Gaudium news > A eficiência dos golpes

A eficiência dos golpes

 Sabemos que não faltam no mundo golpistas, estelionatários e pessoas de mau-caráter, o que ignoramos são os lugares inusitados onde eles podem agir, como dentro de um dos hospitais mais bem-conceituados do país.

 Foto: Online Marketing/ Unsplash

Foto: Online Marketing/ Unsplash

Redação (03/01/2025 09:45, Gaudium Press) Qualquer pessoa de bom senso sabe que não convém andar sozinha à noite, que precisa evitar passar por certos lugares, não dar atenção a estranhos e andar com os vidros do carro fechados.

Sabemos também que a violência nos obriga a colocar grades nas janelas e travas extras nas portas, erguer os muros e, dependendo do lugar, instalar cerca elétrica e concertina sobre eles. Afinal, num mundo cada vez mais agressivo, todo cuidado é pouco.

O aumento do número de usuários de drogas pelas ruas das cidades faz aumentar também o número de crimes, e até os fios dos postes e os hidrômetros têm sido furtados, deixando as casas sem energia elétrica e sem água.

Sabemos que é assim, e vamos nos adaptando a essa realidade, rezando mais e pedindo a proteção de Deus em todas as circunstâncias. É um desafio constante.

Se damos esmolas, mesmo em forma de alimentos, podemos estar sendo coniventes com a prática do vício, pois um litro de óleo, um pacote de açúcar ou até uma lata de leite em pó, que eles costumam pedir, às vezes, com uma criança no colo para nos comover, acabam sendo trocados por drogas. E, se não damos, não sabemos que reações eles podem ter…

Enfim, é esta a realidade, e não é apenas a nossa boa vontade ou a nossa fé que vai mudá-la. Então, vamos nos adaptando, evitando o que pode ser evitado e nos escondendo cada vez mais. Antes, isso só acontecia nas grandes cidades, agora, é assim em todo lugar.

O médico e o monstro

Na recepção de vários hospitais, há um aviso de que nenhum funcionário está autorizado a pedir ou receber valores para qualquer procedimento. Isso se deve ao fato de haver bandidos que conseguem se infiltrar em hospitais e ter acesso a informações sobre pacientes em estado grave, e acabam entrando em contato com familiares, pedindo quantias altas para fazer exames ou cirurgias de urgência.

Muitas pessoas já caíram nesse golpe porque, na hora do sofrimento, com um ente querido internado, acabam nem raciocinando direito e também porque acreditam nos hospitais.

Bem, essa prática se disseminou, mas acabou diminuindo porque os hospitais passaram a avisar sobre esse risco.

As instituições hospitalares não são culpadas, trata-se da ação de quadrilhas, embora alguma falha haja, porque os que tentam aplicar esse tipo de golpe sempre têm informações muito pessoais sobre os pacientes e os contatos de seus familiares.

Mas, ainda que haja vazamento de informação de dentro do hospital, é uma ação de indivíduos, não de entidades.

O triste é quando os próprios médicos passam a agir criminosamente. O que leva uma pessoa que estudou por quase dez anos, que construiu uma carreira a agir assim, é algo difícil de entender, mas é fato, infelizmente.

O médico costuma ser alguém em quem confiamos, a quem abrimos a nossa vida, mas, algumas vezes, como na ficção, eles são também “os monstros”, ou os aplicadores de golpes.

Acima de qualquer suspeita

Recentemente, uma familiar minha viveu um desses casos de tentativa de estelionato ao passar por uma consulta num dos mais conceituados hospitais da capital paulista.

Sua consulta era com um cirurgião vascular, pois estava com as pernas e pés muito inchados, com dificuldade para andar. Passou pelo pronto-socorro da cidade onde mora, num sábado, e a médica de plantão pediu que ela procurasse um cirurgião vascular com urgência, para uma avaliação mais acurada.

Por sorte, o convênio médico dela é atendido por esse hospital, e ela conseguiu marcar uma consulta para a terça-feira, indo de ônibus até São Paulo.

Os pés estavam tão inchados que ela precisou viajar com um “chinelinho de avó” – aqueles chinelos de tecido usados pelas senhoras mais velhas ao se levantarem da cama –, pois os seus pés não entravam em nenhum de seus calçados.

No hospital, estranhou que o médico a tivesse recebido em pé, numa salinha comum, com apenas um computador, usado por duas moças de jaleco, às quais o doutor se referiu como “doutoras”. Não era um consultório, não tinha a mesa do médico nem a maca de consulta.

Ela começou a explicar o problema, e ele a interrompeu, perguntando qual era o seu convênio. Nem chegou a examiná-la ou ao menos olhar para seus pés inchados. Disse que ela teria que fazer alguns exames, mas que não eram feitos ali, e sim na clínica dele. Deu-lhe um papel com o endereço e disse para ir lá, e que logo as “doutoras” iriam também para auxiliarem nos exames.

Minha parente achou isso um pouco estranho, porque já havia passado por várias consultas naquele que é um hospital de referência, e a conduta não costumava ser aquela, mas, como várias casas ao redor fazem parte do complexo hospitalar, não questionou; afinal, para ela, aquele hospital estava acima de qualquer suspeita.

A clínica não pertencia ao hospital

Apesar da dificuldade em caminhar, apoiada em sua irmã, também idosa, ela foi ao endereço indicado. Achou que fosse perto, mas foi se distanciando cada vez mais do hospital. Quando chegou ao elegante prédio, vários quarteirões abaixo, notou que o lugar nada tinha a ver com o hospital.

Para encurtar a história, a secretária que a atendeu foi bem taxativa: o convênio não cobriria os exames que ela precisava fazer, mas que não se preocupasse, ela faria todos os papéis e depois “a equipe” entraria em contato para orientá-la sobre como pedir o reembolso ao convênio.

Ela alegou que não tinha dinheiro ou cartão de crédito para pagar os exames. A moça disse para não se preocupar, que não precisaria pagar nada, só iria repassar o valor quando o convênio reembolsasse. “Não vai ter problema, o convênio da senhora é tranquilo”, completou.

Enquanto esperava, já bastante incomodada com a situação, pois nada naquele consultório bem decorado dava indícios de que ali houvesse equipamentos que o hospital não tivesse, prestou atenção a alguém numa sala ao lado que fazia várias ligações, todas cobrando pessoas sobre reembolso de procedimentos: “A senhora olhou na sua conta para ver se o convênio já depositou o reembolso? Olhou ontem? Ah, mas precisa olhar todo dia…” e outros do mesmo teor.

Tia, sai daí que isso é golpe!

Ela acabou se lembrando de uma sobrinha que tinha passado por uma situação parecida, em uma clínica de nutrologia num bairro de Moema, zona nobre da cidade. Foi para o corredor do prédio e ligou para ela, que imediatamente lhe disse:

– Tia, sai daí que isso é golpe!

A sobrinha contou-lhe a situação que viveu e o enrosco em que se meteu, pois fez vários exames nesses moldes, a clínica superfaturou os exames e incluiu até procedimentos que ela nem fez, e mandou a conta para o convênio, que pagou uma parte e, certamente, percebendo a incongruência nos valores, bloqueou o restante, e a moça se via com uma dívida de mais de 20 mil reais, constantes ligações de cobrança e ameaças.

Antes de voltar para o consultório, ela telefonou para o hospital para confirmar se aquele procedimento era normal, e o funcionário que a atendeu lhe disse que era estranho e a aconselhou a voltar ao hospital e ir direto para o pronto atendimento.

Ela fez isso, e lá recebeu o tratamento adequado: fez ultrassom dos membros inferiores, exame de sangue, exames cardíacos e foi medicada. Passou a tarde inteira no pronto atendimento, de onde saiu com um encaminhamento para um cardiologista.

Foi à consulta com esse especialista na manhã seguinte, por coincidência, no mesmo andar do médico da véspera, só que este a atendeu com todos os protocolos, pediu mais exames e fez outro encaminhamento.

Enfim, depois de passar por um excelente atendimento, tanto por parte do médico quanto dos exames, recebeu o diagnóstico e iniciou o tratamento – e o problema nem era vascular.

Um golpe contra os planos de saúde

Enquanto esperava, entre um procedimento e outro, o Google mostrou-lhe o problema. Bastou uma breve pesquisa para aparecer uma série de casos de golpe desse tipo que, na verdade, não têm como foco principal os pacientes; eles acabam sendo apenas o meio pelo qual os golpistas tentam lesar os planos de saúde.

Nos sites de vários planos, já existem avisos para os conveniados tomarem cuidado com os golpes, que consistem na realização de exames e procedimentos por profissionais e clínicas não credenciadas, mediante o pedido de reembolso.

Aparentemente, não há nada ilegal nisso, pois os próprios convênios preveem o reembolso de procedimentos feitos fora da rede conveniada em algumas situações. O estelionato consiste no pedido de reembolso para exames e procedimentos superfaturados ou que não são cobertos pelos convênios, mas que são lançados com códigos de outros que têm cobertura e que não foram executados.

De acordo com dados fornecidos pela Federação Nacional de Saúde Suplementar, em meados de 2024, as estatísticas apontaram um aumento de 66% de golpes em relação ao ano anterior, com um registro de 2.402 fraudes.

O falso estereótipo do marginal

Estou tratando deste assunto por dois motivos: o primeiro é alertar as pessoas para evitarem cair numa situação como essa, especialmente as pessoas idosas. Em caso de dúvida, não façam nada e nem assinem nada sem confirmarem com os seus convênios.

 E, em hipótese alguma, passem seus usuários e senhas para quem quer que seja, mesmo para um médico de um grande hospital ou membros de sua equipe.

Essas informações são pessoais e intransferíveis, e confiá-las a terceiros pode torná-lo cúmplice de práticas ilegais e estelionato, mesmo que você não passe de uma vítima.

Infelizmente, temos um falso estereótipo dos marginais. Nem sempre eles serão um jovem de bermudão com um revólver na mão e uma toca cobrindo a cara. Podem ser pessoas muito elegantes, com diploma de curso superior na parede de consultórios e clínicas bem decoradas, ou até dentro dos hospitais mais confiáveis.

O mal é tão poderoso que traz para as suas fileiras até aquelas pessoas das quais jamais iríamos desconfiar. O fascínio pelo dinheiro fácil perde muitas almas…

Minha familiar levou o caso ao conhecimento de seu plano de saúde e também do hospital. Depois de quase dois meses analisando a sua reclamação, o hospital respondeu que “suas instalações estão preparadas para a realização dos exames mais modernos e, em caso contrário, jamais indicam outro local a ser feito, deixando essa escolha a cargo do paciente”.

Se foi tomada alguma providência, nunca saberemos, mesmo porque, felizmente, nesse caso, não houve a consumação do golpe, apenas a intenção e, só quem julga as intenções é Deus; nossa justiça precisa de provas e fatos concretos e, ainda assim, costuma falhar…

Por isso, fiquemos atentos em todas as circunstâncias e lugares, “simples como as pombas, mas prudentes como as serpentes.”

Por Afonso Pessoa

 Foto: Online Marketing/ Unsplash

Deixe seu comentário

Notícias Relacionadas