Bartimeu e os cegos de Deus!
É digno de comiseração quem perdeu a vista, como o pobre Bartimeu…
Redação (26/10/2024 17:39, Gaudium Press) Segundo a narração de São Marcos, Jesus Se encontra em viagem rumo a Jerusalém, deixando atrás de Si Cesareia de Filipe, ao norte da Galileia. Como nunca perdia um só segundo nem oportunidade, Ele aproveitará o percurso para ir instruindo seus discípulos, a fim de torná-los aptos à grande missão que lhes caberá, uma vez fundada a Igreja.
“Naquele tempo, Jesus saiu de Jericó junto com seus discípulos e uma grande multidão. O filho de Timeu, Bartimeu, cego e mendigo, estava sentado à beira do caminho. Quando ouviu dizer que Jesus, o Nazareno, estava passando, começou a gritar: ‘Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!’” (Mc 10,46-47)
Ao iniciar-se a caminhada, uma grande multidão se junta aos discípulos, sempre desejosa de assistir a mais algum milagre ou de ouvir as maravilhas transbordantes dos lábios do Mestre. Como primeiro ato deste trajeto está a cura de um cego. São Mateus narra o fato como tendo se passado com dois cegos (cf. Mt 20,29-34), e não apenas um. São Marcos diz-lhe o nome: Bartimeu, ou seja, “filho de Timeu”. Ademais, à diferença de São Mateus, acrescenta outros dados muito interessantes: o empenho das pessoas do povo em estimular o pobre cego a se aproximar de Jesus, logo após terem ouvido que o chamavam. Como também a prontidão deste, ao lançar fora seu manto e saltar, procurando acercar-se do Mestre. Mateus, por sua vez, afirma ter-se dado a cura quando Jesus tocou os olhos do cego, e Lucas menciona uma forma imperiosa empregada por Ele (cf. Lc 18,35-43). A conjugação das três narrativas nos dá um quadro minucioso do acontecido.
Aproveitando a chance da sua vida
“Muitos o repreendiam para que se calasse. Mas ele gritava mais ainda: ‘Filho de Davi, tem piedade de mim!’” (Mc 10,49).
Quase nunca faltam a essas cenas evangélicas os aspectos carregados de cores, característicos do Oriente. Os costumes, marcados por um temperamento borbulhante e nada retraído, se refletem tanto na atitude do cego Bartimeu como na reação da multidão contra os gritos dele.
Seja como for, esta disputa entre os acompanhantes de Jesus e o cego tem um lado pitoresco, muito próprio a uma sociedade orgânica, na qual nem se chegara a sonhar com um mundo dominado pela máquina. Nela, o relacionamento humano é não só intenso, mas constitui até a essência da vida comum e cotidiana. Todos querem tirar partido da presença de um Homem incomum, transbordante de sabedoria e que multiplica bondosamente os milagres por onde passa. A multidão não deseja perder a menor oportunidade de vê-Lo e ouvi-Lo.
A comitiva, ao se deslocar, evita ao máximo os empecilhos para apanhar todos os comentários do Mestre, e a gritaria de um cego torna difícil seguir o fio das exposições. Contudo, para Bartimeu era a única e exclusiva chance de sua vida. Por isso, enquanto uns o repreendem, mais alto ainda ele grita.
Jesus Se agrada com a insistência
“Então Jesus parou e disse: ‘Chamai-o’. Eles o chamaram e disseram: ‘Coragem, levanta-te, Jesus te chama!’ O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus” (Mc 10,49-50).
A certa altura, o Salvador interrompe a marcha e manda chamar o cego. Segundo Mateus, Ele toma sobre Si a iniciativa de fazê-lo aproximar-se. Com tais e tantos gritos, era evidente que Cristo já o ouvira, todavia agradava-Lhe aquela insistência. É bem exatamente o que se passa conosco em nossas orações. Deus quer nossa constância.
A determinação de Jesus criou uma expectativa na multidão, e esta reação psicológica transformou a anterior acidez em empenho de estimular o cego a encher-se de ânimo. Este — como sói acontecer com quem perde o sentido da visão —, por instinto, discerniu onde estava Aquele que tinha o poder de curá-lo e, num salto, a Ele se dirigiu, pouco se importando com seu próprio manto, lançando-o de lado.
O mal da cegueira espiritual
A cegueira, quer seja física, quer espiritual, é um mal indolor. A primeira é involuntária quanto à origem, mas o mesmo não se dá com a outra: nesta ingressamos por culpa própria, sempre que damos largas às nossas paixões, não correspondendo às inspirações da graça e às advertências de nossa consciência. É digno de comiseração alguém que perdeu a vista, como o nosso pobre Bartimeu. Para ele, todas as belezas criadas por Deus não são senão trevas. Muito mais digno de pena é quem sepultou seu coração na obscuridade, rejeitando a luz de Deus. Para este, as verdades eternas não existem. O fogo inextinguível do inferno, as inimagináveis glórias celestes, a implacabilidade do juízo particular ou do Juízo Final jamais lhe passam pela mente e, portanto, não o impressionam. Poderá assistir a alguma cerimônia representando a Paixão de Nosso Senhor, de um Deus que Se encarna e morre na Cruz para nos redimir, sem ocorrer-lhe algum pensamento piedoso de contrição, confiança ou gratidão. O sobrenatural não o comove, pois não passaria de uma invenção humana submersa nas trevas de sua consciência.
“Mestre, que eu veja!”
Se eu me analisar, com toda a honestidade de consciência, não encontrarei no fundo de minha alma alguma sombra, onde a luz do sobrenatural não chega, um ou outro refolho onde não penetra a voz de Deus? Este é o momento de eu imitar o pobre Bartimeu. O próprio Cristo continua aqui, nos tabernáculos das igrejas. Por que não aproveitar uma ocasião para d’Ele me aproximar e pedir-Lhe o milagre? Devo temer a Jesus que passa e não volta, e bradar sem cessar, porque Ele ouve melhor os desejos abrasados…
Pureza de coração
Enfim, para não ser cego de Deus é preciso ser puro de coração. Uma das principais causas da cegueira de nossos dias é a impureza. Nosso Senhor diz no Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus!” (Mt 5,8). Não se trata exclusivamente da virtude da castidade, mas muito da reta intenção de nossos desejos. Tanto uma quanto outra vão-se tornando raras a cada novo dia, nesta era de progressiva cegueira de Deus…
Eis algumas das razões pelas quais a humanidade necessita voltar-se, com urgência, para a Mãe de Deus, apresentando, por meio d’Ela, ao Divino Redentor o mesmo pedido de Bartimeu: “Mestre, que eu veja!”.
Extraído de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2014, v. 4, p. 453-467.
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