“Eles não têm mais vinho…”
Se, na Terra, Jesus nada negou à sua Mãe Santíssima, agiria de outro modo estando no Céu?
Redação (19/01/2025 09:22, Gaudium Press) Não é de se estranhar que o primeiro milagre de Nosso Senhor tenha ocorrido durante uma festa de casamento, pois as cerimônias nupciais eram cercadas de extraordinária solenidade naquele tempo, devido à espera do Messias que viria salvar o povo judeu. Os novos casais se formavam na expectativa de figurarem na linhagem do Salvador, e a esterilidade era considerada um verdadeiro castigo.
Normalmente o banquete de bodas se realizava depois do entardecer, e a noiva se dirigia em cortejo à nova morada, precedida por amigas, portando lamparinas, com manifestações de alegria e cânticos. As comemorações tinham nessa época características sui generis e prolongavam-se, muitas vezes, por uma semana, sendo frequente haver grande número de convidados.[1]
Jesus e Maria são convidados a um casamento
“Houve um casamento em Caná da Galileia. A Mãe de Jesus estava presente. Também Jesus e seus discípulos tinham sido convidados para o casamento” (Jo 2,1-2).
Naquela celebração matrimonial, não é concebível terem Nosso Senhor e Nossa Senhora passado despercebidos. Na fisionomia, no porte, no modo de ser, sobretudo no olhar de ambos, deveria transparecer a incomensurável superioridade d’Eles sobre os demais. Inevitavelmente, uma auréola sobrenatural deveria cercá-Los, atraindo uma discreta curiosidade dos comensais. Nosso Senhor, afirma o Pe. Ambroise Gardeil, “pela paz que espargia, mais que por seus milagres e suas afirmações, provava que era o Filho de Deus”.[2]
“Como o vinho veio a faltar, a Mãe de Jesus Lhe disse: ‘Eles não têm mais vinho’” (Jo 2,3).
Como sempre, despreocupada de si, Maria Santíssima prestava atenção em tudo, desejosa de fazer o bem aos outros. Percebeu, então, talvez sem ninguém lhe ter comunicado, a situação embaraçosa: acabara o vinho. Que vergonha para os anfitriões! Quão grande seria a decepção quando isto viesse a saber-se! Isto, porém, não aconteceu, pois, como diz São Bernardino de Sena, “o Coração de Maria não poderia ver uma necessidade, uma aflição” e, mesmo sem ser rogada, “ela intervém, pedindo um milagre para tirar de embaraços esses humildes esposos”.[3]
Nossa Senhora tudo interpretava com sabedoria e por certo considerou que a Providência permitira a falta de vinho para dar a Jesus ocasião de manifestar sua Divindade. “Ele ainda não operou prodígio algum, mas ela não duvida de seu poder sobrenatural, e sua comunicação implica numa súplica de que faça o possível, mesmo um milagre”.[4]
De outro lado, Nosso Senhor já teria revelado à sua Mãe o grande mistério da Eucaristia, talvez para consolá-la por toda a Paixão pela qual deveria Ele passar, e pelo abandono em que ficaria ela na Terra durante cerca de quinze anos.[5] Estaria Maria ansiosa, portanto, pelo momento de poder comungar. E tendo faltado o vinho, bem poderia ela pensar que essa era uma boa ocasião para antecipar a instituição da Eucaristia.[6]
Prefigura do milagre eucarístico
“Jesus respondeu-Lhe: ‘Mulher, por que dizes isto a Mim? Minha hora ainda não chegou’” (Jo 2,4).
Como não poderia deixar de ser, Nosso Senhor também deveria estar penalizado com a situação daquelas famílias. Porém, desejava instruir seus discípulos e associar Nossa Senhora à sua obra, mostrando o papel decisivo da mediação de sua Mãe. Ao dizer “minha hora ainda não chegou”, Jesus declara ser ainda cedo para a instituição da Eucaristia.
“Sua Mãe disse aos que estavam servindo: ‘Fazei o que Ele vos disser’” (Jo 2,5).
Conhecia muito bem Nossa Senhora o Sagrado Coração de Jesus, fornalha ardente de caridade, gerado nesse templo sublime que é o seu claustro materno. “Por conhecer privilegiadamente, como Mãe, o Coração de seu Filho, sabe que será atendida e recomenda aos serventes fazer tudo quanto Ele lhes mandar. E assim, a pedido de Maria, antecipa-se excepcionalmente a hora dos milagres de Cristo”.[7] É a eficácia da onipotência suplicante.
As talhas de pedra foram preenchidas com água, conforme lhes indicara o Salvador, e eis que se transformaram em vinho!
Isso nos mostra como devemos confiar em Nossa Senhora sem restrições, mesmo quando pareçamos ser merecedores da rejeição de Nosso Senhor. Será Ela quem nos socorrerá quando, também a nós, “faltar o vinho”, pois é absoluto, por desígnio divino, o poder de impetração da Medianeira de todas as graças. Em sua insondável bondade, prometeu o Redentor: “Tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, vo-lo farei” (Jo 14,13). Ora, se isso é válido para nós, concebidos no pecado original e com tantas misérias pessoais, como não o será em altíssimo grau para sua incomparável Mãe?
Se na Terra Jesus nada lhe negou, agiria de outro modo estando no Céu? Se Ele fez esse estupendo milagre, embora não fosse ainda a hora, podemos ter certeza de que, agora sim, chegou a sua hora, pois está no Céu como Sacerdote Eterno junto ao Pai para interceder por nós (cf. Hb 4, 14). Lá está para atender nossas solicitações, permanece à mercê dos pedidos de Nossa Senhora.
Desse modo, estejamos certos de que, recorrendo a Maria, seremos atendidos em qualquer circunstância.
Extraído, com alterações de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 6, p. 24-30.
Por Guilherme Motta
[1] Cf. FERNÁNDEZ TRUYOLS, SJ, Andrés. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. 2. ed. Madrid: BAC, 1954, p. 150-152.
[2] GARDEIL, Ambroise. El Espíritu Santo en la vida cristiana. Madrid: Rialp, 1998, p. 167.
[3] BERNARDINO DE SENA, apud THIRIET, Julien. Explication des Évangiles. Hong-Kong: Société des Missions Étrangères, 1920, t. I, p. 272.
[4] BULLETIN PAROISSIAL ET LITURGIQUE, apud BERINGER, R. (Org.). Repertorio universal del predicador. Barcelona: Litúrgica Española, 1933, v. I, p.198.
[5] “Não há dúvida de que Maria conheceu o propósito de Cristo de instituir a Eucaristia muito antes que fosse instituído tão augusto Sacramento” (ALASTRUEY, Gregorio. Tratado de la Virgen Santísima. Madrid: BAC, 1956, p. 678-679).
[6] Cf. ibid., p. 680-681.
[7] TUYA, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v. V, p. 1003.
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