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Por que os papas recomendam a leitura de “O Senhor do Mundo”?

O Papa Francisco e outros recomendaram a leitura do romance distópico de Robert Hugh Benson, publicado em 1907, um conto profético sobre o secularismo e o declínio da fé em um mundo dominado pela tecnologia.

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Redação (14/11/2025 08:41, Gaudium Press) Em meio a um mundo dominado por avanços tecnológicos, secularismo e mudanças nos valores morais, um romance distópico de 1907 continua a ressoar nos mais altos escalões da Igreja Católica. Senhor do Mundo, escrito pelo ex-anglicano e sacerdote inglês Robert Hugh Benson, foi publicamente recomendado pelo Papa Francisco, por seu predecessor, o Cardeal Joseph Ratzinger (mais tarde Papa Bento XVI) e pelo atual Papa Leão XIV — que, como Cardeal Robert Prevost, também elogiou a obra. Tais endossos sublinham a visão profética do romance e sua atualidade como um alerta sobre os perigos de uma sociedade sem Deus.

A recomendação do romance ganhou força em 2015, quando Francisco, no voo de volta das Filipinas ao Vaticano, aconselhou jornalistas a lê-lo. “Há um livro… chama-se Senhor do Mundo. O autor é Benson… Sugiro que o leiam”, disse ele. “Ao lê-lo, compreenderão bem o que quero dizer com colonização ideológica.” Francisco classificou a obra como profética por retratar o secularismo, o relativismo e uma noção de “progresso” desvinculada de fundamentos espirituais ou morais. Em 2023, durante uma palestra em Budapeste, Francisco reiterou sua leitura, alertando acadêmicos e intelectuais sobre os riscos de uma era tecnológica que ameaça a identidade e a cultura humanas.

O interesse dos papas pelo livro não é recente. Em 1992, o Cardeal Ratzinger, em uma conferência em Milão, qualificou Senhor do Mundo como uma obra que “dá muito o que pensar”. Mais recentemente, em setembro de 2023, o Cardeal Robert Prevost, agora Papa Leão XIV, – reforçou o elogio, apontando o livro como advertência contra um mundo sem fé, dominado por elites seculares tecnologicamente avançadas.

Uma visão distópica com base na Fé

Ambientado no século XXI, Senhor do Mundo mostra um planeta onde o cristianismo quase desapareceu e o “Humanitarismo” secular predomina. Elites políticas e culturais reúnem-se em torno de um líder global carismático — amplamente interpretado como uma figura do Anticristo —, que promete paz e unidade, mas impõe opressão. A Igreja Católica resiste como minoria, com o papado no centro do conflito narrativo. Esse embate entre a fé e uma sociedade ateia e tecnologicamente superior forma o eixo do romance.

Filho de um ex-arcebispo da Cantuária, Robert Hugh Benson converteu-se ao catolicismo em 1903, aos 31 anos. Conhecido por ficção histórica, ele surpreendeu ao lançar Senhor do Mundo, sua estreia na distopia. “No fim do século XIX, a literatura apocalíptica vivia um renascimento, espelhando o gênero nascente da ficção científica”, explicou Kristen Van Uden Theriault em entrevista ao National Catholic Register. Ela situa a obra de Benson dentro de uma onda mais ampla de literatura distópica que, embora frequentemente secular, oferecia alertas proféticos sobre o avanço tecnológico desmedido, o coletivismo e o totalitarismo.

Theriault traça um paralelo entre Benson e John Henry Newman, outro ex-anglicano convertido ao Catolicismo, cujos escritos sobre o Anticristo anteciparam a ascensão de ideologias como o comunismo, o socialismo e o modernismo. Newman advertia sobre “a tirania do subjetivismo”, onde a religião é relegada à consciência pessoal em vez de reconhecida como verdade objetiva. O “Humanitarismo” de Benson em Senhor do Mundo materializa esses alertas, retratando uma ordem social ateia que espelha a humanidade decaída em vez da hierarquia divina.

Um espelho profético do mundo atual

Como a visão de Benson se sustenta no século XXI? Theriault a qualifica como “profética em muitos aspectos”. Ela aponta a previsão de Benson de um órgão governamental internacional — similar à Organização das Nações Unidas — e da eutanásia legalizada, como o “Medical Assistance in Dying” (Assistência Médica para Morrer) do Canadá. “Em um sentido mais profundo, seu retrato de uma sociedade ateia guiada pelo prazer, pelo cientificismo e pela rejeição de Deus soa como uma descrição de nosso século”, afirma ela. “A vida não vale nada no inferno apocalíptico de Benson, assim como em nossa cultura contemporânea da morte.”

Contudo, apesar de toda a sua atmosfera sombria, o romance oferece esperança. “Apesar das maquinações ardilosas do Anticristo, sabemos quem vence no final”, observa Theriault, enfatizando o alinhamento do romance com a escatologia católica, que promete o triunfo divino.

Como obra de ficção, Senhor do Mundo destaca-se em meio à vasta gama de romances distópicos do início do século XX. “No início do século XX, romances distópicos e futuristas eram comuns: um amontoado sombrio, deprimente e mal escrito”, diz a romancista Eleanor Bourg Nicholson. Ela elogia a obra de Benson por seus personagens vívidos e com os quais o leitor se identifica, e por sua mistura de elementos especulativos e místicos. Diferentemente de uma pregação alegórica, o romance envolve os leitores com profundas questões morais sobre a relação da humanidade com Deus, o propósito da religião e o sentido da existência.

Nicholson também identifica elementos proféticos no Anticristo de Benson — um político carismático e inofensivo que promove a “paz” e que facilmente conquistaria o apoio popular hoje em dia. “Benson concebe o Anticristo como alguém que podemos imaginar em nossa própria época”, observa ela.

Um pioneiro literário

O autor e editor Joseph Pearce elogia Benson como um “visionário” cujo romance pavimentou o caminho para clássicos distópicos posteriores, como Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell. “Benson estava à frente de seu tempo — um pioneiro, avant-garde no sentido mais pleno e verdadeiro da palavra”, declarou Pearce ao Register. Ele assinala a atualidade do romance, marca da grande literatura, e sua influência no pensamento do século XX.

Benson escreveu posteriormente O Amanhecer de Tudo, um romance futurista que oferece uma versão mais otimista à atmosfera sombria de Senhor do Mundo. Pearce sugere que o final apocalíptico de Senhor do Mundo, longe de ser sombrio, anuncia a Segunda Vinda — uma conclusão esperançosa para os cristãos.

Um apelo à reflexão

A recomendação da leitura de Senhor do Mundo pelos papas sinaliza mais do que uma mera apreciação literária; é um apelo à vigilância em uma era de mudanças tecnológicas e culturais aceleradas. A visão de Benson de um mundo seduzido por promessas seculares e liderado por um enganador carismático desafia os leitores a confrontarem as implicações morais e espirituais da modernidade.

Para católicos e não católicos, Senhor do Mundo continua sendo uma obra provocativa — uma obra que, como observa Pearce, “fala de forma tão ameaçadora ao nosso século” quanto falou ao século de Benson. Sua capacidade de suscitar debates teológicos, abordar questões morais e prever tendências sociais assegura seu lugar não apenas na história literária, mas também no diálogo contínuo sobre fé, tecnologia e o futuro da humanidade.

Com informações National Catholic Register

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