Diocese de Bragança Paulista: a verdadeira cura nasce da Eucaristia, não do espetáculo
“Nosso papel pastoral”, escreve Dom Sérgio, “é orientar o povo de Deus a descobrir na Eucaristia o verdadeiro sacramento de cura interior e espiritual, evitando reducionismos sentimentais ou desvios litúrgicos”.

Foto: Jacob Bentzinger/ Unsplash
Redação (28/10/2025 12:10, Gaudium Press) A Diocese de Bragança Paulista publicou, no dia 16 de outubro, a Circular 11/2025, assinada pelo bispo local, Dom Sérgio Aparecido Colombo, com o tema “Instrução Diocesana sobre a Celebração de Missas com Oração por Cura e Libertação.”
O documento chega em um contexto no qual se multiplicam, em várias regiões do país, celebrações rotuladas como “missas de cura e libertação”, muitas vezes marcadas por práticas emotivas ou improvisadas. O bispo diocesano, atento a esse fenômeno pastoral, propõe uma reflexão firme: a verdadeira cura não nasce da emoção, mas do encontro com Cristo na Eucaristia.
“Nosso papel pastoral”, escreve Dom Sérgio, “é orientar o povo de Deus a descobrir na Eucaristia o verdadeiro sacramento de cura interior e espiritual, evitando reducionismos sentimentais ou desvios litúrgicos.” O bispo lembra que o desejo de cura é legítimo, mas deve ser acolhido com discernimento e caridade. Ele recorda que o homem, destinado à alegria, experimenta diariamente diversas formas de sofrimento, e que o Senhor é “aquele que liberta de todos os males”. À luz dessa verdade, toda Eucaristia já é fonte de cura e libertação, porque nela o próprio Cristo se oferece ao Pai pela salvação do mundo.
O primeiro ponto essencial da Circular é teológico. Toda Missa é, em si, celebração de cura e libertação, pois nela Cristo comunica aos fiéis a graça redentora que transforma o ser humano integralmente: corpo, alma e espírito. O bispo cita a Congregação para a Doutrina da Fé, que ensina: “Realizando a Redenção mediante o sofrimento, Cristo elevou o sofrimento humano ao nível da Redenção.” Assim, a verdadeira cura cristã não é mera experiência emocional, mas participação na obra redentora de Cristo.
Em outro trecho, Dom Sérgio aborda o carisma de cura, lembrando que esse dom é obra livre do Espírito Santo e não pertence de modo permanente a nenhum ministro ou grupo. Por isso, adverte contra o risco de induzir expectativas mágicas ou apresentar a celebração como ocasião “garantida” de milagres. A oração pela cura deve sempre estar subordinada à vontade de Deus e orientada à salvação integral da pessoa. O bispo explica que a intenção da Igreja não é reprimir a dimensão carismática da fé, mas assegurar que a liturgia mantenha sua dignidade e autenticidade, sem se transformar em espetáculo ou teatralização.
A Circular dedica boa parte de seu conteúdo às normas litúrgicas que devem orientar essas celebrações. Inspirando-se nas instruções da Congregação para a Doutrina da Fé e no Missal Romano, o documento reafirma que não se deve introduzir orações ou gestos não previstos nos livros litúrgicos. “É absolutamente proibido inserir orações de exorcismo na celebração da Santa Missa, dos Sacramentos e da Liturgia das Horas”, cita Dom Sérgio. A oração pelos enfermos, no entanto, é legítima dentro da Oração Universal, feita de modo sóbrio e comunitário. Após a Missa, podem ser realizados momentos de oração por cura e libertação, desde que claramente distintos da celebração eucarística e conduzidos com discernimento e dignidade, sem teatralidade ou sensacionalismo.
Dom Sérgio reforça ainda que cabe apenas ao bispo diocesano autorizar esse tipo de celebração, de acordo com o Código de Direito Canônico, evitando abusos e garantindo a verdadeira fé. Práticas como o chamado “passeio” com o ostensório, passando o Santíssimo sobre os fiéis, são explicitamente desautorizadas, pois “não fazem parte de nenhum rito aprovado pela Igreja”. Tais gestos, embora emocionantes, banalizam o Mistério Eucarístico e podem confundir os fiéis sobre a presença real de Cristo, que age pela fé e pelos sacramentos, e não por gestos mágicos.
Outro ponto importante da Circular é o discernimento das emoções humanas nas celebrações. Dom Sérgio reconhece que a liturgia envolve todo o ser humano, inclusive os afetos, mas adverte contra a confusão entre emoção e graça. “O risco”, diz ele, é formar uma espiritualidade dependente da sensação. Com base em ensinamentos de Bento XVI e do Papa Francisco, o documento recorda que a liturgia é obra de Cristo e da Igreja, não uma experiência subjetiva centrada na emoção. O Papa Francisco é citado ao dizer que devemos distinguir a consolação verdadeira, “como uma gota sobre a esponja, suave e íntima”, das falsas consolações, que são vistosas e entusiásticas, mas deixam o coração vazio.
O bispo exorta também os sacerdotes a formarem o povo para uma espiritualidade madura, na qual o encontro com Cristo não depende da emoção, mas da fé perseverante. Ele sugere catequeses sobre o sentido cristão do sofrimento e da cura, e orienta os fiéis a buscarem os Sacramentos da Penitência e da Unção dos Enfermos, “lugares privilegiados da graça de cura espiritual”.
Quanto aos testemunhos de curas, Dom Sérgio recomenda prudência e discernimento, pedindo que sejam comunicados à Diocese para verificação de autenticidade e prevenção de abusos. “Evite-se toda publicidade sensacionalista”, orienta.
A Circular conclui com uma reflexão inspirada nas palavras do Papa Leão XIV sobre a importância de redescobrir o sentido do mistério e o valor da penitência e da intercessão. Dom Sérgio adverte contra o risco de um “espírito consumista e utilitarista” que pode esvaziar a espiritualidade e a liturgia. “A Missa é sempre encontro com Cristo que salva, liberta e cura. Cabe a nós conduzir o povo de Deus não ao espetáculo da emoção, mas à profundidade do Mistério Pascal”, afirma.
Citando o Eclesiástico — “Filho, não desanimes na doença, mas reza ao Senhor e Ele curar-te-á” — o bispo encerra seu documento com um apelo pastoral à obediência, à sobriedade e à redescoberta do essencial: a cura verdadeira brota do encontro com Cristo, presente e vivo na Eucaristia, que age silenciosamente, transformando o coração do homem.
Por Rafael Tavares




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