Como corresponder a um chamado grandioso?
O contraste entre a grandeza do chamado cristão e as limitações humanas faz com que muitos se julguem incapazes de cumprir a própria vocação. A pedagogia divina nos transmite um ensinamento diferente.
“A pesca milagrosa” – Igreja de São Pedro, Gramado (RS) Foto: Lourenço Ferronatto
Redação (09/02/2025 10:51, Gaudium Press) Inegável é a força de expressividade do reino animal para o homem, sobretudo quando oferece à sua análise circunstâncias que lembram situações e pequenos fatos da vida humana. Tais atrativos da fauna, tão habituais nas regiões campestres, despertam particular atenção quando colocam em evidência um dos seus mais ricos e vigorosos predicados: o instinto materno.
Ora, o instinto materno — muito mais profundo no gênero humano — é um tênue reflexo dos desvelos d’Aquele que, além de Criador, quis estreitar seu relacionamento com o homem, elevando-o à condição de filho, ao fazê-lo partícipe de sua própria vida divina pela graça, como exclama São João: “Olhai que amor teve o Pai para nos chamar filhos de Deus, e nós o somos!” (I Jo 3,1).
Como verdadeiro Pai, o Altíssimo não cessa de proteger, amparar e atrair a Si todas as criaturas humanas, velando continuamente por elas. E, excedendo de modo infinito os cuidados empregados pela mãe ao predispor os filhos para bem enfrentar a vida, o Divino Didata conduz os homens — por meio de processos tão diversos quanto o são as almas — à realização da vocação específica que sua Sabedoria outorga a cada um.
Passemos, agora, a considerar o Evangelho deste 5º Domingo do Tempo Comum, a partir dessa perspectiva.
A pesca milagrosa
“Naquele tempo, Jesus estava na margem do lago de Genesaré, e a multidão apertava-se a seu redor para ouvir a palavra de Deus. Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago. Os pescadores haviam desembarcado e lavavam as redes” (Lc 5,1-2).
No episódio aqui contado, as duas embarcações — uma, de Simão; outra, de Zebedeu — haviam regressado após uma noite de vãs tentativas. Ao estado de desapontamento geral dos pescadores somavam-se os incômodos de outros fatores humanos, como o cansaço da noite passada em claro e a necessidade de lavar as redes, labor indispensável depois da pesca, fosse esta bem ou mal sucedida.
Em seguida, o evangelista narra que Jesus passou a ensinar as multidões da barca de Simão.
“Quando acabou de falar, disse a Simão: ‘Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca’” (Lc 5,4).
Com esta ordem de avançar “para águas mais profundas”, o Redentor indicava a ousadia que deveria caracterizar as metas daqueles pescadores dali em diante, predispondo-os a uma ação mais ampla do que os limitados horizontes lacustres nos quais trabalhavam: o plano divino da salvação dos homens. Em outras palavras, Nosso Senhor pedia corações generosos.
“Simão respondeu: ‘Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes’” (Lc 5,4-5).
Longe de ser uma manifestação de falta de fé, a explicação dada por Simão — em um tom de voz que podemos conjecturar cheio de deferência — ratifica sua confiança na palavra do Mestre. Agindo de modo coerente, pratica um ato de perfeita obediência, pois, sendo experimentado, suspende o próprio juízo e cumpre de imediato a ordem recebida. Tal fé e docilidade à determinação divina, atributos imprescindíveis de um genuíno apóstolo, eram a resposta esperada por Jesus para realizar o milagre.
Pesca prodigiosa
“Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam. Então fizeram sinal aos companheiros da outra barca, para que viessem ajudá-los. Eles vieram, e encheram as duas barcas, a ponto de quase afundarem” (Lc 5,6-7).
Como resultado final da pesca, “obteve-se tal quantidade de peixes quanto quis o Senhor do mar e da terra”,[1] afirma São Gregório Niceno. Além de representar a messe abundante — para a qual, já prevenia os futuros Apóstolos, eram poucos os operários… —, Cristo também lhes mostrava a importância da harmonia e do mútuo auxílio entre eles. Sem a colaboração dos companheiros da segunda barca, teria sido impossível retirar das águas aqueles peixes, assim como para a evangelização do mundo seria necessária a união de forças dos apóstolos, a fim de conduzir ao caminho da salvação cada uma das almas que a Providência lhes confiaria.
Não obstante, o mais importante objetivo de Jesus era fazer Simão compreender — e, com ele, os demais discípulos — “que, se durante a noite inteira não havia pegado nada, era inútil todo seu esforço sem Cristo, como o são todos os nossos atos humanos sem a graça divina”,[2] explica Maldonado. O Salvador queria deixar consignado o quanto a missão de salvar as almas será continuamente uma pesca milagrosa, na qual o apóstolo figura como mero instrumento. Sua habilidade e diligência serão frustradas se não forem movidas pela voz d’Aquele que disse de Si mesmo: “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5).
Um chamado para todos os séculos
O eco do encargo entregue aos Apóstolos às margens do lago de Genesaré repercute ao longo dos séculos e chega também a nós, conclamando-nos à missão de trabalhar pela glória de Deus e da Igreja, quer sejamos clérigos, religiosos ou leigos. Como católicos, devemos buscar a edificação de uma sociedade conforme aos preceitos evangélicos e, para isso, cabe-nos a responsabilidade de atrair as almas dispersas no mar revolto do mundo moderno e levá-las à barca de Pedro
Não obstante, não poucas serão as dificuldades para exercer tão elevada função, sobretudo quando nos deparamos com nossas próprias insuficiências e falhas. Diante dessa desproporção, avançar e lançar as redes se afigura como algo impossível. O que nos é necessário para corresponder a uma missão tão superior às nossas capacidades? É o próprio Mestre quem nos responde, pela pena de São Paulo: “Basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força” (II Cor 12, 9).
Deste modo, a exemplo de Pedro, sejamos generosos e confiantes, pois também em nossas vidas Cristo apareceu ordenando: “Duc in altum! Eu os quero como instrumentos para renovar a face da Terra! Não tenham medo, pois Eu mesmo lhes darei as forças para a obtenção de um glorioso resultado!”
Extraído, com alterações de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 6, p. 63-75.
[1] GREGÓRIO NICENO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Lucam, c. V, v. 5-7; 8-11.
[2] MALDONADO, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios. Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, v. II, p. 478.
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