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Entre raios e arco-íris

“Deus disse: ‘Eis o sinal da aliança que eu faço convosco e com todos os seres vivos que vos cercam, por todas as gerações futuras. Ponho o meu arco nas nuvens, para que ele seja o sinal da aliança entre mim e a terra’” (Gn 9, 12-13).

arco iris

Redação (05/12/2024 14:37, Gaudium Press) Havia um rei muito poderoso e os domínios de seu reino se estendiam por toda a terra que os olhos pudessem alcançar, e um pouco além. O que mais se destacava era o seu palácio, que podia ser visto de longe e era admirado por todos.

O reino passou por muitas provas, enfrentou guerras e revoltas, traições e motins, foi governado por bons reis e por maus reis, mas sobreviveu ao tempo e a todas as tempestades.

Havia uma crença de que aquele era um reino indestrutível; crença que se mostrava verdadeira, pois, mesmo quando teve reis péssimos, o reino não se desfez.

Este reino tinha muitos súditos e, para manter o controle sobre essa imensidão de pessoas, foi necessário contar com o auxílio de homens nobres, que, no início, mantinham-se em perfeita consonância com o soberano, o que garantia que todos vivessem em perfeita paz.

Um corpo em harmonia

Vez ou outra, um ou alguns desses nobres não eram tão dedicados quanto se esperava. Suas atitudes ou omissões ameaçavam partes do reino, seja por atos de revolta, por descuido ou por querer levar vantagens pessoais indevidas.

 A longa sobrevivência desse reino se deu pelo fato de haver um acordo: todos os que vivessem sob seu domínio teriam a sua importância reconhecida, exercitando da melhor maneira o dom com que foi agraciado ao nascer.

Poder-se-ia dizer que toda aquela imensidão de pessoas formava um verdadeiro corpo, cada qual com sua devida função, como num corpo humano o é a perna, o braço, o estômago, o fígado, o pé.

Para que a perfeita ordem fosse mantida, deveria haver, antes de qualquer coisa, uma genuína admiração pela função que cada um desempenhava, mantendo-se, assim, uma interdependência entre todos. Cada um reconhecia o seu exato lugar e se sujeitava de bom grado à subordinação hierárquica.

Foto: Felix Mittermeier/ Unsplash

Foto: Felix Mittermeier/ Unsplash

Um raio, sinal do Céu

De tempos em tempos, esgotava-se a vida de um rei, mas logo que ele adormecia, era substituído por um sucessor, e todos que usavam a nobre coroa da realeza sabiam que o papel fundamental de seu reinado era viver um amor genuíno por seu povo e mantê-lo unido e firme em seu propósito: a sobrevivência, o progresso, a segurança do reino e sobretudo o bem espiritual de todos.

Acima desse reino, havia um reino maior, o qual, esse sim, abarcava toda a Terra, com seus vales, montanhas, florestas, mares e rios, e o reino menor, a ele devia vassalagem.

Certa vez, um rei de muitos conhecimentos, que tinha nos estudos a sua fonte de alegria, estando há muito tempo no trono, começou a se sentir cansado e incomodado com o comportamento de alguns daqueles encarregados de ajudá-lo.

Havia até quem falasse na existência de uma conspiração secreta que comprometia a autoridade do rei, mas é possível que fossem apenas falácias que circulavam pelos corredores reais.

Verdade é que o rei ancião foi se sentindo cada vez mais cansado e desanimado, até o dia em que chamou seus subordinados e avisou que não reinaria mais.

De um lado, comoção; de outro, surpresa. Não havia outro assunto de canto a canto do reino, e o caso foi tão surpreendente que, até em outros reinos e culturas distantes, a triste notícia se espalhou.

Foi assim que, numa noite escura da história, quando o tempo parecia suspenso e os súditos buscavam entender o que se passava, o céu se iluminou com um raio que parecia mirar o centro da cúpula do castelo. Muito rápido, porém assustador.

Chegada de um novo rei

O novo rei se instalou. Em pouco tempo, caiu no agrado de muitos e o rei anterior, recolhido em seu silêncio, foi sendo cada vez menos lembrado.

Algumas mudanças aconteceram, alguns acordos de paz foram selados com reinos distantes e a vida continuou.

Havia, porém, um súdito, cuja presença parecia incomodar o rei. Não ocupava uma posição de destaque, mas tinha uma qualidade muito especial: ele amava aquele reino quase mais que a própria vida, e assim ensinou aos seus filhos que o amassem também, servindo-o e dando a vida, se necessário fosse.

Era um exemplo de amor e zelo tão grandes que inspirou muita gente a também amar assim.

Essa enorme dedicação era notada pela Rainha, que, sem desdourar sua majestade, sempre que podia, favorecia o fiel súdito com um ou outro favor.

O papel daquele bom homem era manter limpas as vidraças do castelo, mas ele fazia isso com tal empenho que, às vezes, o vidro nem era visto de tão limpo, deixando entrar a luz sem nenhum embargo.

Um servo que incomodava…

No entanto, quanto mais ele e seus dedicados filhos se esmeravam para manter as vidraças reluzentes, mais o rei se incomodava, e passou a nutrir desconfianças em relação ao servo dedicado e fiel.

Pediu aos seus capatazes que ficassem atentos, pois, com postura tão reta e tanta preocupação em deixar as vidraças limpas, aquele homem e seus virtuosos filhos podiam estar tramando alguma coisa, insistindo em deixar visível o que se passava no interior do castelo.

Um conselheiro sugeriu colocar cortinas nas janelas e, assim, nas salas mais usadas pelo rei, pesadas cortinas escuras começaram a ser instaladas.

Essa atitude desagradou muita gente, pois todos gostavam de olhar pelas vidraças que permitiam vislumbrar a beleza e os encantos do palácio, com toda a sua milenar riqueza. Mas atrás das grossas cortinas, tudo isso começou a desaparecer.

O tempo passou e, não encontrando nada que desabonasse aquela família de trabalhadores, não tendo, portanto, como os afastar do reino, o rei foi instalando cada vez mais cortinas, agora também nas brilhantes e coloridas janelas, a fim de que o árduo trabalho de mantê-las limpas deixasse de ser visto e admirado e, dessa forma, a luz foi sendo cada vez mais impedida de entrar naquele recinto outrora tão iluminado.

A despedida do limpador de vidraças

Dia chegou em que o bom limpador de vidraças deixou esta vida. Pessoas de todas as partes do reino se dirigiram até a sua casa, situada num local distante do palácio, a fim de se despedirem. Houve muitas homenagens e muita comoção. Contudo, o rei fingiu que nada tinha acontecido, embora bem soubesse que os bons são premiados na eternidade e que Deus não deixa de punir aqueles que agem mal na Terra.

De fato, surgiu um sinal tão refulgente no Céu que a dor da despedida deste santo homem deu lugar a sorrisos de alegria: olhando para o alto, pôde-se ver, em várias partes do reino, um majestoso arco-íris, que tocava e envolvia a casa do zeloso lidador.

Muitos se lembraram, assim, do sinal da eterna aliança feita entre Deus e os homens, através de seu servo Noé, que “pela fé foi avisado a respeito de acontecimentos imprevisíveis; cheio de santo temor, construiu a arca para salvar a sua família. Pela fé ele condenou o mundo e se tornou o herdeiro da justificação mediante a fé” (Hb 11, 7).

Então, consolados e serenos, todos voltaram para suas casas; saudosos, mas repletos de esperança de que, no tempo oportuno, a soberana Rainha retirará as cortinas e deixará, novamente, a luz do Sol entrar.

Por Afonso Pessoa

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