Patriarcas Católico e Greco Ortodoxo de Jerusalém pedem o fim da violência em Gaza
Unidade cristã diante do martírio: uma voz uníssona que ecoa dos dois centros cristãos de Jerusalém, unidos não apenas pelo vínculo histórico, mas sobretudo pela dor comum e pela urgência de defender a dignidade humana e a presença cristã na Terra Santa.
Foto: Patriarcado Latino de Jerusalém
Redação (27/08/2025 14:56, Gaudium Press) A declaração conjunta do Patriarcado Latino de Jerusalém e do Patriarcado Greco-Ortodoxo sobre a situação dramática na Faixa de Gaza, emitida no dia 26 de agosto de 2025, é um documento que combina denúncia, coragem pastoral e uma súplica pungente pela paz. É uma voz uníssona que ecoa desde os dois pivotais centros cristãos de Jerusalém, unidos não apenas pelo vínculo histórico, mas sobretudo pela dor comum e pela urgência de defender a dignidade humana e a presença cristã na Terra Santa.
O texto abre com uma citação do livro dos Provérbios: “No caminho da justiça está a vida, e no caminho de sua vereda não há morte” (Pr 12,28). É significativo que os dois patriarcas escolham um versículo tão carregado de esperança e fé para introduzir um cenário que, humanamente, beira o desespero. A Palavra de Deus, aqui, cumpre o papel de sinalizar um horizonte que não depende da lógica dos poderosos, mas do cumprimento da vontade divina. Na terra onde Cristo derramou o próprio sangue, a justiça permanece, paradoxalmente, como caminho de vida.
O comunicado descreve com clareza o avanço da operação militar israelense em Gaza, ressaltando que o governo anunciou oficialmente sua intenção de assumir o controle da cidade. A mobilização maciça de tropas e os preparativos para uma ofensiva iminente já se traduzem em relatos contínuos de bombardeios, destruição e morte. Mais recentemente, o governo israelense decretou uma ordem de evacuação para os habitantes de Gaza, que os clérigos Católicos e Ortodoxos do lugar se recusaram a cumprir.
A situação da comunidade cristã na Faixa de Gaza é dramática. O comunicado recorda que os complexos da Igreja Greco-Ortodoxa de São Porfírio e da Igreja Católica da Sagrada Família se tornaram refúgios para centenas de civis — entre eles, mulheres, idosos, crianças e pessoas com deficiência. No complexo católico, sob o cuidado das religiosas do Instituto do Verbo Encarnado, vivem há anos pessoas com graves limitações físicas e mentais, incluindo muçulmanos. A opção de fugir, para esses, simplesmente não existe: as estradas são perigosas, as pessoas estão debilitadas pela fome e pela falta de cuidados médicos. O comunicado não hesita em afirmar que tentar escapar para o sul seria, para muitos, “uma sentença de morte”.
É nesse contexto que a decisão do clero e das religiosas assume um caráter profundamente evangélico: permanecer. Permanecer para cuidar, para proteger, para acompanhar, para oferecer não apenas assistência material, mas sobretudo presença e consolo espiritual. Como bons pastores, os padres e as freiras não abandonam as ovelhas no momento de maior perigo. Ao contrário, decidem partilhar com elas o risco e, se necessário, o martírio.
A declaração vai além do drama imediato e toca nas raízes mais profundas do conflito. Os patriarcas são claros ao afirmar que não há futuro possível baseado na vingança, no cativeiro ou no deslocamento forçado de populações inteiras. Ao citar Papa Leão XIV, os líderes recordam um princípio que a Doutrina Social da Igreja tem defendido há mais de um século: “Todos os povos, mesmo os menores e mais fracos, devem ser respeitados pelos poderosos em sua identidade e em seus direitos, especialmente no direito de viver em suas próprias terras; e ninguém pode forçá-los ao exílio”. Este é um dos trechos mais contundentes do documento, pois confronta diretamente a narrativa de que operações militares justificariam o deslocamento maciço de civis. Para a Igreja, a dignidade humana está acima de qualquer estratégia política ou interesse territorial.
Nesse ponto, a declaração assume um tom mais incisivo. Não se trata apenas de proteger cristãos ou minorias religiosas, mas de defender o valor universal da vida humana. Os patriarcas clamam que é “hora de acabar com essa espiral de violência”, de “pôr fim à guerra” e de “priorizar o bem comum do povo”. As palavras são um apelo não apenas a Israel e às facções palestinas, mas também à comunidade internacional, cuja omissão tem contribuído para a perpetuação do conflito. Os líderes de Jerusalém não pedem privilégios, mas justiça; não buscam vantagens políticas, mas o reconhecimento do direito fundamental de cada pessoa à vida, à liberdade e à permanência em sua própria terra.
Chama a atenção, ainda, o equilíbrio do documento. Ao mesmo tempo em que condena o deslocamento forçado de palestinos e a devastação de Gaza, o comunicado apela pela libertação dos reféns israelenses e pelo retorno dos desaparecidos. Essa dupla preocupação revela a fidelidade da Igreja ao Evangelho, que não toma partido em ideologias ou projetos nacionalistas, mas defende de forma intransigente a dignidade de todo ser humano, independentemente de sua origem ou religião. É um chamado à reconciliação, não à revanche.
O texto conclui retomando o versículo dos Provérbios, num movimento que remete à espiritualidade dos primeiros cristãos: “No caminho da justiça está a vida, e no caminho de sua vereda não há morte”. É um convite à conversão dos corações, para que todos — governantes, líderes religiosos, combatentes e civis — possam trilhar juntos a senda da paz verdadeira. Na tradição cristã, rezar pelo inimigo e pelos perseguidores é o ápice da caridade, e aqui essa dimensão ganha contornos concretos e urgentes.
Diante de tudo isso, torna-se impossível não perceber um fenômeno que São João Paulo II previu e que o Papa Francisco reiterou com frequência: o chamado “ecumenismo do sangue”. Em Gaza, em Jerusalém, na Galileia e em tantas outras regiões do Oriente Médio, cristãos de diferentes tradições — católicos, ortodoxos, anglicanos, evangélicos — sofrem juntos, são perseguidos juntos e, muitas vezes, morrem juntos. As antigas divisões doutrinais perdem peso diante da realidade brutal do martírio compartilhado. Hoje, como talvez nunca antes, o sangue dos cristãos, derramado na Terra Santa, vira sinal de unidade e testemunha ao mundo que, na cruz, somos um só corpo.
Por Rafael Tavares
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