Um novo clima em torno da missa tradicional sob o pontificado de Leão XIV?
Enquanto Francisco havia imposto uma atmosfera de contenção e silêncio, Leão XIV parece abrir espaço para a palavra, a consulta e até mesmo a crítica.
Foto: Wikipedia
Redação (02/09/2025 10:29, Gaudium Press) Em uma análise publicada no National Catholic Register, o editor Jonathan Liedl destacou um fenômeno interessante: desde a eleição de Leão XIV, em 8 de maio de 2025, a conversa em torno da Missa Tradicional em latim (MTL) mudou. Embora essa mudança não represente um decreto ou decisão formal do novo Papa, ela revela mais sobre o estilo de governo eclesial que começa a se consolidar do que sobre o futuro imediato da liturgia pré-conciliar. Enquanto Francisco havia imposto uma atmosfera de contenção e silêncio, Leão XIV parece abrir espaço para a palavra, a consulta e até mesmo a crítica.
Liedl observa que a legislação de Francisco, a Traditionis Custodes de 2021, permanece intacta, sem novas promulgações de documentos ou mudanças nas restrições. No entanto, cardeais e bispos que, durante o papado de Francisco, jamais ousaram se pronunciar publicamente, agora o fazem. Entre eles, nomes de peso como o Cardeal Kurt Koch, o Cardeal William Goh e bispos norte-americanos como Earl Fernandes e Paul Reed. Todos, em graus diversos, têm manifestado simpatia, compreensão pastoral ou mesmo admiração diante da riqueza espiritual da denominada “missa de sempre”.
O caso de Dom Earl Fernandes, bispo de Columbus, merece destaque. Em entrevista ao Catholic World Report no dia 25 de agosto, ele rejeitou a ideia de que sua celebração da missa tradicional, iniciada em 2007, tivesse qualquer motivação ideológica. Para ele, tratava-se apenas de atender a uma necessidade pastoral real e concreta: fiéis que buscavam beleza e profundidade espiritual. A frase do bispo é emblemática: “Queríamos oferecer a missa para responder à necessidade pastoral do povo. É uma parte bela da tradição da Igreja”.
Ainda mais expressivo foi o testemunho do bispo auxiliar de Boston, Dom Paul Reed, que relatou em suas redes sociais, no dia 2 de julho, ter “chorado” ao celebrar a liturgia antiga pela primeira vez. Esse detalhe é significativo. Não se trata de um veterano das batalhas litúrgicas nem de um nome associado ao chamado “tradicionalismo militante”. Dom Reed é um prelado moderado que, diante do rito, experimenta uma emoção espiritual profunda. Isso explica a abertura do momento atual: a experiência da beleza litúrgica ultrapassa os limites da ideologia. Dificilmente este pronunciamento teria sido feito durante o pontificado anterior.
Também o Cardeal Goh, de Singapura, declarou, em maio, não ver razão para impedir a escolha dos fiéis pelo rito antigo, ressaltando que eles “não estão fazendo nada de errado ou pecaminoso”. Nessa mesma linha, o Cardeal Koch manifestou o desejo de que Leão XIV demonstre abertura à celebração da liturgia antiga, mas salienta que os fiéis não devem sustentar “falsas esperanças”.
Ora, observa Liedl, se figuras como Burke ou Müller já se manifestavam abertamente contra a Traditionis Custodes — e continuam a fazê-lo —, a novidade é ver bispos mais moderados e até discretos se pronunciarem agora, sem receios. Isso sugere que o novo Papa, mesmo sem alterar a lei vigente, mudou o clima.
No entanto, seria precipitado concluir que Leão XIV já decidiu a favor da liberalização da missa. Como assinala Liedl, a realidade mostra que bispos continuam a restringir o rito em suas dioceses. Em Detroit, Dom Edward Weisenburger reduziu as celebrações a quatro locais não paroquiais. Em Charlotte, Dom Michael Martin planeja confinar essa liturgia a uma única capela dedicada, em um projeto que envolve um investimento de 700 mil dólares. Essas medidas, tomadas já sob o pontificado de Leão XIV, indicam que o campo ainda está aberto. Se o Papa tivesse sinalizado apoio claro à expansão do rito, dificilmente esses prelados avançariam em restrições custosas e impopulares.
A análise de Liedl aponta, portanto, para uma diferença essencial não no conteúdo das decisões, mas no estilo do novo Pontífice. Leão XIV governa ouvindo, é paciente, consultivo, e parece disposto a considerar diferentes perspectivas antes de tomar posição. Trata-se de uma liderança mais sinodal no sentido original da palavra: caminhar junto, escutar, pesar, discernir. Este é um contraste direto com o estilo centralizador e autodeterminado de Francisco.
Esse clima de abertura foi notado até por figuras próximas ao pontificado anterior. O Cardeal Michael Czerny, jesuíta e colaborador direto de Francisco, chegou a declarar que Leão XIV poderia ser “ainda mais inclusivo e acessível” que seu predecessor. É um testemunho revelador; se até vozes identificadas com a linha franciscana percebem a mudança de tom, é porque a realidade da atmosfera romana se alterou visivelmente.
Para os fiéis ligados à missa tradicional em latim, esse novo ambiente já é em si um alívio. Não significa que as restrições acabaram, mas seus defensores podem falar, argumentar, apresentar estudos e testemunhos, sem temer represálias imediatas.
O episódio da audiência privada concedida a Dom Raymond Burke em 25 de agosto também não pode ser ignorado. Sob Francisco, o cardeal americano havia sido marginalizado, privado até de sua renda cardinalícia. O simples fato de Leão XIV recebê-lo, escutá-lo e dar-lhe espaço já é interpretado como gesto simbólico: a palavra dos críticos da Traditionis Custodes não está interditada. Isso, no entanto, não equivale a uma adesão automática às suas posições, mas mostra disposição para o diálogo.
O horizonte permanece aberto. A questão da missa tradicional toca em pontos nevrálgicos da vida eclesial contemporânea: a continuidade doutrinal, a hermenêutica do Concílio Vaticano II, a relação entre unidade e diversidade litúrgica. O Papa não ignora que uma decisão apressada poderia gerar divisões mais profundas, mas tampouco pode ignorar que há uma juventude católica que redescobre, no rito tradicional, uma força de identidade e uma fonte de vocações.
Jonathan Liedl resume bem a situação. Ainda que os apoiadores da liturgia antiga não obtenham exatamente o que desejam, já podem estar certos de uma coisa: serão ouvidos. E ser ouvido em Roma é, muitas vezes, o primeiro passo para ser atendido.
Por Rafael Tavares
A análise de Jonathan Leidl pode ser lida na íntegra em: https://www.ncregister.com/news/pope-leo-xiv-and-tlm-conversation.
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