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O estilo de Cristo e o estilo “democrático”: uma reflexão sobre o Sínodo

A Igreja é – e não pode ser outra coisa – a continuidade da presença salvífica do Redentor até o fim dos tempos.

Foto: Vatican News

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Redação (21/10/2024 11:50, Gaudium Press) Recordo-me de um brilhante bispo que, há alguns anos – em uma época em que se falava menos sobre sinodalidade do que hoje –, nos dizia repetidamente, com a segurança de um oráculo: “o futuro é a sinodalidade”, “o conceito-chave é a sinodalidade”, “a questão será a sinodalidade”, “a Igreja se orientará pela sinodalidade”. Se não me engano, ainda não havia sido divulgado todo o percurso que se iniciaria com as diversas fases do atual processo sinodal, que em breve chegará ao fim.

Esse bispo, homem notavelmente inteligente, falava deste termo com tanta ênfase que parecia que, na sinodalidade, estava concentrado o segredo de Midas, aquele toque que faria tudo na Igreja virar ouro. Considerando-o um homem bem informado, dei a ele a aquiescência que se reserva a uma autoridade respeitada, mas confesso que foi só isso, pois, para mim, o conceito era e ainda é, em grande parte, como uma linha de um hieróglifo que ainda não consegui decifrar. De qualquer forma, o eco da palavra sinodalidade ficou ressoando na minha mente …

E agora aqui estamos, debatendo, refletindo, preocupando-nos com a questão da sinodalidade.

No entanto, a Igreja é – e não pode ser outra coisa – a continuidade da presença salvífica do Redentor até o fim dos tempos. Porque Cristo não nos deixou apenas a Eucaristia, Cristo nos deixou mais, deixou-nos a Igreja que celebra a Eucaristia e que é o Seu próprio Corpo místico. Portanto, não pode ser que agora se tenha descoberto algo extremamente valioso que, por muitos séculos, permaneceu escondido como um tesouro de um pirata ou do Conde de Monte Cristo. Tudo o que se encontra hoje deve ter continuidade com o que Cristo deixou e com o que, de alguma forma, foi reconhecido pela Igreja em sua tradição bimilenar.

Assim, procurando essas raízes (que devem existir, sob pena de se declarar que o que está sendo projetado é uma Igreja diferente daquela fundada por Cristo), tem-se afirmado que a sinodalidade nada mais é do que um desenvolvimento do sensus fidei, do senso de fé presente nos fiéis, algo como a versão mais católica da vox populi, vox Dei. E é verdade, a Igreja nunca desprezou este sentimento católico básico, mas é verdade também que este sensus, para adquirir direitos de cidadania, tem de passar pelo filtro do Magistério, pela reflexão dos teólogos e, sobretudo, pela conformidade com as palavras do Redentor e com uma história de 2.000 anos. Na Igreja, o sensus fidei não é soberano, entre outras razões, porque a história está repleta de ocasiões em que ele, por si só, comete erros, e grosseiramente, como quando o então povo de Deus e o seu sensus preferiram o ladrão Barrabás ao Divino Jesus.

Sim, o Espírito Santo, ou Deus Pai, ou Cristo, pode falar diretamente a um Papa (antes de definir infalivelmente uma doutrina ex cathedra), pode falar aos bispos reunidos em Concílio ou Sínodo e, sem dúvida, pode falar ao povo para que a sua voz se espalhe por meio dele a toda a Igreja, por exemplo, quando falou a algumas crianças para confirmar ou promover a proclamação de um dogma. Deus falou a certas religiosas simples para pedir que se difundisse ou criasse uma devoção – como no caso do Sagrado Coração de Jesus, ou Corpus Christi – e também o fez através da Virgem aos simples pastorinhos de Fátima, enviando uma mensagem de advertência a toda a humanidade; uma mensagem que, no início, encontrou muita oposição, mas que se difundiu entre os fiéis, abrangendo todo o mundo católico. Entretanto, estas vozes de Deus, ou do Espírito, devem sempre cumprir o escrutínio da Tradição e do Magistério da Igreja, porque às vezes não é Deus quem fala, mas a loucura humana e até mesmo o diabo sob o disfarce de Deus.

Entretanto, ao ler certos textos, ou ouvir certas autoridades que falam sobre sinodalidade, tem-se a impressão de que finalmente foi encontrado um método infalível para discernir a voz do Espírito Santo, da vontade de Deus. Essa voz, segundo essa perspectiva, deve necessariamente passar pela escuta do povo, que, sob certas condições, seria infalível à maneira das democracias liberais contemporâneas. Porém, isso é falso: o ‘povo’ não é infalível, nem o mero povo de Deus, nem o povo ‘soberano’ destas democracias, as quais muitas vezes pagaram com sangue suas decisões equivocadas.

De fato, o povo não só erra, mas em muitos casos precisa ser reformado, evangelizado, convertido, porque se desviou do bom caminho devido à sua inclinação ao pecado, à influência de maus pastores ou ao mundanismo que se infiltrou nele e até o corrompeu.

Um exemplo claro é povo judeu da época de Jesus. Embora tivesse bons movimentos em direção ao Salvador, e abrigado figuras notáveis, como João Batista, Lázaro, Simeão etc., também nutria uma compreensão fundamentalmente errada do Messias e do Reino de Deus. Eles viviam como se esta vida fosse o fim absoluto, fazendo dos prazeres e do orgulho, em grande parte, a alegria de existir. Deste povo surgiu a semente da Igreja nascente, depois do sacrifício de Cristo, mas foi punido, em sua generalidade, por não ouvir a Voz que veio para salvá-lo.

Portanto, tentar introduzir dinâmicas de estilo democrático-liberal na estrutura da Igreja é deformá-la, é renunciar ao que Cristo ordenou e deixou: o caminho de salvação parte Dele e deve conduzir a Ele. Ele nos deu seus ensinamentos e exemplos, ofereceu seu sacrifício máximo e exortou: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi” (Mt 28, 19-20).

Jesus Cristo não disse: “Bem, dirijam-se às sinagogas e reúnam-se com o povo de Deus em assembleias de espírito sinodal. Realizem um balanço das questões problemáticas, recolhem as propostas, depois reúnam-se, analisem-nas, façam votações e, em seguida, vocês vão definindo como lhes comunico e o que lhes desejo transmitir”. Não, não foi isso.

Recentemente, foi noticiado que a grande maioria dos participantes do Sínodo rejeitou a ideia de uma espécie de descentralização da Igreja, que de certa forma, poderia diluir a autoridade hierárquica e magisterial central, em favor de um modelo mais ‘democrático’ de escuta a nível local. Essa rejeição ainda é uma boa notícia. Basta pensar no que aconteceu recentemente na Bélgica, em decorrência da visita do Papa, ou no que ocorre na Alemanha e em amplos setores da Igreja, para perceber que o estabelecimento desse estilo resultaria na fragmentação e na explosão da Esposa de Cristo.

Entretanto, o que considero alarmante é que tal proposta tenha sido apresentada. E aqueles que defendem esta nova Igreja democrática não são pessoas irrelevantes.

Rezemos.

Por Carlos Castro

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