O pecado original e a Encarnação do Verbo
“No pecado original, a virgem, o madeiro e a morte foram os sinais da nossa derrota. Entretanto, Cristo derrotou o diabo tomando as próprias armas que ele havia usado: em vez de Eva, está Maria; em vez da árvore do bem e do mal, está o madeiro da Cruz; em vez da morte de Adão, está a Morte de Cristo”.
Redação (24/03/2025 18:24, Gaudium Press) Adão pôs à sua mulher o nome de Eva, porque ela era a mãe de todos os viventes” (Gn 3, 20). Mãe, é verdade, mas que gerou vivos para a natureza e mortos para a graça. Assim, a primeira Eva não correspondeu fielmente ao significado de seu nome, introduzindo a morte na terra. A segunda, porém, restaurou este desígnio, gerando viventes para a graça. Por isso, com toda a propriedade Nossa Senhora pode ser chamada a Nova Eva.
Desde os tempos da Patrística, a Igreja viu na figura de Maria um vínculo profundo com a de Eva. “Como a morte entrou por meio de uma mulher, convinha que a vida retornasse também por meio de uma Mulher. Uma, seduzida pelo demônio através da Serpente, fez o homem provar a morte; a outra, instruída por Deus mediante o Anjo, deu à luz o Autor da salvação”, afirma São Beda.
Dois espíritos angélicos comunicam-se com duas virgens: a primeira causa a expulsão do homem do Paraíso Terrestre; a segunda gera Aquele que abrirá à humanidade as portas do Paraíso Celeste. Quanta correspondência e quanto antagonismo nesses dois colóquios, que determinaram, cada um a seu modo, os destinos da humanidade!
Consideremos alguns aspectos desse paralelo entre a Anunciação do Arcanjo Gabriel à Virgem Maria o diálogo da Serpente com Eva no Jardim do Éden.
“Ave, cheia de graça”
O relato da Anunciação feito por São Lucas inicia-se com a conhecida saudação angélica: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo” (1, 28). Essas curtas palavras, repetidas piedosamente ao longo dos séculos, tornaram-se inspiração de músicos e artistas, gáudio dos Anjos, terror dos infernos; porém, quando ouvidas pela Virgem Humilíssima, foram causa de sobressalto: “Que elogio inaudito será este?”
A santa perturbação de Maria, que conferiu em seu Coração o sentido mais profundo daquela saudação, se contrapõe ao fato de Eva ter acreditado facilmente nas palavras enganosas da Serpente e não ter pedido auxílio ou explicações a Adão.
O Anjo continuou: “Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus” (Lc 1, 30). Aquela que não Se julgava digna de ser escrava da mãe do Messias era, em realidade, a única criatura que O agradara.
Duas promessas
Após a saudação, o Arcanjo Gabriel lhe comunicou o objeto de sua embaixada: “Eis que conceberás no teu ventre, e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus. Será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará sobre a casa de Jacó eternamente, e o seu reino não terá fim” (Lc 1, 31-33). Que promessa!
Outrora, também a serpente fizera uma promessa a Eva: “Os vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal” (Gn 3, 5).
Duas dádivas são anunciadas, ambas atraentíssimas. Uma, ardilosa e enganadora: ser como deuses. A outra, sublime, veraz e, em última análise, muito superior: gerar o próprio Deus! Afinal, o que significa a vaga proposta de ser como um deus, em comparação com a possibilidade de abarcar em seu claustro Aquele que contém em Si todo o universo?
Diante disso, diversas são as reações. A primeira Eva deslumbrou-se com o agradável aspecto do fruto da árvore (cf. Gn 3, 6) e desejou comê-lo, ainda que isso constituísse uma transgressão ao mandato divino. Maria, pensando na obediência ao seu voto de virgindade, perguntou: “Como se fará isso, se não conheço varão?” (Lc 1, 34).
São Gabriel certamente ficou estupefato perante o altíssimo grau de pureza – a virtude angélica – que Maria possuía.
A sombra do Paráclito
“O Espírito Santo descerá sobre Ti, e a virtude do Altíssimo Te cobrirá com a sua sombra; por isso mesmo o Menino que há de nascer de Ti, será chamado Filho de Deus” (Lc 1, 35).
Enquanto Eva procurava nas trevas do pecado a luz para conhecer o bem e o mal, Maria, desejando ofuscar sua pessoa, deixou-Se cobrir pela sombra do Divino Paráclito, atraiu a Si o Espírito de Deus – chamado também de Luz Beatíssima – e hauriu seus sete dons.
Na Anunciação “a sagacidade da Serpente foi vencida pela simplicidade da pomba”. O esvoaçar desta triunfou sobre o rastejar daquela. Deus em forma humana nasceria de Nossa Senhora sem concurso de varão, para restaurar a harmonia do gênero humano.
Um brilho todo divino refulge na criação
Como consequência do primeiro pecado, Deus puniu Adão amaldiçoando o solo: “A terra será maldita na tua causa, tirarás dela o sustento com trabalhos penosos todos os dias da tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos” (Gn 3, 17). Em Maria, a “terra bendita e sacerdotal”, Jesus “incendiou os espinhos e abrolhos. Ele habitou em seu seio e o purificou; Ele santificou o lugar das dores do parto e das maldições”.
“Fiat mihi secundum verbum tuum”: com essa resposta ao anúncio do Arcanjo, a divindade procurada por Eva na desobediência passou a habitar em Maria pela submissão. Se no Paraíso Terrestre o homem quis ser deus por orgulho, desde toda a eternidade Deus quis fazer-Se Homem por ser a Humildade em essência.
“Ora, foi a Virgem Maria, com sua disponibilidade e obediência, quem introduziu no cerne da obra divina a criatura cume e modelo arquetípico de tudo quanto existe, da qual tudo deflui”. A partir do santo colóquio de Nossa Senhora com São Gabriel, “a Criação passou a transluzir com um brilho todo divino, pelos méritos de Maria Santíssima”.
O “fiat” de Maria determinou o definitivo esmagamento da antiga Serpente, bem como de suas frustras tentativas de vitória. Cumpria-se assim a profecia: “Porei inimizades entre ti e a Mulher, entre a tua posteridade e a posteridade d’Ela. Ela te pisará a cabeça e tu armarás traições ao seu calcanhar” (Gn 3, 15).
Se omitimos esse maravilhoso fato, a história passada, e até a futura, se parece com linhas tortas, nas quais Deus escreve; mas, quando o consideramos, vemos a harmoniosa e retilínea homenagem prestada ao Criador e Redentor através da criação.
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 243, março 2022. Por Fernando Joaquim Costa Mesquita.
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