Por que não reintroduzir no calendário litúrgico a festa dos Esponsais da Virgem Maria e São José?
“O casamento de Nossa Senhora com o Patriarca São José é um modelo para os casais, mas também um modelo de fecundidade para a vida consagrada”.
Redação (25/01/2025 11:06, Gaudium Press) Diversas vozes têm se levantado para que seja reinserido no calendário litúrgico a celebração dos Esponsais da Santíssima Virgem e o Patriarca São José. Até 1961, esta festividade era celebrada no dia 23 de janeiro.
É o que defende a filósofa italiana Luisella Scrosati, que escreveu um artigo em La Nuova Bussola Quotidiana, intitulado Lo Sposalizio di Maria e Giuseppe, una festa da reintrodurre (Os Esponsais de Maria e José, uma festa a ser reintroduzida). Ela argumenta que esta celebração enviaria “uma mensagem de extrema atualidade em tempos de crise do casamento”, além de valorizar a “vida consagrada”.
A autora resgata a argumentação apresentada na época pelo teólogo e ex-chanceler da Universidade de Paris, Jean Charlier de Gerson (1369-1420), chamado de Doctor Christianissimus, apaixonado pela figura de São José, que “empregou muita energia para aprofundar teologicamente a figura do pai putativo de Jesus e para difundir sua devoção. Ele defende, por exemplo, a santificação [de São José] ainda no ventre materno, de forma análoga àquela de São João Batista”.
De fato, o grande sonho de Gerson era que “fosse reconhecida e celebrada uma festa litúrgica em honra aos esponsais do castíssimo esposo com a Santíssima Virgem”. Nesse sentido, ele escreveu uma epístola dirigida a todas as igrejas, uma exortação pública, um estudo intitulado “Considerações sobre São José” e até mesmo um poema de cerca de 3.000 hexâmetros latinos “e mais de trezentas notas em dois volumes, que repassavam os mistérios da vida de Cristo em relação a São José e introduziam, na devoção católica, a ideia de uma ‘trindade’ terrena, a da Sagrada Família”.
Gerson recolhe a doutrina paulina (Ef 5,25-32) sobre o matrimônio como sinal do matrimônio místico de Cristo com sua Igreja: “Maridos, amai vossas esposas, assim como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela”, diz o Apóstolo. “Mas é de particular relevância que a expressão do Apóstolo seja atribuída ao matrimônio de Maria e José, quase como para ressaltar neste último uma exemplaridade arquetípica de todo matrimônio”, comenta Luisella Scrosati.
Nas considerações do ex-chanceler da Universidade de Paris, o matrimônio de Maria e José “se eleva acima de todos os outros no que diz respeito à sua capacidade de significar a união entre Deus e a Igreja, não só pela santidade moral de seus membros, mas também por sua característica de matrimônio contraído entre um homem e uma mulher a quem Gerson afirmava ter sido concedido o privilégio singular da santificação no seio materno, ou seja, de ter nascido sem pecado original”. Lembremos que o dogma da Imaculada Conceição ainda não havia sido definido, mas Gerson já sustentava a conveniência de que São José tivesse nascido sem pecado original, pois ele foi “predestinado a ser não apenas o Precursor do Filho de Deus, como São João Batista, cuja santificação no ventre materno conhecemos com certeza, mas também o Pai Putativo, por ser o esposo castíssimo da sempre Virgem Maria”, expressa Scrosati.
No entanto, a filósofa italiana deseja ir “um passo além” do próprio Gerson, e lembra que João Paulo II na Redemptoris Custos (n. 7) diz que, “no limiar do Novo Testamento, como já sucedera no princípio do Antigo, há um casal. Mas, enquanto o casal formado por Adão e Eva tinha sido a fonte do mal que inundou o mundo, o casal formado por José e Maria constitui o vértice, do qual se expande por toda a terra a santidade. O Salvador deu início à obra da salvação com esta união virginal e santa, na qual se manifesta a sua vontade omnipotente de purificar e santificar a família, que é santuário do amor humano e berço da vida”. Em outras palavras, se Cristo era o novo Adão, e a Virgem a nova Eva, também no início do Novo Testamento, houve também um novo casal, com um caráter tipicamente esponsal, o de Maria e José.
Uma renovação também em um casal de relação esponsal
O texto é notável, diz a filósofa italiana, porque retoma a grande ideia teológica da “recapitulação” de Santo Irineu de Lyon, mas desta vez intercalando o casamento de Maria e José. Lembremos que a recapitulação considera a redenção da humanidade como uma renovação da antiga ordem, desfigurada pelo pecado. Assim, o primeiro Adão é recapitulado/renovado no novo, Jesus Cristo, assim como a primeira Eva o é na segunda, Maria Santíssima, constituindo assim um novo casal (Jesus-Maria) que renova e substitui o antigo (Adão-Eva). A inclusão do casamento esponsal Maria-José preenche, poderíamos dizer, uma lacuna no paralelo [ndr. o paralelo da recapitulação], porque o relacionamento entre Jesus e Maria foi misticamente esponsal, mas em suas relações humanas foi o de mãe e filho. Portanto, era apropriado que um casal verdadeiramente nupcial em um nível humano inaugurasse os novos tempos, recapitulando e superando o antigo casal, que marcou o início dos tempos antigos. O matrimônio de Maria e José inaugura uma ‘nova criação’: Deus conduz, mais uma vez, a nova Eva ao homem (cf. Gn 2,22), mas desta vez em uma relação não apenas livre de toda concupiscência, mas elevada à virgindade perpétua que sela e garante a intervenção direta de Deus tanto na concepção quanto na pessoa a nascer”.
Arquétipo do celibato consagrado
É claro que “o matrimônio de Maria e José significa, assim, a união de Cristo e da Igreja mais do que qualquer outro matrimônio da Nova Aliança”, e “se converte em arquétipo tanto do matrimônio quanto da virgindade consagrada e do celibato. A ausência de consumação não retira em absoluto a completa doação mútua dos cônjuges, que se tornam verdadeiros proprietários do corpo do cônjuge, mas a salvaguarda da sua integridade no serviço de Deus; a sua união mantém assim a nota da custódia da virgindade, característica da relação entre Cristo e a Igreja, sem sacrificar a verdadeira fecundidade, que Deus concede, de modo misterioso e superior, àquela concebida na criação. É, portanto, nesse matrimônio que Deus colocou as origens da vida cristã, expressa tanto na forma de vida conjugal quanto na de virgindade para o Reino dos Céus. De fato, ‘grande é este mistério’”. Portanto, a relação de Maria e José, ao mesmo tempo em que é casta, é fecunda, assim como deve ser o do celibatário consagrado com a comunidade à qual serve.
Nestes tempos de “crise radical tanto do casamento quanto da vida consagrada, poderia ser uma grande graça reintroduzir essa festa no calendário litúrgico”, uma graça para a Igreja Universal, conclui Scrosati.
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