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“Do grito da Terra ao gemido da Criação”: a virada ambiental no pontificado de Leão XIV

Para o Pontífice, a criação geme porque o coração humano se afastou do Criador. A Terra não é apenas a morada de todos, é um altar vandalizado, ícone do juízo divino.

Foto: Diego Fernández Sánchez / Unplash

Foto: Diego Fernández Sánchez / Unplash

Redação (24/07/2025 16:53, Gaudium Press) A Missa pela Custódia da Criação, celebrada em 9 de julho, no Borgo Laudato Sì, revelou um novo tom na abordagem da Igreja ao tema da ecologia. Em sua homilia, o Papa Leão XIV denunciou que “nossa Terra está em ruínas”. A afirmação marca não apenas uma continuidade do apelo ambiental do Papa Francisco, mas uma guinada moral e teológica que redefine o modo como o Vaticano aborda a crise ecológica.

Francisco, cuja encíclica Laudato si’ (2015) se tornou referência mundial, estabeleceu um marco ao integrar a preocupação ambiental com a justiça social e econômica. A ideia da “casa comum”, tão cara ao Papa argentino, seduziu ambientalistas e ganhou espaços na ONU, nos pactos multilaterais e nos discursos sobre desenvolvimento sustentável. Sua linguagem pastoral era compassiva, sua crítica ao consumismo era incisiva. Mas seu estilo, aberto ao diálogo com instituições seculares e agendas globais, também lhe rendeu críticas internas. Setores mais conservadores viam na ecologia de Francisco um risco de dissolução doutrinária ou aproximação excessiva ao ambientalismo ideológico. Isto ficou particularmente patente durante o Sínodo da Amazônia, em 2019, marcado por debates sobre temas doutrinários como a instauração do pecado ecológico, a possibilidade de mulheres acederem à ordenação diaconal e a ordenação sacerdotal de homens casados para sanar a falta de padres nas zonas mais remotas da região. O tom ecológico terminou por proporcionar espaço para a introdução de temas que não eram o centro da discussão dos bispos. O Sínodo virou um palanque com reivindicações de líderes amazônicos e terminou com o pedido da criação de um Rito Amazônico para a liturgia da Missa. A proposta está sendo estudada pelo Vaticano.

Com Leão XIV, a pauta muda de tom e de horizonte. O primeiro pontífice norte-americano da história não rejeita a gravidade da crise ambiental, mas a insere em um diagnóstico teológico: o pecado. Para o pontífice, a criação geme porque o coração humano se afastou do Criador. A Terra não é apenas a morada de todos, é um altar vandalizado, ícone do juízo divino. Onde Francisco evocava São Francisco e os pobres, Leão XIV recorre a São João, ao Apocalipse e aos Padres da Igreja.

Na mensagem divulgada por ocasião do Dia Mundial de Oração pela Criação, o Papa clamou por uma “urgentíssima justiça ambiental”. Mas essa justiça, segundo ele, começa pela alma. Não há menção à ONU, às COPs ou à Agenda 2030. Em vez disso, ouvimos palavras como penitência, conversão e escatologia. A responsabilidade pelo colapso ecológico não recai, principalmente, sobre as estruturas econômicas ou políticas, mas sobre o coração desordenado do homem. Para Leão XIV, salvar o planeta é antes de tudo salvar o pecador.

Com isso, a relação entre os dois pontificados não é de ruptura, mas de realinhamento. O papa atual aprofunda o que seu antecessor iniciou, deslocando o centro da reflexão; da práxis à teologia; do consenso diplomático à linguagem espiritual; da expressão poética ao chamado escatológico.

A repercussão foi imediata. Setores da imprensa católica progressista lamentaram o “recuo” e a “nostalgia teológica” do Pontífice recém-eleito. Setores conservadores aplaudiram o retorno à linguagem clara, às raízes da doutrina e ao foco na conversão. Até mesmo algumas lideranças protestantes nos EUA elogiaram a ênfase dada ao pecado e à Redenção como eixo da ecologia. No entanto, para muitos especialistas, o discurso de Leão XIV representa um desafio à hegemonia do pensamento ecológico contemporâneo: um papa que fala da Criação como obra divina, exige arrependimento e recusa as soluções meramente técnicas ou políticas estará exposto à crítica dos que contavam com o apoio perene da Santa Sé na causa global de salvar o planeta.

A crise ambiental, afinal, permanece. Mas o eco que agora ressoa no Vaticano vem de outra direção. Não é o lamento das geleiras, mas o gemido de uma alma esquecida de Deus.

E é curioso notar como, quando o próximo Acordo de Paris falhar, quando os especialistas debaterem as metas climáticas e os fundos verdes evaporarem, ainda haverá um pontífice lembrando que o problema começou no coração e que talvez a solução esteja no confessionário e não no plenário da ONU.

Sejamos francos: se o “verde” da agenda da ONU fosse suficiente, o Éden já teria sido reinstaurado em Nova York ou Genebra. Mas não foi, e ao que tudo indica, nem será. Leão XIV não parece disposto a oferecer um pontificado pintado com as tintas do ambientalismo diplomático. Sua proposta, enraizada mais na espiritualidade do que no ativismo, certamente deixará desiludidos aqueles que confundiram conversão com militância e Igreja com uma ONG. Para esses, restará apenas a saudade de uma época em que, ao menos para alguns, salvar o planeta parecia mais urgente do que salvar as almas.

Por Rafael Tavares – Gaudium Press

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