São Jerônimo, ilustre “leão” da Santa Igreja
Notável Padre da Igreja, homem de caráter forte, São Jerônimo, cuja memória a Igreja celebra no dia 30 de setembro, não soube poupar forças em prol da Religião Católica.
São Jerônimo curando ao leão, por Sano di Pietro – Museu do Louvre, Paris Foto: Francisco Lecaros
Redação (29/09/2025 16:47, Gaudium Press) Em fins do século IV, num mosteiro situado nos arredores de Belém, na longínqua Palestina, ressoa compassada a voz de um monge, proveniente da sala onde o cenóbio se reúne para aurir do superior a formação espiritual, através de santas leituras.
De repente, entrou um enorme leão claudico. Armou-se grande alvoroço, os monges debandaram atemorizados, apenas um permaneceu sentado, impassível: o superior da casa. Levanta-se, chama a fera, esta aproximou-se qual dócil cordeirinho e mostrou-lhe uma pata ferida. O religioso providenciou que os irmãos a curassem e dessem a ele de comer.
Com uma mansidão estranha a tal animal feroz, agradecido pelo favor dos cenobitas, passou a viver com eles. Além de protegê-los e prestar-lhes numerosos serviços, tornou-se fiel companheiro de seu benfeitor, o reitor do convento, ilustre asceta, grande douto nas Sagradas Escrituras. Quem quer que fosse visitar o convento encontrava o monge mais das vezes com a pena na mão, debruçado sobre um pergaminho, e tendo a seu lado o majestoso animal.
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Será realidade este “fioretti” da vida de São Jerônimo? Apesar da controvérsia, o leitor não concordaria com o fato de que nenhum animal é tão apropriado para simbolizar este santo, quanto o leão?!
Com efeito, este Padre da Igreja foi um homem de caráter forte, inflamado pela glória de Deus, não poupou esforços pela Religião.
Em auxílio da Igreja
Por exemplo, uma exigência da Igreja fez com Jerônimo viajasse a Roma em 382, por ter sido convocado pelo Papa São Dâmaso a participar do Concílio Geral que ali se realizaria naquele ano. Sem embargo, ao término do Concílio, o Papa reteve-o a seu lado, tomando-o por secretário e conselheiro.
Jerônimo, de seu lado, nutria grande enlevo pelo Vigário de Cristo, e lá permaneceu. Só dali a três anos, após a morte do Pontífice, é que retomaria o caminho em direção ao seu amado Mosteiro. Nesta imprevisível estada na Cidade Eterna, ocupou-se das traduções das Escrituras, das quais o Papa era o grande propulsor.
Foi assim que começou o “homérico” ofício de traduzir a Bíblia, primeiramente corrigindo as versões latinas do Novo Testamento – feitas a partir dos textos helênicos – e, seguidamente, traduzindo os textos hebraicos veterotestamentários. Resultaria, daí, a Vulgata.
Anacoreta em combate!
Outra história deste santo é a seguinte: certa vez, Jerônimo partiu de Antioquia para as regiões desérticas de Cálcis da Síria, (junto à atual Alepo). Buscava a solidão, mas não conseguiu desfrutá-la por muito tempo, pois naquele deserto havia numerosos eremitas, e alguns deles se fizeram seus companheiros.
Nesse período, ele sofreu duras tentações. Auxiliado pela graça, combateu-as energicamente, através da oração e da penitência, modo mais certo e eficaz de rechaçar as sugestões do demônio. Aplicou-se à aprendizagem da língua hebraica, com a ajuda de um irmão de origem israelita, segundo confessou mais tarde:
– “Quanto trabalho consumi nesta tarefa” — recordava ele, já na ancianidade —; “quantas dificuldades enfrentei, quantas vezes, desesperançado, desisti para depois recomeçar”…[1]
Contudo, além de lhe renderem méritos no Céu, estes árduos momentos de estudo foram, na verdade, os alicerces da colossal missão que, anos mais tarde, ele levaria a cabo, traduzindo a Bíblia do hebraico e do grego para o latim. E por isso acrescentava: “Agradeço agora ao Senhor, pois colho os doces frutos de tão amarga semeadura”.[2]
No entanto, quis a Providência conceder-lhe ainda duas importantes conquistas: o sacerdócio, que recebeu em Antioquia, tão logo regressou do deserto; e os ensinamentos de São Gregório Nazianzeno, de quem foi discípulo ao longo de três anos, em Constantinopla. Sob o impulso deste insigne mestre, São Jerônimo traduziu do grego para o latim a Crônica de Eusébio de Cesareia e as Homilias de Orígenes.
Em tão almejado recolhimento, o Santo Doutor passou os últimos 34 anos de sua vida, sem cessar de trabalhar. Às mortificações e longos períodos de oração se sucediam horas de intensa atividade, nas quais escrevia ou ditava seus comentários exegéticos e cartas — tendo entre seus correspondentes o célebre Bispo de Hipona, Santo Agostinho —, além de compor obras de caráter biográfico e sobre a História da Igreja. Foi também ali que ele elaborou vibrantes tratados apologéticos, nos quais “contestou enérgica e vivamente os hereges que recusavam a Tradição e a Fé da Igreja”.[3]
Em Belém, terminou seus dias. Tendo ele forjado sua índole férrea no cadinho da polêmica e do asceticismo monástico, e na suavidade da devoção a Nossa Senhora, transformou-se no “sol que a Escritura ilumina”, no leão que, “derrubando os hereges”, preservou as “mensagens da Fé”.
Por João Palhares
[1] JERÔNIMO. Ad Rusticum monachum. Epistola CXXV, n.12: ML 22, 1079.
[2] JERÔNIMO. Ad Rusticum monachum. Epistola CXXV, n.12: ML 22, 1079.
[3] BENTO XVI. Audiência geral, 7 de novembro de 2007.
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