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“Quando Deus quer ajudar Sua Igreja…”

A Igreja não é nem pode ser comparada a qualquer outra instituição humana, pois Ela é o Corpo Místico de Cristo.

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Redação (11/01/2025 10:51, Gaudium Press“Quando Deus quer ajudar sua Igreja…” Esta frase de Nadal, proferida nas suas conferências, na Espanha em 1554 – para explicar e instaurar a Regra de vida ditada por Santo Inácio de Loyola –, pode causar estranheza a pessoas que desconhecem a Igreja Católica.

Una, Santa, Católica e Apostólica, surgida do flanco transpassado de Nosso Senhor Jesus Cristo expirado na Cruz, a Igreja não é nem pode ser comparada a qualquer outra instituição humana, e menos ainda a qualquer outro conjunto de pessoas que acreditam num ou outro deus, ou que se dizem seguidores de Jesus Cristo.

Não raras vezes (diríamos até que profusamente), são publicados estudos sobre este ou aquele problema eclesiológico, ou relativo a pessoas da Igreja, aplicando princípios sociológicos mais ou menos hegelianos ou pagãos; como se a Esposa de Cristo fosse uma criação humana.

A Igreja é o Corpo Místico de Cristo

A estrutura eclesial é composta pelo conjunto dos batizados, fiéis à doutrina católica na sua integridade e que reconhecem no Sumo Pontífice o legítimo sucessor de São Pedro, bem como nos bispos em comunhão com o Santo Padre os sucessores verdadeiros dos Apóstolos; ou seja, fiéis à Igreja Comunhão ou Igreja Militante, Igreja Sacramento ou Povo de Deus em caminho, ou qualquer outra expressão utilizada pelo Magistério, pelos santos e pelos doutores ao longo destes vinte séculos de lutas e glórias, faustos e traições.

Era frequente, entre os Padres dos primeiros séculos, se referir também à Igreja como “Lua”, pois ela reflete nesta Terra a Cristo, Sol imperecível, triunfante por toda a eternidade nos esplendores do Padre Eterno.

Porém, a congregação de fiéis desta Terra, em realidade, não constitui toda a Igreja. Como bem explica São Tomás – e os documentos do Concílio Vaticano II resumem e apresentam como Magistério autêntico –, o Corpo Místico de Cristo (para empregar a expressão de São Paulo) estará completo quando Cristo, no apogeu do Juízo Final, entregará tudo ao Pai, num supremo oferecimento da criação, surgida das divinas mãos, Àquele que tudo tirou do nada. No Céu, só entram os santos, e todos eles darão glória ao Autor pelo maravilhoso conjunto das criaturas, humanas, angélicas ou materiais, pelo dom imenso da criação. A História estará encerrada, e começa… a eternidade!

Os católicos nesta Terra fazemos parte, sim, da Igreja; mas conosco estão unidos todos os que já gozam da visão beatifica, bem como os que ainda descontam suas penas nos amorosos tormentos do Purgatório. Já os condenados ao inferno não fazem parte da Igreja. E se algum deles foi batizado e, em algum tempo, seguiu os passos do Cordeiro, mas por culpa própria, por máxima culpa própria, afastou-se do rumo indicado pelo Pastor em direção às pastagens verdejantes, seguindo seus caprichos, seus desejos ignóbeis, seus pecados graves… não fará mais parte da congregação dos cantores celestiais por toda a eternidade.

A militância da Igreja

Os que ainda caminhamos, pelejamos, combatemos, sofremos e nesta Terra manifestamos algum reflexo da luz de Cristo (cada um de nós é uma pequena “lua” que reflete algo do brilho infinito do Deus feito Homem, diziam os Padres da Igreja) precisamos ser ensinados, ajudados, dirigidos nas vias da santidade. E como a Sabedoria imperscrutável de Deus estabeleceu a Ascensão aos Céus da Pessoa de Jesus Cristo, essa mesma amorosa Providência nos deixou, de um lado, uma estrutura hierárquica de bispos e sacerdotes, sob o governo do Romano Pontífice; de outro, Ela age ininterruptamente mediante misteriosas intervenções divinas inesperadas de homens e mulheres providenciais que indicam os rumos (como Santa Joana d’Arc ou Santa Catarina de Siena), apresentam modelos de vida (lembremos de São Antão do Deserto, São Bento, Santa Teresa de Jesus), fundam famílias espirituais de missionários (São Francisco de Assis, São Domingos de Gusmão, Santo Inácio de Loyola…), os quais, espalhando-se por todo o Orbe, levam aos homens (batizados ou não) um novo modo de ver a Cristo, de O imitar e de O seguir. Estes homens e mulheres especialmente chamados e amados por Deus (Santo Atanásio dirá serem “educados diretamente por Deus”, theodidaktoi) constituem a falange dos Fundadores, alguns dos quais estão representados em imponentes imagens na Basílica de São Pedro.

Como Deus intervém na História da Igreja?

É o que o Pe. Nadal (1507-1580), discípulo enlevado de Santo Inácio de Loyola, resume no texto do qual citamos apenas a primeira frase, podendo assim ser traduzido para o nosso português do século XXI: “Quando Deus quer ajudar a Sua Igreja suscita um homem, dando a ele uma graça especial e uma capacidade de influenciar; como fez com São Francisco de Assis, a quem deu uma graça eficaz para que ajudasse a si e aos outros. E, assim, agrupando vários discípulos, fez-se um corpo, uma congregação com aquela propriedade e particular graça concedida a São Francisco. O mesmo se passa com todas as congregações religiosas; por exemplo, suscitou Deus nosso pai Inácio, comunicando-lhe uma graça, e através dele a nós, que o seguimos e nos regemos segundo essa graça. E é preciso que nós o sintamos e apreciemos”.

A chamada “doutrina dos fundadores”, sinteticamente expressa pelo Pe. Nadal, não é uma novidade na Igreja. Santo Atanásio (328-373) assim considerava a Santo Antão (251-356), seu grande e conhecido amigo. O Papa São Gregório Magno (540-604) escreveu o mesmo de São Bento (480-547), Patriarca do Ocidente. O Pontífice Gregório IX (1145-1241), na sua bula de “Fons Sapientiae” (1234), –na qual elevava à honra dos altares São Domingos de Gusmão (1170-1221) – relembrava esta doutrina das intervenções de Deus na História, suscitando theodidaktoi, aplicando-a a diversos fundadores, suscitados em épocas turbulentas, quando “a multidão engendrou a perdição e a malícia surgiu da liberdade”, “quando a caridade arrefecia em razão da iniquidade”, a fim de “proteger a Vinha que Ele plantou”, a qual “estava quase destruída por uma multidão de pequenas raposas”. Ademais, o Pontífice cita São Bento, São Bernardo, São Domingos de Gusmão e São Francisco de Assis. Segundo ele, tais santos fundadores fizeram “as seitas dos hereges tremer e a congregação dos fiéis estremecer de alegria”.

O Papa Bento XVI relembrou tal realidade eclesiológica quando, como Prefeito para a Doutrina da Fé, dirigiu-se aos bispos do mundo inteiro em 1998, mostrando que, “onde irrompe a ação do Espírito Santo, alteram-se sempre os projetos dos homens”, pois Deus, através desses homens, “torna sempre viva e nova a estrutura da Igreja”. Esta, lembra ele, não é uma instituição nossa, humana, mas “a irrupção de uma outra coisa, pelo qual sua natureza é ‘iuris divinis’ (de direito divino), uma realidade que nós jamais poderíamos criar sozinhos”. Tais irrupções do Espírito Santo incomodam aqueles desejosos de uma instituição humana, elucubrada sobre uma escrivaninha; “costruita a tavolino secondo la propria immagine”, segundo a pitoresca expressão italiana empregada pelo papa teólogo.

De fato, ele repetiu tal doutrina em diversos ensinamentos como Pontífice, e ampliou estas considerações num significativo documento publicado, já como Pontífice emérito, em 2019, a propósito das numerosas crises surgidas na congregação dos fiéis, em particular, em diversos setores do clero, neste século XXI, num mundo há décadas solapado por um “colapso espiritual”, manifesto a partir dos acontecimentos de maio 1968, sobretudo da moral católica. Utilizando imagens bíblicas, o papa emérito mostra como hoje o diabo trata de “desacreditar a Igreja”, introduzindo a cizânia ou os peixes inutilizáveis capturados por São Pedro na rede, mas que não foram salvos. “O pecado e o mal existem na Igreja, entretanto a Igreja continua santa e indestrutível”. Muitos homens têm fé humilde, sofrem e amam; e neles se manifesta Deus, o Deus que ama os homens. “Devemos estar vigilantes para os ver e os escutar”. Olhemos, diz Bento XVI, em torno de nós e prestemos atenção nas pessoas simples, ou nos membros da hierarquia, e encontraremos testemunhas que, com sua vida e seus sofrimentos, se empenham por Deus. “Não fazer isto é preguiça de coração”. Devemos, pois, prestar atenção para os encontrar e os reconhecer.

Concluímos, assim, que a Santa e Imaculada Igreja é uma criação divina imortal, e sempre Deus quer ajudar Sua Igreja.

Por José Manuel Jiménez Aleixandre[1]


[1] Doutor em Direito Canônico, professor estável no ITTA.

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