Jesus veio perdoar
“Vai e não peques mais”. A misericórdia de Nosso Senhor é infinita; libertando os pecadores do peso de suas culpas os atrai ao perdão.
Redação (08/04/2025 09:51, Gaudium Press) Ninguém jamais poderá imaginar a irresistível força de atração exercida por Jesus em relação a quem viesse a conhecê-Lo. Tal é seu empenho em fazer o bem que, logo ao raiar do dia, Ele vai ao Templo, certamente já seguido por outros pelo caminho. À sua entrada todos se juntam a seu redor para ouvi-Lo. Era o início de mais uma longa jornada de pregação conversada, na qual poderiam tomar parte ativa, com perguntas ou comentários, quaisquer dos presentes, numa atmosfera inteiramente amena e familiar. Por isso, Ele Se sentou e começou a ensinar. De repente, aquele sagrado convívio foi interrompido por um fato inusitado.
A adúltera é apresentada a Jesus
“Os escribas e os fariseus trouxeram-Lhe uma mulher que fora apanhada em adultério. Puseram-na no meio da multidão…” (Jo 8,3-4a)
Esse fato, inevitavelmente, levanta uma importante questão: o que teria acontecido com o homem implicado na mesma falta? Qual a razão de ele não ter sido apresentado a Jesus, nessa ocasião? Ora, o texto da Escritura é peremptório sobre a obrigatoriedade da punição de ambos: “Se um homem cometer adultério com uma mulher casada, com a mulher de seu próximo, o homem e a mulher adúltera serão punidos de morte” (Lv 20,10); ou ainda: “Se se encontrar um homem dormindo com uma mulher casada, ambos deverão morrer: o homem que dormiu com a mulher, e esta da mesma forma. Assim, tirarás o mal do meio de ti” (Dt 22,22). Várias hipóteses levantam os autores a esse respeito; não encontramos, porém, nenhuma que leve até ao extremo a desconfiança em relação à perfídia daqueles escribas e fariseus. Permitido nos seja, conhecendo a consumada maldade que lhes era característica, levantar uma suspeita sobre a “fuga” do infrator adúltero: não seria ele cúmplice de seus mandantes para, assim, conseguirem um flagrante? Neste caso, provavelmente, a adúltera teria sido induzida ao crime, deixando-se levar mais por ingenuidade e pela inclinação de suas paixões, do que por dolo.
Cabe aqui a pergunta clássica: “A quem aproveitou o crime?”. Já na época de Daniel, os acusadores não haviam conseguido agarrar o suposto parceiro de Susana no adultério caluniosamente inventado pelos dois juízes anciãos. E, no caso do Evangelho de hoje, quem era o criminoso? A mulher teria se negado a declará-lo? Espanta-nos a facilidade com que os escribas e fariseus encontraram uma adúltera, para ser introduzida no Templo, bem àquela hora e em tal circunstância, tão favoráveis para armar uma cena show que envolvesse a Jesus.
Jesus eleva a questão do plano jurídico ao moral
No Deuteronômio encontramos a clara obrigatoriedade de a primeira testemunha de um crime, punido com pena de morte, atirar a primeira pedra: “Tens, ao contrário, o dever de matá-lo: serás o primeiro a levantar a mão para matá-lo, e a levantará em seguida o povo” (Dt 13,9). Ou, como mais adiante: “As mãos das testemunhas serão as primeiras a feri-lo para matá-lo, depois as mãos de todo o povo” (Dt 17,7).
Diante do Senhor, encontravam-se mestres da Lei e fariseus, peritos no domínio desses conhecimentos relativos à jurisprudência. Portanto, Jesus não se exime, pronuncia a sentença, mas, a propósito de sua execução, aproveita o ensejo para transferir a problemática do campo jurídico a um plano muito mais elevado, ou seja, o moral.
Frase divinamente célebre, se ela fosse gravada de forma indelével em nossos corações, compenetrados estaríamos de nossa indignidade, de nossas insuficiências, pecados, etc., e não seríamos ásperos com ninguém, nem repreenderíamos com dureza de coração os culpados. Doçura, humildade e compaixão constituiriam a essência de nosso relacionamento, e assim, atrairíamos a benevolência de Deus e seríamos causa de edificação do próximo.
“Creio que Cristo quis criticá-los, e não só dava a entender que podiam pecar, enquanto homens, e que eram pecadores de fato — quer dizer, que estavam manchados de pecados como a generalidade dos homens — mas também que eram hipócritas: cheios de iniquidade no interior, enquanto no exterior fingiam santidade e zelo religioso, tratando de apedrejar aquela mulher. Increpou-os como naquela outra ocasião em que os chamou de sepulcros caiados (cf. Mt 23, 27). Feriu-os, portanto, no íntimo da consciência, ao dizer-lhes: ‘Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra’, dando a entender que eles eram réus daquele pecado ou de outros maiores. Mas essa acusação é tão prudente que não parece ser Ele quem a faz, mas a consciência de cada um deles. O Salvador os remete às suas próprias consciências, estabelecendo-as como juízes, como se Ele ignorasse o que nelas havia. De certo modo, é de direito natural que quem acusa ou condena alguém esteja livre do pecado que lhe reprocha”.[1]
Escrevendo, Jesus acusava os acusadores
Por mais que São Jerônimo não seja acompanhado pela maioria dos autores, parece ter ele inteira razão em sua análise a respeito da escrita de Jesus no solo. Não cremos ser de boa linha a opinião de alguns comentaristas, de que Jesus escrevia sem um objetivo definido, como simplesmente querendo significar seu desinteresse pela questão levantada, ou para ganhar tempo. Tudo leva a crer que os pecados, dignos do mesmo castigo, cometidos pelos acusadores, figuravam naquela escrita aparentemente informal. Santo Ambrósio é também partidário desta hipótese de São Jerônimo.
Se assim de fato foi, Jesus procedeu com invariável sabedoria e, ademais, com suma bondade, pois poderia contra-acusar de público cada um deles, e não o fez. Muito pelo contrário, colocava-lhes à disposição seu total perdão. Bastaria um arrependimento interior e um pedido de misericórdia, ainda que implícito, para todos saírem daquela situação em inteira harmonia com Deus e até mesmo entre eles próprios. Jesus lhes oferecia essa grande oportunidade, mas…
“A essas palavras, sentindo-se acusados pela sua própria consciência, eles se foram retirando um por um, até o último, a começar pelos mais idosos, de sorte que Jesus ficou sozinho, com a mulher diante dele” (Jo 8,9).
A continuação da narração contribui, ainda mais, para a probabilidade de estar relacionada a escrita no solo com os pecados de cada um dos acusadores. Não teria Jesus começado pelos mais velhos? Se o simples enunciado da sentença os tivesse convencido a todos, a desistência deveria ser coletiva e concomitante. O fato de se retirarem um a um indica que a conclusão de não ser conveniente ali permanecer, foi individual e sucessiva. Por outro lado, a ser verdadeira a interpretação de São Jerônimo e de Santo Ambrósio, não reconheceram aqueles homens suas faltas e delas não pediram perdão.
O pecado não compensa
“Então Ele Se ergueu e vendo ali apenas a mulher, perguntou-lhe: ‘Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou?’ Respondeu ela: ‘Ninguém, Senhor’. Disse-lhe então Jesus: ‘Nem Eu te condeno. Vai e não tornes a pecar’” (Jo 8,10-11).
Ao notar a adúltera que seus acusadores iam-se retirando, começou a sentir crescente alívio em seu interior, atingindo um clímax após a saída do último deles. A perspectiva da morte por lapidação a amedrontara e promovera uma constatação frequente nos pecadores arrependidos: o pecado não compensa! A grande vergonha e humilhação diante daquele numeroso público talvez a fizessem sofrer ainda mais.
A última terrível prova: o santíssimo olhar de Jesus. A Sagrada Face, íntegra em sua divina moralidade, a pureza e a virgindade em essência, sendo contempladas pelo delírio carnal envergonhado e arrependido… Só um ardoroso sentimento salvaria do merecido castigo aquela pobre alma: um pedido de perdão! Jesus não exigirá dela uma declaração explícita e formal, apenas lhe manifestará sua insuperável delicadeza: “Ninguém te condenou?”
Respeitando a Lei, Jesus é misericordioso
Com um procedimento tão sábio quanto inusitado, ninguém mais poderia acusar o Mestre de haver desconsiderado a Lei de Moisés e, portanto, de ter sido exageradamente indulgente. Ele não repetira senão a própria atitude dos fariseus e, ademais, Ele levara a pecadora a declarar: “Ninguém, Senhor”. Seguindo o exemplo de todos, Ele tampouco a condenaria.
Assim, “quebra o laço que Lhe armaram os caçadores” (Sl 123, 7), confirma a Lei, faz rebrilhar sua dignidade, põe em fuga seus inimigos, produz maior admiração, respeito e submissão junto ao povo que O cercava e perdoa a pobre pecadora, despedindo-a com uma advertência: “Não peques mais”. Com essa admoestação, Ele ainda lhe concedia sua graça, sem a qual nenhuma virtude se pratica estavelmente.
Extraído, com alterações, de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 5, p. 241-243; 246-251.
[1] MALDONADO, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios. Evangelio de San Juan. Madrid: BAC, 1956, v. III, p. 522.
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