Obrigado, Arautos do Evangelho
Um livro de 700 páginas que expõe anos de arbitrariedade romana e nos lembra de que sem lei não há Igreja, apenas poder.
Redação (27/11/2025 09:39, Gaudium Press) Vou começar confessando sem rodeios: não sei quase nada sobre os Arautos do Evangelho. A estética deles, sejamos honestos, me dá arrepios: armaduras de tecido, cruzes gigantes, um ar de cruzada medieval no século XXI. Não é exatamente o meu estilo.
Mas uma coisa é gosto, outra é justiça! E quanto mais leio sobre o que fizeram com eles e como reagiram, mais claro fica para mim: eu os admiro profundamente!
Não se pode enfrentar o poder… a menos que se esteja disposto a pagar o preço
Há anos, ouvimos dizer que esta é a Igreja sinodal, a Igreja do diálogo, a Igreja da escuta, a Igreja dos processos. Tudo isso soa muito bem para slogans, mas, na prática, existe uma regra de ouro que todos aprenderam rapidamente: não se enfrenta o poder.
E muito menos depois de doze anos de ditadura bergogliana, com um tribunal perfeitamente azeitado para recompensar os que são leais ao regime e esmagar aqueles que o incomodam. Entre os colaboradores dessa longa era de ferro estava, aliás, o então Prefeito da Congregação para os Bispos, o Cardeal Robert Prevost, hoje Leão XIV.
Nesse clima, a maioria das instituições católicas optou pelo que poderíamos chamar de “estratégia de tartaruga”: encolher-se em suas carapaças, salvar os seus próprios interesses, evitar problemas e rezar em silêncio para que a tempestade passe sem destruir a sua casa e as suas contas bancárias.
Os Arautos fizeram exatamente o oposto: decidiram ir com tudo.
Comissariados… e com o comissário no banco dos réus morais
Os Arautos do Evangelho foram comissariados. Alguém tinha de ser comissariado; o sistema precisava de um inimigo visível, um “caso exemplar”, um aviso aos outros: é assim que acabam aqueles que não se alinham. Nada de novo sob o sol.
O que é novo — e quase inédito — é a resposta! Em vez de abaixar a cabeça, pedir desculpas por existir e desaparecer discretamente do mapa, os Arautos fizeram algo que só ocorre àqueles que não perderam a fé ou o respeito pela verdade: compilaram, documentaram e publicaram uma crônica completa do atropelo.

E o que eles fazem nessas páginas é devastador: demonstram que não houve processo, nem provas, nem defesa, nem diálogo. Apenas uma cadeia de abusos de autoridade, manobras obscuras, vazamentos convenientes para a imprensa, silêncios culpados e uma construção artificial de suspeitas para justificar um comissariado que — se a lei tivesse sido minimamente respeitada — jamais poderia ter sido sustentado.
E não é só isso: o livro mostra como, ao longo do tempo, o comissariado acabou se tornando uma caricatura de si mesmo, a ponto de o próprio comissário ser moralmente “comissariado”, colocado sob holofotes e sua idoneidade questionada. É difícil imaginar um bumerangue mais perfeito!
Quinze anos terríveis sem o direito
Há uma frase que paira sobre todo este caso, embora nem sempre seja dita em voz alta: “Vivemos quinze anos terríveis”. Quinze anos em que o Direito Canônico foi tratado como um obstáculo, um incômodo burocrático que pode ser contornado ou ignorado quando não convém.
O livro dos Arautos ilustra isso com precisão cirúrgica: decretos mal redigidos ou diretamente adulterados; decisões sem justificação; acusações genéricas e nunca comprovadas; visitas apostólicas transformadas em expedições de pesca à procura de delitos que não existem; restrições impostas sem fundamento; processos civis que terminam por exonerar completamente a instituição, enquanto, em Roma, faz-se de conta que nada aconteceu.
Em suma: por muito tempo, a lei foi substituída pela vontade de quem está no poder! E isso, na Igreja, é letal. Uma coisa é acreditar na autoridade; outra, bem diferente, é justificar a arbitrariedade.
Enquanto todos se calavam, uma instituição decidiu perder o medo
O mais escandaloso de tudo isso não é o fato de terem existido abusos. Infelizmente, isso nós sabemos e já vimos em muitos âmbitos. O verdadeiramente escândalo é que, diante destes abusos, quase todo mundo se calou.
Ordens religiosas antigas e novas se calaram… Universidades católicas se calaram. Poderosos movimentos eclesiais se calaram. Fundações e congregações que sabiam perfeitamente o que estava acontecendo se calaram, e preferiram virar o rosto para não colocar em risco subsídios, licenças, privilégios ou simplesmente a sua tranquilidade institucional.
E, de repente, surge uma instituição que não se cala. Uma instituição que, em vez de aceitar resignadamente o papel de vítima submissa, decide colocar todo o processo no papel, com nomes, datas, referências e anexos. Uma instituição que tem a coragem de afirmar, com fatos em mãos, que o que fizeram com ela é um caso paradigmático de perseguição ideológica dentro da Igreja.
Não se trata apenas de “defender o seu nome”. Trata-se de algo muito mais sério: defender a própria ideia de que deve haver um ordenamento jurídico na Igreja. Que os decretos não podem ser falsificados. Que as assinaturas não podem ser manipuladas. Que um comissário não pode se comportar como se estivesse acima da lei. Que os fiéis e as comunidades têm direitos, não apenas obrigações.
O que toda a Igreja deve aos Arautos
Não é preciso compartilhar do carisma dos Arautos nem apreciar suas procissões para reconhecer isso: a Igreja inteira lhes deve gratidão! Porque, ao se recusarem a ser triturados em silêncio, eles forçaram que viesse à tona o que quase todos intuíam e praticamente ninguém ousava dizer em voz alta: que, em Roma, se agiu muitas vezes “sem provas, sem defesa, sem diálogo”. Que pessoas e obras foram tratadas como simples peças num tabuleiro ideológico. Que as “visitas” e os “acompanhamentos” têm sido, em muitos casos, instrumentos de pressão e controle.
Se hoje existe um relato detalhado de como funciona esta máquina, deve-se em grande parte a eles. E isto não é útil apenas para o seu próprio caso; é um serviço incômodo, mas necessário para toda a Igreja. Qualquer instituição que se veja na mira deste sistema, amanhã, saberá que não é obrigada a desaparecer em silêncio.
Em uma época em que a palavra “sinodalidade” é usada para justificar tudo, os Arautos lembraram-nos, com fatos e documentos, de que, sem justiça, a comunhão é impossível. Que a caridade sem verdade cai no sentimentalismo. E que a autoridade sem lei degenera em tirania.
Por Carlos Balén | 24 de novembro de 2025: publicado na infovaticana.







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