espiritual e política da situação do mundo atual. Ao chegar à Turquia para celebrar os 1700 anos do Concílio de Niceia, Leão XIV escolheu começar sua atuação global justamente ali, “esta terra indissoluvelmente ligada às origens do Cristianismo e que hoje convida os filhos de Abraão e toda a humanidade a uma fraternidade que reconheça e valorize as diferenças”, como afirmou diante das autoridades reunidas no Palácio Presidencial.
Desde suas primeiras frases, o Papa situou seu discurso no terreno da convivência humana. Recorreu à imagem da ponte sobre o Estreito de Dardanelos, símbolo oficial da viagem, para ilustrar o papel histórico e contemporâneo da Turquia. A ponte, disse ele, “antes de unir a Ásia e a Europa, o Oriente e o Ocidente, liga a Turquia a si mesma”, compondo suas partes e tornando o país “um ponto de encontro de sensibilidades”. A partir desse símbolo, lançou sua tese central: “Uma sociedade só está viva se for plural.” Em outros termos, homogenizar não é fortalecer, mas empobrecer. Ao contrário, “são as pontes entre as suas diferentes almas que a tornam uma sociedade civil”, advertiu Leão XIV, lamentando que “as comunidades humanas estão cada vez mais polarizadas e dilaceradas por posições extremas”.
A exortação à pluralidade não ficou restrita à teoria social. Leão XIV foi explícito sobre a contribuição dos cristãos para a vida do país: “Desejo assegurar que pretendem contribuir positivamente para a unidade de seu país também os cristãos, que são e se sentem parte da identidade turca”. A lembrança de São João XXIII, o “Papa turco”, serviu para reforçar essa ideia. João XIII viveu dez anos na região e, nas palavras de Leão XIV, dedicou-se com afinco para que os católicos “não se distanciassem da construção da nova República”, inaugurando uma lógica de abertura que o Papa Francisco posteriormente chamou de “cultura do encontro”.
Ao longo do discurso, Leão XIV costurou temas morais e desafios contemporâneos com uma clareza incomum. Recordou que o mundo segue marcado por séculos de conflitos e por decisões que “espezinham a justiça e a paz”. No entanto, insistiu que ser “um povo com uma grande história” é simultaneamente dom e responsabilidade. Essa responsabilidade exige que a Turquia valorize suas diversas tradições culturais, artísticas e espirituais, pois, como afirmou, “as grandes civilizações tomam forma no encontro entre gerações, tradições e ideias diferentes”.
Nessa mesma linha, defendeu que o país se empenhe em honrar a dignidade humana. “É fundamental honrar a dignidade e a liberdade de todos os filhos de Deus: homens e mulheres, compatriotas e estrangeiros, pobres e ricos.” Esse compromisso, para ele, confronta diretamente a lógica da força — “a lei do mais forte” — em favor de critérios como compaixão, justiça e solidariedade.
A exposição sobre tecnologia conduziu o Papa ao tema da inteligência artificial. Sua advertência foi direta: “Até mesmo as inteligências artificiais reproduzem as nossas preferências e aceleram os processos que, bem-vistos, não foram iniciados pelas máquinas, mas pela humanidade.” Trata-se, portanto, de uma convocação a redirecionar o desenvolvimento tecnológico e “reparar os danos já causados à unidade da família humana”.
O Papa também se deteve longamente sobre o lugar da família na sociedade turca, destacando iniciativas em favor de sua centralidade e afirmando que é nela que amadurecem “atitudes essenciais para a convivência civil”. Mas, entre seus temas mais enfaticamente desenvolvidos, esteve a valorização da mulher. “As mulheres se colocam cada vez mais a serviço do país e da sua positiva influência no panorama internacional”, disse, expressando satisfação de que o estudo, o trabalho e a participação política estejam ampliando a contribuição feminina. E completou: “São muito apreciáveis as importantes iniciativas em apoio à família e à contribuição feminina para o pleno florescimento da vida social”.
Ao aproximar o discurso do plano internacional, Leão XIV manifestou o desejo de que “a Turquia possa ser um fator de estabilidade e aproximação entre os povos, a serviço de uma paz justa e duradoura”. Lembrou a longa relação da Santa Sé com o país, selada pela visita de quatro papas, testemunhando o anseio contínuo de diálogo. Evocou também o peso simbólico do Concílio de Niceia e dos primeiros oito concílios ecumênicos, celebrados em terras turcas, para reforçar que este é um espaço de encontro histórico entre culturas e religiões.
Vale recordar que Leão XIV acabou de apresentar uma carta apostólica sobre a unidade dos cristãos no último domingo, 23 de novembro, Solenidade de Cristo Rei, documento no qual explicita a motivação profunda de sua viagem à Turquia e o lugar central que o ecumenismo ocupará em seu programa de governo. Desde sua formação agostiniana, Leão XIV não hesitou em minimizar a importância de diferenças teológicas para enfatizar a prioridade absoluta da unidade diante de um mundo dramaticamente marcado pela polarização e pela fragmentação. Por isso, assinalou que o Credo Niceno é um apelo permanente ao exame de consciência, especialmente em tempos de conflito. Neste horizonte, Robert Prevost tem sido criticado pelas expressões utilizadas na Carta Apostólica, tais como: “o que une verdadeiramente os cristãos é muito mais do que o que nos divide”, e que “é hora de deixar para trás as controvérsias teológicas que perderam sua razão de ser”. Mesmo assim, ele não se deixa abalar com as críticas de que suas atitudes poderiam enfraquecer a doutrina católica, pois está convencido de que “buscar a unidade entre os cristãos não nos diminui; pelo contrário, nos faz crescer.”
Sem entrar no debate teológico, o Papa Leão acentuou sua preocupação com o cenário mundial. A sociedade está entrando “numa fase de grande conflito a nível global”, sustentada por estratégias de poder econômico e militar que alimentam aquilo que o Papa Francisco chamava de “Terceira Guerra Mundial em pedaços”. Contra esse movimento, “não devemos ceder de forma alguma a esta tendência.” E lembrou que “está em jogo o futuro da humanidade”. Para enfrentá-lo, é necessária unidade na luta pela paz, contra a fome e a miséria, na defesa da saúde, da educação e da criação. A Santa Sé, segundo ele, dispõe apenas de uma força, “que é espiritual e moral”, mas deseja colocá-la a serviço de cada nação que busque o desenvolvimento integral de todos.
Diante desse panorama, o balanço do primeiro dia de viagem é claro. Leão XIV apresentou uma síntese mais aprofundada de sua visão: pluralidade como riqueza, família humana como realidade indivisível, desenvolvimento ético como urgência, e dignidade humana como fundamento não negociável. Seus gestos e suas palavras revelam um pontífice que pretende falar com firmeza num mundo profundamente ferido e polarizado.
Tudo indica que o Papa pretende usar a viagem para pedir o fim da violência em países afetados pelo extremismo islâmico, priorizando a busca pela unidade cristã sobre questões doutrinais. A unidade primará sobre a claridade. O tempo dirá se sua estratégia foi eficaz.




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