A paz de Cristo ou a paz do mundo?
A simples afirmação de Nosso Senhor ao dizer “a minha paz” deixa claro que nem toda “paz” é dele.
Redação (24/05/2025 17:03, Gaudium Press) O diálogo entre Jesus e os apóstolos, relatado no Evangelho deste 6º Domingo da Páscoa, se situa num momento pungente da História da Salvação em que, após a Santa Ceia e a saída do traidor do Cenáculo, o Mestre transmite aos seus discípulos os últimos ensinamentos.
Paz, ordem e finalidade
“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo” (Jo 14,27).
A simples afirmação de Nosso Senhor ao dizer “a minha paz” deixa claro que nem toda “paz” é dele. Na continuação do mesmo versículo, Jesus enfeixa os outros modos de conceber a paz como sendo propriedade de um outro senhor, isto é, do mundo.
Há dois modos, portanto, de considerar a paz: enquanto aquela que é dada por Cristo ou aquela oferecida pelo mundo.
Qual a diferença entre elas?
As distinções são tantas que seu elenco não caberia nestas linhas. Mas, a fim de atingir o cerne da questão, convém relembrar o que Santo Agostinho ensina na Cidade de Deus:[1] ele explica que a paz é a tranquilidade da ordem, e a ordem, por sua vez, é a reta disposição das coisas segundo seu fim. Logo, se cada ser estiver disposto de modo a cumprir sua finalidade, teremos uma ordem realmente autêntica e, consequentemente, a paz de Cristo.
A teoria é perfeita, mas o problema é que, na prática, as coisas nem sempre são utilizadas conforme seu verdadeiro fim. E aqui reside um ponto nevrálgico: qual o verdadeiro fim das coisas?
Em sua epístola aos Colossenses, São Paulo arremata o assunto ao afirmar que “tudo foi criado por Ele e para Ele” (Cl 1,16). Ou seja, não há nada no Universo que não vise a glória de Deus. Desde um grão de areia até o mais elevado dos anjos, tudo foi criado por Deus, em Deus e “para” Deus.
Além do mais, a Santa Madre Igreja ensina que a finalidade do ser humano é conhecer, amar e servir a Deus nesta terra para, mediante isso, salvar sua própria alma e gozar da eterna bem-aventurança no Céu.
Portanto, qualquer ato humano que não esteja ordenado ao amor a Deus e ao próximo, foge da verdadeira finalidade do homem.
O mundanismo
Desta feita, mundanismo consiste em a pessoa julgar que o fim último dela se cumpre nessa terra e que ela foi criada para este mundo. Por exemplo: ter um carro, é uma necessidade para bem viver, e não há mal nenhum em que o veículo seja confortável e de qualidade. Mas na medida em que a intenção de uma pessoa ao comprar um veículo seja a de ser bem visto pelos amigos, angariar prestígio ou adquirir um novo status, a finalidade do ato está sendo posta no mundo, num bem aparente e transitório. Neste caso, vale o que São Paulo recomenda aos coríntios quando diz que os que usam deste mundo, devem fazê-lo como se dele não usassem (cf. 1Cor 7,31). Isso significa que não se deve entregar o coração às coisas desta terra e viver em função dos bens materiais ou do reconhecimento que os outros possam nos dar.
Por outro lado, é de aceitação comum dizer que uma família cujos membros não estão se digladiando, nem trocando golpes ou imprecações, está em paz. Entretanto, por mais que haja uma aparente tranquilidade, a paz não consiste somente na ausência de desentendimentos. Será que cada um cumpre com suas obrigações de estado? Aos pais cabe educar os filhos. Entretanto, quantas vezes esta função não é delegada à tela de celulares e computadores? Poderá alguém admitir que haja aparelho capaz de substituir o amor paterno ou o carinho de uma mãe? Assim como a caridade, também a paz começa na própria casa.
A paz de Cristo está ao alcance de todos. Basta que cada um proceda de acordo com os mandamentos da Lei de Deus, agindo de acordo com o fim que lhe compete, que a tranquilidade da ordem aí se estabelecerá.
Peçamos à Rainha da Paz que ordene nossas almas para que nossas vidas não estejam voltadas para as coisas passageiras do mundo, mas sim encetadas na prática da virtude e do amor a Deus.
Por Rodrigo Siqueira
[1] Cf. AGOSTINHO DE HIPONA. A Cidade de Deus. XIX, 13, 1. Edição digital. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 573.
Deixe seu comentário