Duas posições diante da dor
Nosso amor a Deus deve ser tal que as enfermidades, os reveses de fortuna, as calúnias, os maus-tratos, o trabalho excessivo, os desgostos e contratempos nas obras de apostolado, as ingratidões, as aridezes espirituais… enfim, todos os sacrifícios que nos sejam mandados pela mão da Providência, os recebamos de bom grado, com coragem e grandeza de ânimo.
Foto: jcomp/ Freepik
Redação (16/09/2025 09:38, Gaudium Press) Ao analisar a atitude perante o próximo, percebemos haver duas posições distintas ante a dor. A primeira é a daquele que evitou a cruz, por julgá-la indesejável, e se apegou ao gozo da vida, procurando para si somente o mais agradável; ou seja, trata-se do egoísta. A segunda, pelo contrário, é a de quem abraça a cruz com vistas ao bem do próximo.
Ai daqueles que são insensíveis às misérias e necessidades de seus semelhantes, e procuram escapar do sofrimento que devem enfrentar! Estes, se vivem em paz, estão iludidos; e a ilusão será o seu castigo. Cedo ou tarde a cruz, aumentada, correrá atrás deles, e acabarão tendo de carregar no seu caminho outra maior do que aquela que lhes cabia. E, depois de passar a vida entre desgostos e pseudoalegrias, irão muito provavelmente para o lugar do eterno sofrimento, onde tudo é amargura e louca frustração.
Alguém, entretanto, poderia levantar a seguinte dúvida: bastará ter gozado de certo bem-estar neste mundo ou de uma grande consideração perante os demais, para ser merecedor de uma pena infinita?
Não. O problema não consiste em ter posses ou boa condição. A riqueza, a fartura, a carreira, a alegria, o prestígio ou a admiração alheia não são, de si, elementos de condenação, mas, pelo contrário, dons de Deus, os quais cabem perfeitamente até na vida de um Santo. O erro está no modo como a pessoa os aprecia e na intenção com que os procura.
Os voluptuosos, cheios de orgulho e sensualidade, que praticam a injustiça e vivem no gozo permanente, desprezando as leis e revoltando-se contra Deus, estes sim tornam-se réus de maldição, conforme as palavras de Nosso Senhor no Evangelho: “Ai de vós, ricos… Ai de vós, que estais fartos… Ai de vós, que agora rides… Ai de vós, quando vos louvarem os homens…” (Lc 6, 24-26). Voluntária e advertidamente, eles sacrificaram no altar dos lucros da terra todos os bens eternos que receberiam na pátria celestial.
Aqueles, porém, que aceitam a dor de forma consciente e clara, com boa disposição de alma, encontram o segredo para penetrar na Alma de Nosso Senhor Jesus Cristo e, a cada vez que passam por algum sofrimento, sabem estar mais unidos Ele.
Benefícios do sofrimento
Ora, podemos nos perguntar por que a dor é tão necessária. Uma das razões está em que, sem ela, a criatura facilmente esquece sua contingência e fecha-se em si mesma.
Muitas e muitas pessoas que gozam de uma vida plena de satisfação e delícias – sobretudo no mundo moderno, provido de máquinas que funcionam de forma esplêndida e imerso no clima inteiramente colorido dos enredos cinematográficos e da mentalidade do happy end – habituam-se à ideia de que tudo corre do melhor modo possível e vão adquirindo a tendência de se julgarem deuses.
Assim aconteceu com os anjos maus, que quiseram tomar conta do trono do Altíssimo logo após sua criação (cf. Is 14, 13-14), e também com nossos primeiros pais, ao desejarem ser como deuses (cf. Gn 3, 5).
Outra razão pela qual a Providência permite que sejamos provados é para não virmos a cair no relativismo e na negligência, por falta de vigilância. Uma vez que estamos numa terra de desterro, onde devemos praticar as virtudes com força, Deus quer que nos tornemos batalhadores firmes, para dar-nos mais méritos.
A dor corrige os pensamentos dissimulados, modifica os preconceitos e os critérios errados; liberta a alma do amor-próprio e dos falsos pontos de honra; faz evaporar as cóleras e os rancores, impostando o espírito em consonância com o objetivo verdadeiro. A dor ilumina o homem para ter consciência – e até convicção – de sua debilidade; ela o torna humilde e o ajuda a adquirir a seriedade.
Peçamos força
A dor é um hóspede bendito, um elemento de amizade, um dom de Deus através do qual Ele muitas vezes nos visita. Ela faz o homem dobrar os joelhos e ali permanecer, ali implorar, ali voltar-se para o Senhor, ali unir-se a Ele. A dor ajuda a criatura a levantar as mãos à busca do Criador e juntá-las para pedir-Lhe que a arranque da sua insuficiência e a conduza aonde o perfeito amor a levaria.
Quando nos depararmos com as dificuldades e sentirmos as garras do sofrimento nos colher; quando nos atingirem as catástrofes, os dramas e as tragédias; quando formos malsucedidos; quando encontrarmos diante de nós obstáculos de ordem natural e preternatural, não devemos nos assustar nem nos admirar.
Longe de tomar em face da dor uma atitude covarde, caindo interiormente no desânimo ou até na murmuração contra Deus, ajoelhemo-nos e bendigamos todos os males e sofrimentos que vêm sobre nós. A exemplo do Redentor, peçamos forças para sorver até a última gota do cálice da dor e para ter a coragem do cavaleiro que, sem nunca recuar, leva sua cruz até o fim.
Mons. João Clá Dias, EP
Excertos de exposições orais proferidas entre os anos de 1990 e 2009.
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