Comunicar na sociedade do espetáculo: o primeiro desafio do Papa Leão XIV
A comunicação atual privilegia o imediato, o visual e o emocional, muitas vezes em detrimento da reflexão e da profundidade. Isso pode levar a uma compreensão rasa da fé, reduzida a slogans e frases de efeito.
Foto: Vatican news
Redação (15/05/2025 16:13, Gaudium Press) No cenário contemporâneo, marcado por uma revolução comunicacional sem precedentes, a Igreja Católica enfrenta desafios inéditos para anunciar o Evangelho. A sociedade do espetáculo, termo que sintetiza a predominância das imagens, do entretenimento e da superficialidade nas relações humanas, impõe uma nova dinâmica à missão evangelizadora. É nesse contexto que o Papa Leão XIV, recém-eleito e já reconhecido por sua experiência missionária e episcopal no Peru, assume a liderança da Igreja com um discurso inaugural que chamou a atenção de jornalistas, teólogos e fiéis ao redor do mundo.
O vaticanista italiano Sandro Magister, em seu último post no blog Diakonos, oferece uma análise perspicaz sobre esse discurso e as implicações que ele traz para a comunicação e a evangelização na era digital. Magister não apenas destaca as palavras do Papa, mas também as insere em um contexto histórico e teológico, evocando a herança dos Padres da Igreja e os desafios enfrentados por eles em tempos de crise.
No dia da sua eleição, o Papa Leão XIV dirigiu-se a uma assembleia de mais de cinco mil jornalistas de todo o mundo, em uma audiência pública histórica. Em seu discurso, ele enfatizou dois temas centrais: a paz e a verdade. Para o Pontífice, esses valores são inseparáveis e fundamentais para a convivência humana e para a missão da Igreja.
O Papa ressaltou que a paz não é apenas a ausência de guerra, mas um estado de harmonia que exige respeito mútuo, diálogo sincero e compromisso com a justiça. Ele lembrou que a comunicação, quando usada com responsabilidade, pode ser um instrumento poderoso para a construção da paz, promovendo a compreensão entre os povos e combatendo a desinformação.
Outro ponto crucial do discurso foi a defesa da liberdade de imprensa. O Papa Leão XIV manifestou sua solidariedade a todos os jornalistas que, em diversas partes do mundo, enfrentam perseguições, prisões e até a morte por buscarem reportar a verdade. Ele afirmou que a liberdade de expressão é um direito fundamental, e que a Igreja apoia aqueles que exercem essa missão com ética e coragem.
Um dos momentos mais marcantes do discurso foi a citação de Santo Agostinho: “Vivemos bem e os tempos serão bons. Nós somos os tempos.” Com essa frase, o Papa quis lembrar que cada geração tem sua responsabilidade histórica, e que a Igreja deve estar atenta às mudanças do mundo, sem perder sua identidade e missão.
Sandro Magister, conhecido por sua capacidade analítica e profundo conhecimento da Igreja, oferece uma leitura que vai além das palavras do Papa. Em seu post no Diakonos, ele destaca que o discurso do Papa Leão XIV é um convite à reflexão sobre o papel da Igreja na era da comunicação de massa e da sociedade do espetáculo.
Magister retoma o conceito de “sociedade do espetáculo”, popularizado pelo filósofo francês Guy Debord, para descrever um mundo onde a imagem e o entretenimento dominam as relações sociais. Nesse cenário, a comunicação perde sua dimensão ética e se torna um produto de consumo, muitas vezes vazio de significado profundo.
O vaticanista alerta para o perigo de a Igreja ceder à tentação de transformar sua liturgia e sua mensagem em espetáculo para competir com os meios modernos. Essa estratégia, segundo ele, pode levar à perda da profundidade do Evangelho e à diluição da fé, reduzida a um mero entretenimento religioso.
Magister enfatiza que a resposta a esses desafios não pode ser meramente técnica ou midiática, mas deve se apoiar na sabedoria dos Padres da Igreja, como Santo Agostinho, São Ambrósio, São Leão Magno e São Gregório de Nissa. Esses mestres da comunicação do passado souberam dialogar com seu tempo, enfrentando as correntes anticristãs com argumentos sólidos e uma fé profunda.
Para compreender melhor a proposta do Papa Leão XIV e a análise de Sandro Magister, é fundamental revisitar a tradição dos Padres da Igreja no que diz respeito à comunicação e à evangelização.
Santo Agostinho, bispo de Hipona, é talvez o mais influente dos Padres da Igreja. Sua obra, marcada por uma profunda reflexão filosófica e teológica, é também um exemplo de comunicação eficaz. Agostinho sabia usar a retórica para persuadir e converter, adaptando sua linguagem ao público e ao contexto.
São Ambrósio, bispo de Milão, foi um grande orador e defensor da fé cristã contra as heresias. Sua capacidade de falar com clareza e autoridade ajudou a consolidar a Igreja em um período de grandes desafios.
São Leão Magno, Papa no século V, enfrentou crises políticas e religiosas com discursos que reafirmavam a unidade da Igreja e a verdade do Evangelho. Sua habilidade em comunicar a fé foi crucial para a sobrevivência da Igreja em tempos turbulentos.
São Gregório de Nissa, irmão de Basílio, combinou a profundidade teológica com uma linguagem acessível, tornando o mistério cristão compreensível para os fiéis.
Vivemos em uma era dominada por redes sociais, streaming, vídeos virais e uma avalanche de informações. Essa realidade impõe desafios específicos para a evangelização.
A comunicação atual privilegia o imediato, o visual e o emocional, muitas vezes em detrimento da reflexão e da profundidade. Isso pode levar a uma compreensão rasa da fé, reduzida a slogans e frases de efeito.
A facilidade de produção e disseminação de conteúdo também abre espaço para a manipulação da informação e a propagação de notícias falsas, que podem confundir os fiéis e enfraquecer a credibilidade da Igreja.
Nesse contexto, a Igreja precisa formar comunicadores capazes de dialogar com a cultura contemporânea, usando as ferramentas modernas sem perder a fidelidade ao Evangelho.
Diante desses desafios, o Papa Leão XIV parece consciente da necessidade de uma evangelização renovada, que respeite a tradição e, ao mesmo tempo, dialogue com o presente.
Apesar das poucas palavras, o Pontífice deixou claro que comunicar a fé não é apenas informar, mas testemunhar a verdade com autenticidade e amor. O Papa Leão XIV parece apostar na renovação da Igreja como um organismo vivo, capaz de se adaptar sem perder sua essência. Será interessante ver como organizará o Dicastério para a Comunicação do Vaticano, severamente criticado pelos meios italianos por sua falta de competência, transparência e alto custo de manutenção.
Após a leitura do artigo de Magister, resta ainda uma pergunta: numa sociedade onde o futuro parece que já chegou, conseguirá o papa Leão XIV responder aos desafios presentes com ensinamentos do passado? Seus próximos discursos, ou a falta deles, darão a resposta.
Por Rafael Tavares
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