Somos hipócritas? Existem hipócritas em nosso ambiente? O que é ser hipócrita?
A hipocrisia é cuidadosamente ocultada, pois deixaria de ser vício se não fosse dissimulada. Corrompe como o fermento na massa, engana e ensina a enganar.
Redação (09/11/2025 16:28, Gaudium Press) Hipócrita: expressão que qualifica a conduta pessoal manifestada entre homens e mulheres de todas as épocas, como consequência do pecado original. Surge nas relações humanas e persiste até nos círculos familiares mais íntimos. Desenvolve-se de modo contrário ao que se pensa ou se prega, com o intuito de enganar ou aparentar ser o que não se é. Ecoam aos nossos ouvidos, com veemência, as palavras enérgicas de Nosso Senhor Jesus Cristo ao increpar os fariseus: “hipócritas”, “raça de víboras”, “sepulcros caiados”. Por essa razão, qualifica-se analogamente a pessoa hipócrita de fariseu.
Mas quem eram eles, e qual era o seu proceder? Consideravam-se superiores e melhores do que os demais; o seu orgulho não conhecia limites. Tiveram origem virtuosa, marcada por um espírito acentuado pela pureza da religião judaica e da Lei — o termo “fariseu” significa literalmente “separado” —, afastando-se daqueles que se deixavam influenciar pelo relativismo de vida que cercava o povo de Israel. Surgiram cerca de duzentos anos antes de Jesus Cristo. Com o decorrer do tempo, porém, transformaram-se num protótipo de falsidade. São Boaventura definiu-os sinteticamente: “consideram-se bons pelas obras externas e, por isso, não têm lágrimas de contrição”; eram pecadores, mas julgavam-se santos.
Todavia, a descrição dos seus traços característicos foi o próprio Jesus quem a fez, denunciando-os num longo oráculo que expõe à luz do dia a insinceridade dos chefes do povo e do próprio povo: “Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, quando disse: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Mt 15, 8).
Por isso, Jesus advertia as multidões que se aproximavam dele e dos seus discípulos: “Estai atentos e guardai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus” (Mt 16, 6). E a eles próprios increpava, afirmando que eram “uma geração perversa e adúltera” (Mt 16, 4). Jesus estigmatiza terminantemente a sua conduta. Perante as variadas acusações, os fariseus — movidos por uma ânsia doentia de vaidade e soberba, desejosos de atrair sobre si as atenções e ostentar superioridade — calavam-se, reservando a vingança para momento mais oportuno.
Palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo
Entre as invectivas mais fortes que Nosso Senhor proferiu contra eles, destaca-se a comparação com os sepulcros caiados: “por fora parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos, de cadáveres e de toda espécie de podridão” (Mt 23, 27). Terrível comparação, entre outras, que se iniciam com a repreensão: “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas”. Interiormente praticavam o que era contrário à Lei, mas exteriormente exibiam-se como seus exímios observantes; revestiam-se da Lei para encobrir o seu incumprimento. Por isso, Nosso Senhor afirmava: “Observai e fazei tudo o que eles dizem, mas não façais como eles, pois dizem e não fazem” (Mt 23, 3).
Talvez tenha passado despercebido a muitos leitores dos Evangelhos, mas São Mateus apresenta Jesus condenando a conduta dos fariseus em… vinte capítulos! O tema quase central do Evangelho é a dureza de coração dos fariseus: a hipocrisia; no seu proceder, revela-se mais grave do que supomos, pois se trata de um problema de mentalidade.
“Serpentes”, “raça de víboras”, “guias cegos”, “cheios de roubo e de intemperança”, “cheios de hipocrisia e iniquidade” (Mt 23); fortes acusações proferidas pelos divinos lábios do nosso Redentor, que alguns exegetas da Sagrada Escritura designam por “as oito maldições”, em oposição às “oito bem-aventuranças”. Lobos em pele de ovelhas que, cheios de ódio, caluniavam Jesus, acusando-O de estar possuído pelo demônio, de violar a lei do sábado, de comer com pecadores etc.
Fizeram ouvidos moucos ao convite de Jesus: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei”, “aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas” (Mt 11, 28-29). As suas almas estavam contaminadas pelo vício da autossuficiência, pela confiança em si mesmo, pela presunção de santidade e pelo desprezo pelos outros — tudo o oposto da fé, da humildade e da caridade. Assim o descreve o Divino Mestre na parábola do fariseu e do publicano: “Quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lc 18, 9-14).
Perguntemo-nos agora: existe, atualmente, um fermento farisaico — hipócrita? Haverá pessoas, inclusive entre os católicos, que manifestam propósitos em certos aspectos cotidianos, mas, por outro lado, vivem um relativismo moral em matérias mais graves? Passados mais de dois mil anos, esse fermento ainda se faz presente e perdurará até o fim do mundo. Oculta-se com extremo cuidado, pois, se não fosse dissimulado, deixaria de sê-lo. Corrompe como o fermento à massa, engana e ensina a enganar.
Dessa “lepra” — pois não merece outro qualificativo — não se pode afirmar que todo mundo aja assim, mas é certo que grande número de pessoas pode exibir fisionomias “mascaradas” (hypo, em grego, significa máscara): alegres, sorridentes, aparentando normalidade, mas, por dentro, cheios de podridão.
Segundo os dicionários, hipocrisia “é o ato de fingir sentimentos, crenças ou qualidades que a pessoa não possui, de maneira a enganar ou se aproveitar de outros. Trata-se de uma falsidade ou dissimulação, em que há uma discrepância entre o que é dito ou aparentado e o que é realmente sentido ou praticado”. Em poucas palavras, o hipócrita é uma pessoa falsa que simula ser outra, prega ideias ou valores que na realidade não possui; tem duas faces.
Diante da hipocrisia — atitude daqueles cujas palavras não correspondem às ações —, ao sermos fiéis aos princípios que desejamos viver, fundados nos Mandamentos da Lei de Deus, nós a expomos. A integridade moral de cada um de nós gerará o confronto inevitável com essa “lepra”.
Encontramos hipócritas em toda parte; por vezes, nós mesmos, em diversas circunstâncias, agimos hipocritamente para nos adaptar ao ambiente ou para não ferir os sentimentos alheios.
É duro dizê-lo, mas a hipocrisia — mentira e vazio unidos — poderia ser considerada a soma de todos os pecados. Ao contrário, a santidade, além de ser a verdade, contém todas as virtudes: “ser santos e irrepreensíveis”, nas palavras de São Paulo (cf. 1Ts 5, 23). Por isso, Jesus descreve suas características, exorta a não imitá-las, convidando a fazer o contrário dessa conduta sinistra.
Por Pe. Fernando Gioia, EP
Publicado originalmente em La Prensa Gráfica, 9 de novembro de 2025.






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