A surdez espiritual
É preciso tomar muito cuidado para não usar dos bens materiais de forma desregrada, caindo em um esquecimento completo do sobrenatural e numa surdez espiritual à voz de Deus.
Foto: Wiikipedia
Redação (27/09/2025 12:21, Gaudium Press) A liturgia desse 26º Domingo do Tempo Comum nos adverte sobre um perigoso e sutil defeito: a surdez espiritual, pela qual esquecemos, pouco a pouco, que nossa vida continua após a morte, fazendo dos prazeres terrenos nosso único fim.
Contraste entre os dois personagens
“Havia um homem rico que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas esplêndidas todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, estava no chão à porta do rico. Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E, além disso, vinham os cachorros lamber suas feridas.” (Lc 16,19-21)
O Evangelho se inicia com uma descrição contrastante. De um lado, vemos um homem possuidor dos melhores prazeres: dinheiro em abundância, roupas de excelente qualidade e alimentação abastada. Do outro lado, temos Lázaro, sem bens, saúde ou alimento, que depende das sobras do rico para sobreviver. Olhando com olhos meramente humanos, a vida do primeiro parece ser, sem sombra de dúvida, mais feliz.
O juízo e a passagem para a verdadeira vida
“Quando o pobre morreu, os anjos levaram-no para junto de Abraão. Morreu também o rico e foi enterrado. Na região dos mortos, no meio dos tormentos, o rico levantou os olhos e viu de longe a Abraão, com Lázaro ao seu lado.” (Lc 16,22-23)
Como acontece com todo homem, os dois morreram. Do corpo de Lázaro, antes coberto de feridas, não temos informações sobre o seu destino, mas de sua alma, sabemos que foi levada aos Céus. Já o rico — de quem, aliás, não conhecemos o nome — teve um destino bem diverso: foi condenado aos tormentos do inferno, de onde pede a Abraão que sejam atenuados seus sofrimentos. Diante da impossibilidade de diminuir suas dores, ele então pede por seus irmãos.
A surdez espiritual
“O rico insistiu: ‘Pai, eu te suplico, manda Lázaro à casa de meu pai, porque eu tenho cinco irmãos. Manda preveni-los’. Mas Abraão respondeu: ‘Eles têm Moisés e os Profetas, que os escutem!’ O rico insistiu: ‘Não, pai Abraão, mas se um dos mortos for até eles, certamente vão se converter’. Mas Abraão lhe disse: ‘Se não escutam a Moisés nem aos Profetas, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos’” (Lc 16,24-31)
Chama atenção, nesse trecho, o fato de Nosso Senhor afirmar que, mesmo diante de um sinal tão evidente, como alguém que ressuscitasse dos mortos, eles não acreditariam. Por que tal incredulidade? Pois estavam de tal forma voltados para os prazeres terrenos que tinham a alma surda para o âmbito espiritual.
Não nos narra o Evangelho, mas podemos supor que os irmãos desfrutavam, assim como o rico, de uma vida prazerosa, sem qualquer sofrimento ou incômodo, que os fazia colocar em dúvida a existência de um lugar de tormentos como o inferno. Nesse sentido afirmava São João Maria Vianney: “Muitos há que perdem a fé. E só creem no inferno, nele entrando”.[1]
Como podemos evitar essa surdez? Trata-se de fugirmos de toda riqueza ou bem material e vivermos na miséria? Não necessariamente, pois a razão da incredulidade do rico e de seus irmãos não foi a riqueza – pois ela, em si, é neutra–, mas o mau uso que dela faziam, perfazendo da existência nesta Terra o seu fim último e não pensando na vida após a morte.
Portanto, para não cairmos no mesmo erro, ouçamos o conselho do Apóstolo: “Tu que és um homem de Deus, foge das coisas perversas, procura a justiça, a piedade, a fé, o amor, a firmeza, a mansidão. Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado” (1Tm 6,11-12), para que assim também possamos um dia nos encontrar com Lázaro, Abraão e todos os Bem-Aventurados nos Céus.
Por Artur Morais
[1] SÃO JOÃO BATISTA, apud MONNIN, Ab. A. Espírito do Cura d’Ars. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1949, p.80-81.
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