Aveline, o João XXIV da França? Uma análise de sua possível eleição ao papado
Francisco parece não ter perdido nenhuma oportunidade de promover Aveline: nomeou-o bispo auxiliar em dezembro de 2013, arcebispo em 2019 e cardeal em 2022.
Foto: Vatican news
Redação (02/05/2025 09:25, Gaudium Press) O nome do cardeal francês Jean-Marc Aveline começa a ganhar destaque nos bastidores de Roma à medida que a sucessão de São Pedro se torna uma possibilidade real, embora envolta em discreto silêncio. Arcebispo de Marselha desde 2019 e cardeal desde 2022, Aveline representa uma síntese interessante do que a Igreja parece buscar neste momento: um perfil pastoral, aberto ao diálogo e, acima de tudo, previsivelmente imprevisível.
Nascido em 26 de dezembro de 1958, em Sidi Bel Abbès, na Argélia, Aveline mudou-se ainda jovem com sua família para Marselha. Fez seus estudos nos liceus Victor-Hugo e Thiers, ingressando em 1977, no seminário interdiocesano de Avignon. Mais tarde, transferiu-se para o seminário carmelitano de Paris, cursando Teologia no Instituto Católico de Paris e Filosofia na Sorbonne. Ordenado sacerdote em 3 de novembro de 1984, desempenhou diversas funções acadêmicas e pastorais, como professor de Teologia, diretor do seminário de Marselha e fundador do Instituto Católico do Mediterrâneo. Doutorou-se em Teologia no ano 2000. Foi nomeado bispo auxiliar em 2013, arcebispo em 2019 e, finalmente, cardeal em 2022, recebendo o título de Santa Maria no Monte.
Segundo matéria recente do portal norte-americano Crux Now, Aveline é descrito como um “pastor teologicamente bem formado, socialmente engajado e profundamente enraizado no mundo mediterrâneo”. Sua trajetória reflete um homem marcado pela convivência com cristãos, muçulmanos e judeus em um dos centros urbanos mais plurais da França. Sua ênfase no diálogo inter-religioso é constante — algo que, para seus defensores, demonstra abertura; para seus críticos, representa ambiguidade.
Ainda segundo o Crux, Marselha, uma cidade portuária, é, e sempre foi, um ponto de encontro natural de povos, culturas e religiões. Atualmente, cerca de 25% da sua população é muçulmana, em sua maioria oriunda do norte da África. Trata-se de um lugar de contrastes, entre grande riqueza e pobreza gritante nos bairros periféricos do norte, os chamados Quartiers Nord. Marselha é também um observatório privilegiado dos efeitos das mudanças climáticas: aumento das temperaturas, ondas de calor e erosão costeira. É, enfim, uma espécie de síntese dos dilemas sociais e culturais do século XXI — terreno fértil para um pastor sensível e engajado como Aveline.
Durante a visita do Papa Francisco à cidade, em setembro de 2023, ficou evidente a estima do Pontífice tanto pela cidade quanto pelo seu arcebispo. Aveline é frequentemente lembrado como “filho espiritual” do falecido Cardeal Roger Etchegaray, também ex-arcebispo de Marselha e figura emblemática no Pontifício Conselho Justiça e Paz. Etchegaray foi celebrado por sua cultura, abertura e compromisso com o diálogo — qualidades que, segundo observadores, marcam igualmente seu discípulo.
Desde o início de seu pontificado, Francisco parece não ter perdido nenhuma oportunidade de promover Aveline: nomeou-o bispo auxiliar em dezembro de 2013, arcebispo em 2019 e cardeal em 2022. A relação entre os dois vai além do institucional — há afinidade de visões e estilo pastoral.
No College of Cardinals Report, portal especializado nos perfis dos cardeais, mantido pelos vaticanistas Edward Pentin e Diane Montagna, Aveline é apresentado como uma figura com forte formação intelectual: teólogo, reitor de instituto e participante do Pontifício Conselho para a Cultura. No entanto, o mesmo relatório destaca sua falta de experiência na Cúria Romana — um possível ponto fraco, considerando a complexidade dos bastidores e das articulações de um conclave.
Aveline teve papel de destaque na recepção ao presidente Emmanuel Macron durante a visita papal de 2023. Segundo o College of Cardinals Report, sua capacidade de diálogo com líderes políticos e religiosos impressiona. Resta saber se isso o aproxima de um perfil “diplomático” de papa ou o afasta da imagem de um líder espiritual com autoridade doutrinal clara.
O cardeal francês também tem se destacado por sua defesa da sinodalidade. Em entrevista ao Vatican News, publicada em 26 de outubro de 2024, Aveline declarou que o Mediterrâneo “merece um Sínodo”, por se tratar de uma região marcada por desafios peculiares. Para ele, o caminho sinodal é um instrumento eficaz para enfrentar coletivamente as dores humanas — desde o drama dos migrantes até a articulação entre santuários, jovens, prefeitos e comunidades religiosas distintas. “Trata-se de caminhar juntos para encontrar soluções comuns”, afirmou.
Há quem veja em Aveline ecos do Papa João XXIII. Assim como Roncalli, Aveline vem de uma trajetória pastoral longe dos centros de poder, sendo reconhecido por sua cordialidade, cultura e visão aberta e uma relação com a França. E à semelhança de João XXIII, que foi núncio na terra natal de Aveline, ele poderia ser considerado uma escolha “de transição” — um pontífice que entra em silêncio e sai fazendo história.
Conforme analisa o Crux Now, se os cardeais desejarem alguém que continue o legado de Francisco, mas com maior capacidade de escuta às diversas sensibilidades católicas e de apaziguamento das tensões internas da Igreja, Aveline pode se revelar um candidato altamente atrativo. Sua formação em Marselha o capacitou a lidar com questões prementes como migração, pobreza, diálogo inter-religioso e crise ambiental.
Crux Now assinala também que sua simpatia e carisma o tornam uma figura publicamente cativante — quase um antípoda ao estilo confrontativo de lideranças globais como Donald Trump. Tal perfil poderia beneficiar a imagem pública da Igreja e até contribuir para a revitalização de seu dinamismo missionário. Ainda segundo fontes deste site norte-americano, o interesse por Aveline não se limita apenas ao contexto europeu; alguns cardeais latino-americanos também veriam com bons olhos sua candidatura, reconhecendo nele uma alternativa autenticamente global.
No entanto, há fatores que pesam contra sua eleição. Aveline carece de experiência diplomática em cenários de crise internacional e não domina o idioma italiano — um obstáculo considerável no cotidiano da Cúria Romana. Além disso, com apenas 66 anos, seu eventual pontificado poderia ser longo demais, restringindo as oportunidades de escolha para outros cardeais que se aproximam da faixa dos 70 anos.
Por outro lado, para os cardeais que se identificam com a recente oração escrita pelo cardeal Camillo Ruini — pedindo um papa que garanta “a certeza da verdade e a segurança da doutrina” —, Aveline talvez não seja o nome ideal. Ele evita posicionamentos públicos firmes sobre questões teológicas controversas e adota uma postura mais reservada. Sua visão pastoral progressista pode gerar inquietações entre aqueles que esperam uma orientação mais firme no que diz respeito à Doutrina e à Tradição Católica.
Há quem afirme que Aveline estaria entre os favoritos de Francisco para sucedê-lo. Convém questionar se Aveline seria apenas mais um nome nas listas dos papabili, ou se estamos diante de um presságio. A semelhança com João XXIII seria apenas estética ou profética? Estaria entre nós, já hoje, o futuro João XXIV — e com sotaque marselhês?
Ironias à parte, se os cardeais buscam uma versão europeia de Francisco para sucedê-lo, encontrarão no Cardeal Aveline um bom candidato.
Por Rafael Tavares
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