“Cavalgada Papal”: tradição, significado e história
Nos séculos passados, depois de ser coroado em São Pedro, o recém-eleito pontífice ia para a Basílica de São João de Latrão para sua entronização. Entre os dois destinos se estendia toda a cidade de Roma, que o papa percorria montado em um cavalo. Essa procissão combinava muitos significados, associados tanto ao poder espiritual quanto ao temporal.
Fotos: Vatican news
Redação (23/05/2025 10:09, Gaudium Press) O Papa Leão XIV, bispo de Roma, tomará posse de sua “Cathedra Romana” no domingo, 25 de maio. Da Basílica de São Pedro, ele se dirigirá à sua sede episcopal, a “Sacrosanta Cattedrale Papale Arcibasilica Romana Maggiore del Santissimo Salvatore e dei Santi Giovanni Battista ed Evangelista al Laterano”, atravessando a cidade.
O cerimonial de hoje, mais de um século e meio após o fim do poder temporal dos papas, é significativamente mais simples e de caráter eminentemente espiritual, mas suas raízes históricas remontam a muitos séculos.
Cavalgada papal
Conta-se que a primeira “cavalgada papal” foi solicitada pelo Papa Nicolau IV em 27 de abril de 854. Outros a datam de mais longe, de Leão III em 795, enquanto a de Bonifácio VIII em 1295 foi descrita com grande pompa em hexâmetros latinos. Outro exemplo de pompa especial foi a tomada de posse pelo Papa Leão X em 11 de abril de 1513.
Francesco Guicciardini escreveu a esse respeito que “a primeira ação do novo pontificado foi sua coroação, feita, de acordo com o costume de seus predecessores, na Igreja de São João de Latrão, com tanta pompa – tanto por sua família e corte, como por todos os prelados e muitos senhores que ali se reuniram, e pelo povo romano – que todos confessaram que nunca tinham visto em Roma, depois das inundações dos bárbaros, um dia mais magnífico e esplêndido do que esse…”.
O cortejo desfilava lentamente, com solenidade e pompa. Centenas de pessoas estavam vestidas com suas roupas mais finas, tecidos preciosos, bordados e penas coloridas, algumas a pé, outras a cavalo. Parecia não ter fim. Uma fila sinuosa, cuja ordem de precedência era regulada com precisão milimétrica. Uma hierarquia meticulosa, regulada pelas diferentes ordenanças papais que se sucederam ao longo dos séculos.
O papa recém-eleito tinha acabado de ser coroado em São Pedro e agora estava a caminho da Basílica de São João de Latrão para sua entronização. Esse era seu primeiro ato público oficial. Esse cortejo mostrava às pessoas aglomeradas ao longo das ruas estreitas ou praças o rosto do novo pontífice, mas também o de seus colaboradores e associados e, portanto, também tinha um significado importante como uma afirmação de sua autoridade.
A ‘cavalgada papal’ – esse era seu nome – era uma cerimônia com origens muito antigas e repleta de complexos significados alegóricos, litúrgicos, religiosos e políticos.
Um exemplo impressionante é dado pelas várias gravuras ou por um afresco na Biblioteca do Vaticano: uma longa procissão em forma de serpente, em vários registros horizontais. Abaixo de cada grupo de pessoas, uma nota explica quem são: grupos de cardeais a cavalo, membros do clero, nobres, milícia papal, estrangeiros, noivos, criados de libré e assim por diante. Algumas figuras desapareceram com o tempo e outras apareceram, como os advogados do consistório, presentes desde o século XVII.
O papa partia do Vaticano – a saída, chamada em latim de exitus – e caminhava ao longo do Borgo, atravessava a Ponte Sant’Angelo e tomava a Via Papalis (hoje Via dei Banchi Nuovi, Via del Governo Vecchio, Piazza Pasquino, Piazza San Pantaleo, Piazza di Aracoeli), chegava ao Campidoglio, onde subia (adscensus) e, no Palazzo Senatorio, encontrava as autoridades da cidade que lhe prestavam homenagem. A descida (descensio) conduzia ao Fórum Romano, cujas ruínas se estendiam ao longo da antiga Via Sacra. O papa passava sob os arcos triunfais de Septimius Severus, Titus e Constantine e também sob um arco de madeira temporário nos Jardins Farnese. Ele caminhava ao longo de ruínas antigas, mas também de monumentos que permaneciam de pé, como o Coliseu.
Simbologias que ligam o passado e o presente
Esse percurso tinha um significado simbólico muito forte, de continuidade entre o passado do Império Romano, agora encerrado, e o presente do papado, cujo Vigário agora desfilava pela cidade em triunfo, como um líder antigo, como um sucessor legítimo dos Césares. Também servia como um aviso sobre a transitoriedade das coisas terrenas. Durante a coroação, o cardeal protodiácono se dirigia a ele, com a frase Sic transit gloria mundi, “Assim passa a glória do mundo”, e queimava uma toalha. Contudo, toda a cerimônia, até o ato final da entronização, lembrava ao novo pontífice a transitoriedade das coisas terrenas.
Metáfora da peregrinação
Depois de passar pelo Fórum, o cortejo papal percorria o último trecho da Via Papalis até chegar ao seu destino, a Basílica de Latrão. Esse longo itinerário é praticamente o mesmo seguido pelos peregrinos, jubilares até as basílicas. Não era uma rota fácil: as estradas naquela época eram sinuosas, úmidas, escuras e bastante estreitas. A rota da Via Papalis ou Via Papae só foi ampliada e pavimentada em 1588, sob Sisto V. Era um cortejo com significado espiritual, uma peregrinação e, de forma alegórica, ligava a Jerusalém do Ocidente, São Pedro, à Jerusalém do Oriente, São João.
Meios de transporte
A partir do século XII, o Papa passou a andar em uma mula branca, assumindo vários significados simbólicos. Os Evangelhos contam que, no Domingo de Ramos, Jesus entrou em Jerusalém montado em um jumento ou jumentinho; na Bíblia, Zacarias prenunciou a vinda do Messias “humilde e montado num jumento, um jumentinho, cria de jumenta”. Por fim, o burro branco, conhecido como “chinea”, era o tributo do rei de Nápoles ao Estado Papal, estabelecido no século XIII e abolido em 1885.
Durante a Renascença, o cavalo passou a ser usado como uma analogia à nobreza cavalheiresca, para demonstrar até mesmo externamente a dignidade do Vigário de Cristo. Além disso, o cavalo elevava aqueles que o montavam, fazendo com que as pessoas que o olhavam e o aclamavam percebessem toda a sua majestade, ao mesmo tempo espiritual e temporal. No século XVI, passou a ser usada a liteira, no século seguinte, a carruagem. A partir de 1939, com Pio XII, o meio de transporte passou a ser o automóvel.
E foi também o Papa Pacelli que retomou o antigo costume de “tomar posse” que havia sido interrompido por vários pontificados, de Leão XIII a Pio XI. Após a tomada de Roma em 1870, o Estado Papal havia de fato permanecido confinado dentro das muralhas leoninas. A cidade havia sido perdida e, com ela, o poder temporal do Papa, que, a partir de então, não era mais rei, mas pastor da Igreja universal. Naqueles anos, os ritos associados à eleição eram todos realizados na Basílica de São Pedro. Até mesmo o Habemus Papam, o anúncio do papa eleito, não era pronunciado da Loggia, de frente para a praça e, portanto, Urbi et Orbi, mas dentro da própria basílica. Naturalmente, a procissão papal para a Basílica de São João de Latrão também foi suspensa. Porém, com o Papa Pacelli, os tempos mudaram, e a “tomada de posse” tornou-se uma viagem de carro muito mais sóbria e simples.
Com informações Vatican news
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