Amor de mãe
Quando um filho perde a sua mãe, mesmo sendo bem idosa, ele perde uma referência, um porto seguro, uma fonte de dedicação, um ponto de apoio, e vai tatear um pouco até sentir-se em terra firme novamente. Porém, há algo incomparavelmente pior do que perder a mãe…
Foto: Jennifer Kalenberg/ Unsplash
Redação (16/04/2025 11:40, Gaudium Press) Embora de vez em quando apareça uma ou outra exceção, é tido como certo, em qualquer lugar do mundo, que não existe amor igual ao amor de mãe. Até se costuma dizer que mãe é algo tão sublime que até Deus quis ter uma, fazendo-Se homem e encarnando no seio de Maria.
As mães às vezes implicam, controlam, obrigam os filhos a comerem ou se agasalharem, cismam com algum amigo que sentem não ser boa companhia e, geralmente, tratam os filhos como crianças mais ou menos até eles completarem 60 anos. Mas, enfim, mãe é mãe e feliz de quem tem a sua!
Perder a mãe
Certa vez, ouvi um médico se referir à maternidade como o estado mais interessante do ser humano: uma mulher carrega o filho no ventre durante noves meses, depois, ele sai do seu ventre, entra na sua cabeça e fica lá o resto da vida.
Têm coisas que só as mães sabem, só as mães entendem, e os filhos só vão compreender quando amadurecerem e, mais frequentemente, quando as perderem. Isso, quando compreendem, porque há aspectos que são verdadeiros mistérios, sobre os quais ninguém, além das mães, consegue ter domínio.
Quando um filho perde a sua mãe, mesmo sendo bem idosa, ele perde uma referência, um porto seguro, uma fonte de dedicação, um ponto de apoio, e vai tatear um pouco até sentir-se em terra firme novamente.
Porém, há algo incomparavelmente pior do que perder a mãe…
As histórias de duas mães
Melissa, uma mulher católica, na casa dos 40 anos, vive numa cidade do interior de São Paulo, e é mãe de uma menina extraordinariamente bonita, inteligente e educada. Filha única, apesar de já ter 13 anos, idade em que os adolescentes começam a achar que sabem tudo e estão preparados para dominar o mundo, a mocinha costuma passar muito tempo com os pais, gosta de passear com eles e todos os domingos os acompanha à Missa. A mãe é um orgulho só e se derrete quando alguém menciona as qualidades de sua filha.
Anne, uma mulher britânica, tem 51 anos e também é mãe de um filho único. Embora não saiba muito sobre ela, posso deduzir que não seja católica e talvez nem mesmo acredite em Deus.
Sobre o filho de Anne não temos informações, mas, da filha de Melissa, uma característica se destaca: ela adora cavalgar e está fazendo aulas de equitação. Numa dessas aulas, o cavalo se assusta com alguma coisa e pula, equilibrando-se nas patas traseiras. A menina cai. Traumatismo craniano. A menina morre.
Não sabemos quando e nem como, mas o filho de Anne também morreu, mais ou menos na mesma época que a filha de Melissa.
Duas mães destroçadas, dois corações atravessados por um gládio de dor. Certamente as duas desejariam ter morrido no lugar de seus filhos e se questionam o motivo de pessoas tão jovens perderem suas vidas.
Uma importante decisão
Costuma-se dizer que o filho que perde a mãe ou o pai se torna órfão, mas, quando os pais perdem um filho é uma dor que não tem nome.
Dias de desespero, apatia, incredulidade, dificuldade em sair da cama, lágrimas, gritos, delírio, desesperança.
Os dias passam, as semanas passam, os meses passam. Melissa não teve coragem de desmontar o quarto da filha e nem de se desfazer de suas coisas. Lá no Reino Unido, pode ser que Anne também tenha tido essa mesma atitude.
As duas mães percebem que a vida continua, e que alguma coisa precisa ser feita. Melissa se apega cada vez mais à sua fé e passa longas horas ajoelhada aos pés de Nossa Senhora, afinal, quem melhor que a Mãe de todas as mães para entender a dor que ela sente?
Anne se entrega cada vez mais à sua dor. Tudo parece cinza, sente que alguém apagou a luz, nada mais tem cor, nada mais tem brilho, nada mais faz sentido.
Ambas precisam fazer alguma coisa para tentar romper com aquele estado que alterna desespero e apatia; então, cada uma delas, dentro de sua realidade, toma uma decisão.
A execução dos projetos
Melissa consulta o seu pároco, pessoa em quem encontrou muito apoio durante a travessia tão difícil. Fala com o esposo e depois com algumas amigas. Todos apoiam a sua decisão. Aos poucos, com dificuldade, mas com perseverança, vai dando um passo de cada vez para desenvolver a ideia.
Do outro lado do mundo, Anne fala com sua família, que também a apoia; tirar umas férias parece a alternativa perfeita para sair um pouco daquela situação, respirar novos ares, conhecer outras pessoas.
No dia da viagem, os mais próximos a acompanham até o aeroporto, torcendo para que ela faça uma viagem tranquila e possa serenar um pouco o seu coração. Afinal, mais de um ano já se passou. Férias na Suíça são uma excelente opção!
O projeto de Melissa vai tomando corpo, ela encontra o local que parece adequado, fala com as pessoas-chave e recebe mais apoio e interesse do que imaginava. O próximo passo é pensar no texto das mensagens que enviará às pessoas.
Coincidentemente, na Suíça, Anne também envia mensagens a várias pessoas de seu relacionamento.
Nas mensagens de Melissa, um convite para todos os pais e mães que perderam seus filhos. Ela acaba de criar um grupo de apoio, um espaço para que os pais enlutados expressem a sua dor e dividam a sua experiência com outros que enfrentam a mesma situação. O nome do grupo, Amor além da vida.
As pessoas recebem suas mensagens com gratidão, muitos veem em seu gesto o alento que precisavam. Juntas, e com o apoio de duas psicólogas que atuam como voluntárias, aquelas pessoas começam a se fortalecer ao ouvirem a dor umas das outras e, todas juntas, encontram um apoio maior na presença de Deus, primeiro convidado para essa brilhante iniciativa.
A mensagem de Anne
Enquanto isso, na Grã-Bretanha, os familiares de Anne começam a receber suas mensagens. A primeira foi sua irmã, Delia: “Se você está lendo isso, eu não estou mais aqui. Eu pensei muito sobre isso e preciso encontrar o meu filho e fazer algumas perguntas a ele. Não há nada que você pudesse ter feito, porque essa foi minha decisão de ir para a Suíça e ficar em paz. Não posso continuar e ficar mais velha sem meu filho”.
Indignada, a família se dá conta de que Anne não viajou à Suíça em férias – como imaginaram – mas para realizar o suicídio assistido, que é legalizado naquele país, inicialmente para atender pessoas com doenças terminais e dor crônica, porém, com o tempo se tornou muito mais flexível e exige apenas que a pessoa tenha convicção do que está fazendo, ou seja, de que quer morrer e pague o valor cobrado para isso.
Sobre a ação de Melissa, várias outras mães e pais relatam que encontram forças na maneira como ela vivencia e tenta superar a sua própria dor, doando-se para acolher a dor do outro:
“É impressionante como essa mulher, mesmo diante de um sofrimento tão grande é capaz de nos dar alento e esperança.”
“A atitude dela me tirou do fundo do poço. No grupo que ela fundou, encontrei solidariedade e me senti amparada pelos braços de Deus.”
“As reuniões não vão trazer meu filho de volta, mas me permitem continuar disponível para minha família.”
Sobre a ação de Anne, os familiares comentam: “Ela era uma das pessoas mais saudáveis que conhecíamos. Nunca imaginamos que a viagem dela tinha esse propósito. Perdemos o chão. Estamos arrasados. Ela não superou a morte do filho e isso fez com que tomasse essa decisão extrema”.
Em sua carta à irmã, Anne diz que precisa “fazer algumas perguntas ao filho”, o que nos faz supor que ele também pode ter se suicidado. Em sua atitude nociva e premeditada, ela age como quem escolhe a morte para ir tirar satisfações com Deus.
Na atitude de Melissa, ela diz: “Senhor, essa dor é maior que eu, mas o Senhor é maior que a minha dor! Cuide de mim, Senhor, e me ajude a cuidar de outras pessoas para juntos podermos aceitar a sua vontade, que não compreendemos, mas respeitamos”.
Sem dúvida, a dor de todas as mães que perdem um filho é insuportável. A diferença está em que, enquanto umas têm a Deus e n’Ele esperam e confiam, outras têm apenas a dor.
Por Afonso Pessoa
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