De olho no futuro
Estamos mergulhados na realidade, normalmente dura, desafiadora, provocativa, mas não conseguimos deixar de alimentar o secreto desejo de uma felicidade sem fim.
Foto: Drew Beamer/ Unsplash
Redação (02/03/2025 10:24, Gaudium Press) Por ser racional e compreender o conceito de tempo, o ser humano é a única criatura capaz de viver no hoje repleto de insatisfação, tendo sua mente e seus anseios focados no ontem ou no amanhã.
Isso seria bom no sentido de podermos usar nosso passado como experiência para viver de forma prudente, sem repetir os mesmos erros e também para, olhando para frente, podermos vislumbrar o que nos espera e, muitas vezes, ter forças para atravessar o presente difícil, desafiador e até tedioso.
Mas, infelizmente, não é com esse propósito que nos deslocamos para cá e para lá. Do que passou, pouco aprendemos e reproduzimos os mesmos erros, como máquinas copiadoras e, sobre o que está por vir, despejamos uma carga irrealista de expectativas, acreditando numa felicidade que nunca vai existir.
O que esperamos do futuro?
Na infância, o futuro é ser adolescente; na adolescência, é atingir a maioridade para ter mais liberdade, andar com os próprios pés.
Aos 20 anos, carreira, casamento, filhos, dinheiro, bens. Aos 30, gozar a vida, apegando-se à juventude como se ela fosse durar para sempre.
Aos 40, um pouco mais experimentados, queremos “fazer dar certo” ou, ao menos, tentar consertar o que deu errado e manter as conquistas.
Aos 50, a preocupação é o bem-estar e a saúde e, no fundo, o secreto desejo de não envelhecer. E aos 60?
Mesmo com as mazelas próprias do avançar da idade, é comum ainda querer-se construir algo monumental, fazer a diferença, deixar a sua marca no mundo. E, lamento dizer, mas dá tristeza ver pessoas nessa idade com sonhos da época da adolescência e juventude, sem nenhuma noção de ridículo ou preocupação com o futuro da alma.
Esta fase pode ser também aquela em que o ser humano é acometido pelo desejo de acumular. Acumular para garantir o futuro! Acumular bens em vez de usufruí-los, contrariando a vontade de Deus:
“Eis aqui o que eu vi, uma boa e bela coisa: comer e beber, e gozar cada um do bem de todo o seu trabalho, em que trabalhou debaixo do sol, todos os dias de vida que Deus lhe deu, porque esta é a sua porção.” (Ecl 5, 18).
O que o futuro espera de nós?
Entra ano e sai ano e, a despeito de gozarmos de certa alegria e de termos algumas conquistas, continuamente convivemos com os desafios, os sofrimentos, as tentações do pecado, a elevação do custo de vida, as doenças, as perdas, as decepções, as consequências das governanças e desgovernanças políticas, porém, teimosamente, do futuro sempre esperamos algo ilusório, algo que seja sempre bom, prazeroso, que nos dê glórias e elimine todos os problemas, uma espécie de Mega Sena espiritual.
Estamos mergulhados na realidade, normalmente dura, desafiadora, provocativa, mas não conseguimos deixar de alimentar o secreto desejo de uma felicidade sem fim.
Isso é o que esperamos do futuro, mas o que o futuro espera de nós?
Se pudéssemos pensar nesse sujeito oculto gerido pelo tempo como em ente, um ser, com desejos, quais os temos, o que ele desejaria de nós?
Certamente, desejaria que fôssemos melhores, mais responsáveis, que não nos matássemos, que não nos magoássemos uns aos outros, que não traíssemos nem abandonássemos os votos que fizemos, sejam o da vida religiosa ou o do santo Sacramento do Matrimônio.
Certamente, o futuro desejaria que tivéssemos paz em nossos corações, e que a dividíssemos com nossos semelhantes.
O que perseguimos nunca chegará
Sobretudo, o futuro gostaria que entendêssemos que a vida passa, que ela é única e que o segredo para, finalmente, estarmos em paz com ele e com nós mesmos, é a simplicidade, a fé, e nos conformarmos em tudo com a vontade de Deus: a cada tempo, a cada época da vida, as coisas que lhes são próprias, as suas alegrias e os seus males.
E a sabedoria consiste em compreender e aceitar isso, tendo o passado por esteio, os pés bem fincados no presente e a esperança ancorada no futuro, mas não no futuro ideal nessa Terra, e sim no futuro no Reino de Deus e que requer de nós uma atitude ativa e uma decisão constante.
Pobre do homem que persegue tão avidamente um utópico futuro aqui nesta Terra, porque este futuro nunca chegará e ele andará errante, sem rumo e sem direção, tendo a decepção e a revolta por companheiras e, com elas, o desastre da falta de fé.
Mais uma vez, apoiemo-nos nas sábias palavras do Livro do Eclesiastes: “Quando os dias forem bons, aproveite-os bem; mas, quando forem ruins, considere: Deus fez tanto um quanto o outro, para evitar que o homem descubra qualquer coisa sobre o seu futuro.” (Ecl 7, 14)
O que passa disso não é mais que mera ilusão.
Por Afonso Pessoa
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